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Afronta Gratuita à Solidariedade Intergeracional

Carta aberta (pelo respeito que os governantes devem à dignidade de TODOS os portugueses )

 

Inconsciência: falta de responsabilidade

Social: que diz respeito à sociedade

Afronta: expressão ou acção injuriosa ou de desprezo

Gratuita: que não tem fundamento

Solidariedade: reprocidade de obrigações e interesses

Intergeracional: relativo às relações entre as gerações

 

A União Europeia declarou 2012 como «Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações». Nesse âmbito, o Governo de Portugal emitiu, em Janeiro deste ano, um Programa de Acção subordinado ao seguinte lema:

 

Viver mais tempo implica envelhecer. Maior longevidade não é um fatalismo ou uma ameaça. É uma vitória da humanidade e uma oportunidade de potenciar o «património imaterial» que significa o contributo das pessoas mais velhas.

   

Pois bem, o ano que começou com esta enunciação de valores, tão nobre pelos princípios como abrangente por respeitar todos os portugueses, apresta-se para terminar com a mais sórdida prática fiscal, soez retórica política e despudorada propaganda demagógica: à amplamente reconhecida iniquidade das normas contidas no Orçamento de Estado para 2013, juntam-se agora as insidiosas declarações do primeiro-ministro, no dia 16 de Dezembro, ofendendo com a maior indignidade todos os portugueses e, em especial, os aposentados, pensionistas e reformados cujas pensões superem o "fabuloso" rendimento mensal de 1.350 euros!

 

Dispenso-me de tecer comentários e desfiar argumentos já profusamente enunciados pelos mais credenciados especialistas e respeitados juristas, que demonstram à evidência a ilegalidade confiscadora e inconstitucional da “Contribuição Extraordinária de Solidariedade”. Relembro apenas, que o OE 2013 prevê que a sua aplicação respeite, única e exclusivamente, aos rendimentos provenientes de pensões pagas pela Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações e, pasme-se o despautério, também às pensões provenientes de fundos de pensões e de rendas vitalícias resultantes de património privado acumulado por via da poupança.

 

Centro-me exclusivamente na inconsciência social demonstrada pelo primeiro responsável (ao menos teoricamente) pelo governo do país, ao fazer, no discurso de encerramento do XXII congresso da Juventude Social-Democrata, as graves declarações que o jornal Público Online relata assim:

  

Passos diz que pensionistas ”estão a receber mais do que descontaram”

 

O primeiro-ministro defendeu este domingo que os reformados que recebem pensões mais elevadas devem ser chamados a contribuir mais que os restantes para o esforço colectivo porque estão a receber mais do que descontaram.

 

“Queixam-se de lhes estarmos a pedir um esforço muito grande e dizem que estão apenas a receber o que descontaram” ao longo da sua vida de trabalho”, afirmou o primeiro-ministro, para a seguir contrariar tal teoria. “Não é verdade. Descontaram para ter reformas, mas não aquelas reformas” que hoje recebem, vincou o chefe do Governo.

 

Estão, na verdade, realçou ainda, “a receber mais do que descontaram”. E as suas reformas são pagas por quem está hoje a trabalhar e que, quando chegar a sua vez de ser pensionista, terá reformas mais baixas do que os níveis de hoje. Os contribuintes de hoje terão reformas de acordo com a sua carreira contributiva."

 

Por isso, é “justo que aqueles que não descontaram na proporção que estão a receber e que têm pensões muito elevadas” sejam chamados a fazer um “contributo especial” numa altura de “dificuldades” como a actual….

 

Perante os “jotas” do PSD, o primeiro-ministro voltou a falar no assunto, argumentando com a necessidade de fazer uma redistribuição equitativa – dos recursos e dos sacrifícios.

 

“Por que é que 87% dos pensionistas não foram afectados” pelos cortes nas pensões, perguntou Pedro Passos Coelho. “Porque têm pensões inferiores a 600 euros, muitos deles fora do regime contributivo, quer dizer, nunca descontaram e têm que ser o Estado e os contribuintes de hoje a poder dar-lhes o mínimo para poderem viver com o mínimo de dignidade”, apontou o primeiro-ministro. Uma “responsabilidade intergeracional “ que é “indispensável na reforma do Estado. O que está em causa é gastar menos e gastar melhor”, acrescentou.

