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Os velhos: não é possível exterminá-los?

Artigo e fotografia de José Pacheco Pereira, historiador, no Público Online de 30 de Novembro de 2013

 

 

Com o prestígio intelectual que lhe é amplamente reconhecido, e o desassombro pessoal que o caracteriza, o social-democrata Pacheco Pereira, que tem vindo a denunciar insistentemente a incompetência e a agenda ultraneoliberal do governo de Passos Coelho, reafirma de modo frontal e fundamentado a sua discordância com as práticas que estão a ser seguidas;  incidindo especialmente no ataque que está a ser feito à condição de ser mais velho.

Subscrevo por inteiro as palavras de Pacheco Pereira. Estamos perante um genocídio administrativo, merecedor de veemente repúdio e de todas as consequências sociais legalmente aplicáveis a um acto desta natureza.

  

Eu gostaria muito de escrever artigos racionais, ponderados, que merecessem uma aura académica e sensata, que unissem em vez de dividir, que me permitissem ter a minha quota de lugares, prémios e prebendas, mas estou condenado, nestes tempos, a escrever cada vez mais panfletos. Acontece. Isto do imperativo categórico, como Kant sabia, é uma maçada.

 

Isso deve-se ao facto de não querer ter nenhuma falinha mansa, daquelas que enchem o balofo da nossa política de mútuos cumprimentos e salamaleques, com gente que se mostra impiedosa por indiferença, hostil com os fracos que estão do lado errado da “economia”, subserviente com os fortes, capaz de usar todos os argumentos para dividir, se daí vier alguma pequena folga para as suas costas.

 

Tenho dito e vou repetir: a herança que estes dois anos de “Governo” Passos Coelho-Portas-troika vai deixar ultrapassará muito o seu tempo de vida como governantes. Se não for antes, em 2015, passarão à história como um epifenómeno dos tempos da crise e sobreviverão incrustados nos partidos de onde lhes vem o poder, como um fungo que não se consegue limpar. Vão continuar a estragar muita coisa, mas a própria lógica de onde vieram os substituirá por outros mais ou menos maus. A maldição portuguesa é esta. Aquilo que mais precisamos, não temos.

 

Mas, mesmo que desapareçam como as figuras menores que realmente são, vão deixar estragos muito profundos no tecido já de si muito frágil da nossa vida colectiva, cavando fundo divisões e conflitos, destruindo o pouco de humanidade social que algum bem-estar tinha permitido. Eles estão, como as tropas romanas, a fazer no seu Cartago, infelizmente no nosso Portugal, o terreno salgado e estéril. Pode-se-lhes perdoar tudo, os erros de política, a incompetência, o amiguismo, uma parte da corrupção dos grandes e dos médios, menos isto, este salgar da terra que pisamos, apenas para obter uns ganhos pequeninos no presente e com o custo de enormes estragos no futuro.

 

Um exemplo avulta nos últimos dias, que já vem de trás, mas que ganha uma nova dimensão: o ataque aos velhos por serem velhos, uma irritação com o facto de haver tanta gente que permanece como um ónus para o erário público apesar de já não ser “produtiva”, de não ter saída no “mercado do trabalho”, de estar “gasta”. De ministros que não leram Camões e nem sequer sabem quem são os “velhos do Restelo”, a gente que pulula nesse novo contínuo dos partidos e do Estado que são os blogues, a umas agências de comunicação que são as Tecnoforma dos dias de hoje, boys e empregados de todos os poderes para fazerem na Internet e nos jornais o sale boulot, todos, de uma maneira ou de outra, atacam os velhos, por serem velhos. Numa sociedade envelhecida, isso significa atacar a maioria dos portugueses, em nome de uma ideia de juventude “empreendedora”, capaz de fazer uma empresa do nada só com “ideias”, “inovação” e design, sem os vícios do “passado”, capaz de singrar na vida sem “direitos adquiridos”, nem solidariedade social, imagem que tem o pequeno problema de ser tão mitológica como a Fada dos Dentinhos.

 

Grande parte do ataque a Mário Soares e a muitos que estiveram na Aula Magna foi feito em nome de eles serem “velhos”, logo senis. Nem sequer é por implicação, é dito com clareza, com o mesmo tipo de “argumentos” com que os soviéticos enviavam os dissidentes para os asilos psiquiátricos porque quem estivesse no uso normal das suas faculdades não podia deixar de ser comunista. Aqui é o mesmo: só pode ser senil quem duvidar da bondade das medidas do Governo, apresentadas como sendo a realidade pura, inescapável, inevitável. Como pode estar bom da cabeça quem coloca em causa a versão em “economês” da lei da gravidade? Só um louco. E se for velho, é-se senil, ultrapassado, antiquado, mesquinho, por definição. Não há outra maneira de explicar que haja velhos com tantas ideias “erradas” sobre a bondade do nosso “ajustamento” e que sejam empecilhos para os “jovens” brilhantes que o aplicam com vigor e sem vergonha.

 

Muito do discurso contra os velhos, que começa, em bom rigor, cada vez mais cedo, quando se perde o emprego e se fica “gasto” para o mercado de trabalho, é um discurso que pretende ser utilitário no plano político, e é isso que o torna moralmente desprezível. Destina-se a justificar o violento ataque a reformas e pensões, a gente que trabalhou a vida toda, e que ainda tem memória do que custou obter esses malfadados “direitos”, resultado de “contratos” de “confiança” com o estado, tudo coisas de velhos que estão a “roubar” aos mais novos do seu futuro. Estão a mais. E se eles não percebem que estão a mais a gente vai mostrar-lhes pelo vilipêndio e pelo saque que já há muito deveriam ter desaparecido.

 

Muita coisa tem hoje a ver com esta demonização da idade. Um caso entre muitos, é o que se está a passar com o despedimento colectivo dos trabalhadores dos Estaleiros de Viana do Castelo. Nem sequer discuto se a empresa tinha que encerrar ou não, porque a partir de um certo nível de dolo e degradação da linguagem esse não é o primeiro problema. Podia ser, mas com esta gente não é, porque, ao fazerem as coisas como fazem, sempre obcecados em enganar-nos, merecem que contra eles se volte tudo, o discurso empolgado dos “navegadores” e a retórica do “mar”, ao mesmo tempo que se fecha o único estaleiro que sobrava, a disparidade de não querer pagar 180 milhões de euros, enquanto se aumenta a taxa para a RTP, que recebe todos os anos muito mais do que isso, a displicência com que se apresenta como grande vitória, mais de 600 despedimentos.

 

Acresce a soma de mentiras habituais: que 400 trabalhadores vão ser reintegrados (afinal não há nenhuma garantia), que vão ser pagas as devidas indemnizações (afinal parece que só a parte deles), que vai continuar a construção naval (quando não custa perceber que o que a Martifer vai fazer não são navios). O que vai acontecer é um enorme despedimento colectivo feito pelo Estado, o encerramento dos estaleiros à construção naval, o preço de saldo para a Martifer após o Estado, como no BPN, pagar todos os custos. E, na vaguíssima hipótese de alguns trabalhadores serem empregados na nova empresa, serão sempre poucos, com salários mais baixos, com uma folha de antiguidade a zero, e ficarão de fora os mais velhos e os mais reivindicativos. Alguém vai contratar um membro da comissão de trabalhadores, mesmo que seja um excelente soldador? Como muita da mão-de-obra dos estaleiros já tem uma certa idade – os velhos começam a ser velhos aos quarenta –, está-se mesmo a ver a sua “empregabilidade”.

 

Não custa fazer o discurso politicamente correcto de que a “esquerda não tem o monopólio da sensibilidade social” (e não tem), nem dizer aqueles rodriguinhos do costume do género “que bem sabemos como os portugueses estão a sofrer”, ou que “nenhum Governo gosta de tomar estas medidas”, ou elogiar os portugueses pelo seu papel “decisivo” no sucesso da aplicação do “ajustamento”, etc., etc. Na verdade, estou farto de exibições de confrangimento público e exercícios de “preocupação social”, já não posso ver a hipocrisia de Passos Coelho e de Aguiar Branco, ao lado do exibicionismo pavoneado dos soundbites de Portas.