 

“Mas há 5% dos pensionistas, que são mais de metade do regime público, que recebem em média muito mais do que o dobro e na sua maioria não descontaram na proporção do que recebem hoje”, criticou o primeiro-ministro perguntando: “É isto justo? Querem encontrar na Constituição uma desculpa para perpetuar esta injustiça?”

 

Mais: “Onde estavam essas personalidades tão preocupadas com as suas pensões quando o sistema mostrou esta iniquidade e desigualdade que fere a sensibilidade social?” Passos Coelho defendeu depois a necessidade de um “Estado mais justo que redistribua melhor não a pobreza mas a riqueza que o país é capaz de criar”.

 

Leio, vejo na televisão e volto a ler e volto a ver… e custa-me acreditar. Custa-me acreditar que um primeiro-ministro de um país civilizado, que passa por uma grave crise financeira, económica, política e social, tenha o dislate e o despudor de afrontar gratuitamente a inteligência dos portugueses.

 

Custa-me acreditar que ao arrepio do mais elementar critério de bom senso e ao inalienável sentido de Estado que um primeiro-ministro não pode dispensar, Passos Coelho tenha resolvido deturpar realidades, escamotear factos, distorcer situações, omitir informação relevante, enfim, enviesar a verdade, para, incendiariamente, pôr portugueses contra portugueses. É indesculpável que, por mera inconsciência ou pensando que beneficiaria a política esquizofrénica deste (des)governo ultraneoliberal e da sua “amada troika”, tenha tentado pôr gerações mais novas contra gerações mais velhas, filhos contra pais, netos contra avós, menos favorecidos contra mais favorecidos… todos contra todos para mais facilmente destruir a classe média e cumprir o desígnio máximo de empobrecer Portuga!

 

Sabe senhor primeiro-ministro, eu, nós, os que vimos os nossos pais serem solidários com os nossos avós, os que beneficiámos da solidariedade possível dos nossos pais até termos recursos para ter casa própria, os que contribuímos para que os nossos pais tivessem pensões minimamente dignas, os que fomos obrigados a fazer uma guerra que não era a nossa, os que fizeram a primeira viagem de avião a caminho da guerra colonial, os que tivemos de trabalhar de dia e estudar à noite, os que pagámos integralmente as nossas contribuições para os sistemas públicos de reforma, os que tivemos a preocupação de proporcionarmos aos nossos filhos mais do que os nossos pais nos tinham podido dar, os que trabalhámos para o progresso de Portugal, os que apoiámos a implantação da democracia, os que poupámos o que podíamos para nos salvaguardarmos de imprevistos na velhice sem nos tornarmos um peso para os nossos descendentes, os que estamos dispostos a apoiar filhos ou netos que sejam apanhados nesta crise criada pelos interesses financeiros de magnatas sem escrúpulos, os que estamos a ser espoliados nas pensões que independentemente do que quer fazer crer não são superiores aos valores que descontámos… nós não lhe reconhecemos capacidade intelectual nem estatuto ético para nos dar lições de moral, e não lhe faremos a vontade de quebrar a solidariedade intergeracional.

 

Contrariamente ao que disse, a solidariedade não é “indispensável na reforma do Estado”, é sim” indispensável para a reforma do Estado”; do Estado Social que queremos, não do Estado Assistencial que nos quer impor, custe o que custar!

Rui Beja

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publicado às 10:03


8 comentários

De Jorge Roque a 18.12.2012 às 14:42

Só posso aplaudir.
Não digo mais nada, porque a minha indignação levar-me-ia a escrever coisas que não estariam ao nível do que escreveste. Passo-me e posso ficar obsceno. Há dias disseste-me que, num determinado contexto, pensei e escrevi de forma "soft". Hoje, já não posso. Coerentemente, penso o mesmo (pior, talvez) que pensava e criticava em situações anteriores. Isto porque não divido o mundo em bons e maus, consoante as suas origens ou onde se mexem.
Se eu mandasse, instaurava um MInistério que se intitularia "Ministério sério para resolver m..." E há tantas para tratar.
Sobrar-me-ia um problema. Quem seria o ministro? E a equipa?

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