 

Swift escreveu em 1729 uma sátira sobre a pobreza na Irlanda chamada Uma modesta proposta para evitar que as crianças dos pobres irlandeses sejam um fardo para os seus pais e o seu país e para as tornar um benefício público. Aconselhava os pobres a comerem os filhos, como meio de combater a fome, “grelhados, fritos, cozidos, guisados ou fervidos”. Na verdade, quando se assiste a este ataque à condição de se ser mais velho – um aborrecimento porque exige pagar reformas e pensões, faz uma pressão indevida sobre o sistema nacional de saúde, e, ainda por cima, protestam e são irreverentes –, podia avançar-se para uma solução mais simples. Para além de os insultar, de lhes retirar rendimentos, de lhes dificultar tudo, desde a obrigação de andar de repartição em repartição em filas para obter papéis que lhes permitam evitar pagar rendas de casa exorbitantes, até ao preço dos medicamentos, para além de lhes estarem a dizer todos os dias que ocupam um espaço indevido nesta sociedade, impedindo os mais jovens de singrarem na maravilhosa economia dos “empreendedores” e da “inovação”, será que não seria possível ir um pouco mais longe e “ajustá-los”, ou seja, exterminá-los?

 

Rui Beja

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publicado às 22:57

 A SEDES é uma entidade prestigiada que, antes do 25 de bril de 1974, exprimiu o primeiro grito de alerta colectivo-intelectual no sentido da imperiosa e irreversível adopção de princípios socioeconómicos conducentes à implementação da democracia política em Portugal.

O seu historial em prol de uma economia aberta numa sociedade livre e socialmente responsável, dispensa apresentações e leva a que o parecer agora emitido pelo seu Conselho Coordenador, relativamente à crise financeira, económica, social, e sobretudo de valores, que o país atravessa, constitua um dos mais sérios e abrangentes alertas para os dislates que estão a ser cometidos no nosso país por quem tem a responsabilidade de cuidar do presente e do futuro de Portugal e dos portugueses.

Rui Beja

 

Tomada de posição da SEDES

Outubro 2013

Acabar com a Incerteza

  

Introdução

 

A incerteza está a minar a confiança dos portugueses, com consequências muito graves para a economia e para o bem-estar da sociedade e dos cidadãos.

 

Quaisquer decisões, das mais simples, como jantar fora ou mudar de carro, até às mais complexas, como investir num projecto empresarial ou decidir ter um filho, são sistematicamente adiadas.

 

Esta incerteza é insustentável, tanto do ponto de vista social como económico.

 

Uma situação dramática

 

A situação social e económica é dramática, como quase todos reconhecem. A crise financeira do Estado espoletou uma crise económica e social de proporções inesperadas até pelos mais pessimistas. As suas origens estão nas políticas adoptadas nos últimos 10 anos, agravadas pelo caminho seguido nos últimos anos.

 

A falta de visão inicial levou a uma crise financeira do Estado apenas comparável à de 1892; a resposta à crise foi, no mínimo, desastrada, casuística e sem rumo perceptível tanto por nossa responsabilidade como das instituições europeias.

 

As políticas seguidas, em particular entre 2008 e 2010, conduziram o Estado a ficar, possivelmente, a dias de cessar pagamentos. O acordo com a troika, longe de ser perfeito, evitou o pior. Mas esse acordo só era relevante para evitar essa cessação de pagamentos, o que já não era pouco. A ideia de que o Estado está falido e, como tal, tudo é aceitável é, e tem sido, um erro grave: o acordo com a troika fez-se exactamente para evitar essa falência.

 

Entretanto, por erros de comunicação, políticas erráticas e decisões fora de tempo, criou-se uma incerteza absolutamente desnecessária e um ambiente de desconfiança em relação ao Estado de Direito incompatível com a recuperação da economia, do investimento e do emprego.

 

Ninguém confia em quase nada que seja prometido pelo governo: isso é incompatível com uma saudável vivência democrática.

 

A incerteza

 

Qualquer decisão de investimento é precedida de um estudo de viabilidade económica. Isso implica ter uma ideia minimamente estável do IRC, do IRS, do IMI, das futuras leis do trabalho, da TSU, etc. Sem uma perspectiva razoável sobre a evolução das políticas, não é possível fazer um plano de negócio; consequentemente, não há investimento. Mas sem investimento não há crescimento nem emprego.

 

O argumento do mercado interno estar deprimido não colhe, pois as empresas exportadoras têm tido um excelente desempenho e algumas estão a trabalhar em plena capacidade. Mesmo assim, o investimento não surge e não há criação de emprego.

 

Todas as semanas escutamos anúncios de medidas que abrem novas frentes e criam medo e incerteza, como aconteceu recentemente com a questão das pensões de sobrevivência. Sem discutir se a política em causa é boa ou má, contesta-se sim a errância das decisões, a confusão dos conceitos, a impreparação das soluções, a intermitência dos anúncios, a contradição dos agentes (ministros, secretários de estado, consultores, oposição).

 

Parece não haver uma verdadeira ideia do que se pretende conseguir com cada medida e das suas consequências. Ouvir, analisar e pensar antes de decidir e de anunciar parece trivial. Actualmente, é tudo menos isso.

 

A recuperação da economia e do emprego passa, num primeiro momento, pelas exportações. Este primeiro passo foi dado, porque os empresários perceberam desde cedo que no mercado externo estava a sua sobrevivência. Sem desvalorização cambial e sem alteração da TSU os resultados na frente externa foram rápidos e surpreenderam muitos economistas (mas não todos).

 

O segundo passo para a retoma económica é o crescimento do investimento que, como vimos, tarda. Sem ele não há mais emprego nem crescimento do consumo privado, que tipicamente surge num terceiro momento.

 

A recuperação do investimento passa antes de mais por políticas estáveis e previsíveis. O problema não é, neste momento, a falta de financiamento ou de incentivos, mas de credibilidade e estabilidade política e das políticas.

 

Episódios de crise governamental, como os do verão passado, põem a estabilidade seriamente em causa, com elevados custos para o País: não se podem repetir!

 

Segurança social

 

Merece particular destaque o que tem sido anunciado sobre o sistema de pensões e reformas. O parecer do FMI de há uns meses sobre a suposta reforma do Estado é particularmente enganador pois não analisa correctamente o problema, sendo sobretudo criador de ruído - fez parte do problema e não da solução; talvez por isso, já ninguém se lembre dele.

 

Neste momento, o Governo descredibilizou e retirou certeza jurídica ao sistema de pensões sem proceder a qualquer reforma visível. É de salientar que a reforma de 2007 do sistema de pensões, que foi profunda, teve particular cuidado em salvaguardar o Estado de Direito, e as garantias constitucionais e a sustentabilidade do sistema.

 

Qualquer pensão é um contrato entre o Estado e o Cidadão. Estamos todos conscientes de que a demografia tem colocado em particular stress o sistema, mas são precisas soluções globais e de longo prazo. O problema não se resolve com ameaças e, muito menos, descredibilizando o sistema de pensões e reformas.

 

A ideia de que a geração em idade contributiva não terá pensões gera uma revolta contra o facto de se pagar hoje para nada se receber amanhã. Alimentá-la encoraja todo o tipo de fugas à contribuição, agravando o exacto problema que visava resolver.

 

Escamoteia-se além disso que as pensões dos reformados de há 20 anos foram pagas pelas contribuições dos actuais reformados. E cria-se uma incerteza fundamental (mais uma!) sobre o longo prazo, gerando infelicidade, mal-estar, comportamentos anormais de aforro e de aversão ao risco acima do necessário e causadores de desemprego já hoje.

É muito grave a destruição da confiança nos segundo e terceiro pilares da segurança social: os fundos de pensões privados, embriões do segundo pilar, e o investimento em sistemas de reforma complementares, integralmente voluntários e privados. Para essa destruição contribui, relativamente aos fundos, a sua “nacionalização”, e quanto aos programas complementares a inadmissível sujeição do seu rendimento à Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES).

 

Argumenta-se por vezes que o sistema de pensões deve promover a redistribuição do rendimento – isso é fundamentalmente errado. A redistribuição do rendimento e a justiça social são realizadas, em primeiro lugar, pelo IRS, tributando os altos rendimentos; e em segundo lugar pela despesa pública, através do apoio às famílias mais carenciadas. O regime contributivo das pensões de reforma configura um seguro de velhice imposto (e, supostamente, garantido) pelo Estado.

 

Se o sistema de pensões servir (e tem servido indevidamente) para redistribuir o rendimento, então a TSU deixa de ser uma “taxa” para ser um “imposto” especial sobre o rendimento, tornando-se necessariamente inconstitucional, tanto em Portugal como em qualquer Estado de Direito. O mesmo se passa com a CES, já objecto de “aviso” por parte do Tribunal Constitucional e passível de condenação a prazo, caso perca o seu carácter “excepcional”.

 

Nesta visão em que o sistema de pensões é um contrato entre o Estado e o Cidadão (contrato, aliás, imposto unilateralmente pelo Estado), não se entende a campanha sobre uma suposta insustentabilidade do sistema, pois essa mesma exigência se poderia aplicar às PPP´s rodoviárias ou aos apoios a energias renováveis, por exemplo, que são contratos muito mais susceptíveis de serem postos em causa. A única diferença é que se o Estado alterar unilateralmente (como outros países já fizeram) as condições daqueles contratos com grandes empresas, terá provavelmente processos em tribunal de empresas fortes, apoiadas em bons advogados e com tempo para esperar.

 

No caso das pensões, o Estado tem pela frente pessoas frágeis e que já não têm o tempo necessário para esperar por decisões tardias de tribunais. Mas o Estado existe, ou devia existir, para proteger os fracos em relação aos fortes, mesmo que este seja o próprio Estado.

 

Neste aspecto, a Troika e o FMI não ajudaram nem perceberam que o descrédito no sistema de pensões e reformas tem consequências enormes para o desempenho da economia já hoje; causa mal estar generalizado em novos e velhos com consequências políticas e sociais muito gravosas, embora difíceis de avaliar em toda a sua extensão. Fomentar a “luta” entre gerações é uma injustiça, é perigoso e é politicamente irresponsável.

 

Em conclusão, nas políticas seguidas sobre pensões o argumento meramente contabilístico ou financeiro de curto prazo, não teve em conta as consequências sociais e económicas muito negativas para muitos e muitos anos. A SEDES não nega a necessidade da reforma com vista à sustentabilidade do sistema, nega justamente a não existência de uma reforma mas de um conjunto avulso de medidas, circunstancial e ditado pela conjuntura, que mina um pilar fundamental da vida social – a confiança – agravando a insegurança.

 

Consolidação orçamental e austeridade

 

Face ao descalabro que as contas públicas atingiram em 2009 e 2010, ninguém imagina que a estabilização financeira poderia evitar uma drástica austeridade. Mas há várias austeridades possíveis e várias formas de fazer uma política de austeridade.

 

A opção imediata deveria passar por reduzir a despesa, o que apenas agora está a ser seriamente ponderado em situação de desespero e sem rumo. Para cortar na despesa do Estado é necessário saber onde se encontra o desperdício, a redundância e o excesso de burocracia. Tal tarefa é necessariamente demorada. É exactamente por a redução da despesa levar tempo que ela deveria ter sido pensada desde o início.

 

Cortes “horizontais” são pouco eficazes e podem mesmo ser prejudiciais, porque penalizam os organismos que trabalham eficientemente e não perturbam os que têm excesso de recursos. Os cortes mais eficazes são os “verticais”, mas esses exigem uma avaliação de desempenho dos organismos, das pessoas, de reavaliação de processos... Mas fazê-la repartição a repartição, instituto a instituto, leva tempo e pressupõe visão e competência políticas. Uma vez mais, deveria ter sido iniciada há anos.

 

A carga fiscal, em larga medida a primeira opção adoptada por este governo, pela sua dimensão e natureza, asfixia a economia e as pessoas. E é também mais uma fonte da incerteza desnecessária que impossibilita o investimento.

 

O sistema político e a reforma do Estado

 

Em toda esta situação é clara a crescente necessidade de reformar o sistema político do nosso país. A insegurança que referimos é, em parte substancial, resultado da enorme distância a que os políticos e os partidos, as instituições e os agentes do sistema se encontram dos cidadãos; o fosso tem aliás aumentado de dimensão.

 

Esta é uma situação profundamente preocupante, pois põe em causa os próprios alicerces da democracia. Não há democracia sem partidos políticos.

 

Nesta tomada de posição, a SEDES aponta a insegurança como agente causal da degradação a que chegou o contrato social que tem regido a nossa sociedade. Inverter a situação implica repor a confiança.

 

Para isso, contudo, é necessário, é indispensável e é urgente proceder a uma verdadeira reforma do sistema político. Para tal a alteração do sistema eleitoral e do financiamento dos partidos são pilares fundamentais.

 

Conclusão

 

O estudo apresentado pela SEDES já há um ano —“O Impacto da Crise no Bem-estar dos Portugueses” (http://www.sedes.pt/multimedia/File/SEDES-lcc-Estudo.pdf)— ilustrou o impacto no bem-estar dos portugueses da incerteza que vivemos. Mostrou como esse mal-estar leva a comportamentos com consequências negativas para a economia e o emprego. A incerteza nas medidas de austeridade, onde cada dia parecem nascer intenções de política nunca concretizadas mas que ficam a pairar como ameaça velada, são criadoras de stress e infelicidade.

 

Seja a incerteza sobre as pensões actuais e futuras, sejam as alterações bruscas de impostos, sejam as dúvidas sobre a simples data de pagamento de subsídio de férias, são inaceitáveis. A violação do Estado de Direito e a inconstitucionalidade das medidas potenciam sem necessidade essa incerteza.

 

Que fazer? Em geral, todos podemos concordar com a importância do combate ao défice público como prioridade, suportado no Estado de Direito e, sobretudo, na confiança entre instituições, cidadãos e empresas.

 

Mais do que a austeridade, que todos sabíamos que seria dura e prolongada, tem sido a incerteza e a violação de Estado de Direito a afundar a economia e a acarretar um nível de desemprego politicamente inaceitável, socialmente perigoso e pessoalmente injusto.

 

É URGENTE REFORMAR O ESTADO, REFORMAR O SISTEMA POLÍTICO, REFORMAR A FORMA DE FAZER POLÍTICA, DE GIZAR, CONCEBER, APRESENTAR E EXECUTAR AS POLÍTICAS PÚBLICAS. É FUNDAMENTAL ACABAR DE VEZ COM A INCERTEZA DESNECESSÁRIA QUE MINA A CONFIANÇA DOS CIDADÃOS EM SI MESMOS, NA ECONOMIA E EM QUEM OS REPRESENTA E POR SI DECIDE. É VITAL REFORMAR O SISTEMA POLÍTICO E MELHORAR A DEMOCRACIA. A SEDES CONTINUA ATENTA COMO HÁ MAIS DE 40 ANOS.

 

O Conselho Coordenador da SEDES

 

Catarina Valença Gonçalves

Cristina Azevedo

Henrique Neto

Luís Barata

Luís Campos e Cunha (Presidente)

Manuel Alves Monteiro

Maria Perpétua Rocha

Pedro Magalhães

Paulo Sande

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publicado às 16:44


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José Cardoso Pires escreveu, em adenda de Outubro de 1979 ao seu «Dinossauro Excelentíssimo»: "Mas há desmemória e mentira a larvar por entre nós e forças interessadas em desdizer a terrível experiência do passado, transformando-a numa calúnia ou em algo já obscuro e improvável. É por isso e só por isso que retomei o Dinossauro Excelentíssimo e o registo como uma descrição incómoda de qualquer coisa que oxalá se nos vá tornando cada vez mais fabular e delirante." Desafortunadamente, a premunição e os receios de José Cardoso Pires confirmam-se a cada dia que passa. Tendo como génese os valores do socialismo democrático e da social democracia europeia, este Blog tem como objectivo, sem pretensão de ser exaustivo, alertar, com o desejável rigor ético, para teorias e práticas que visem conduzir ao indesejável retrocesso civilizacional da sociedade portuguesa.

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