Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"Canções de Embalar"
Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia (Eça de Queirós, Relíquia - 1887)
"Ó papão vai-te embora de cima deste telhado, deixa o menino dormir um soninho descansado"!
Nos anos quarenta do século passado, era assim que os meus pais procuravam que fechasse os olhos para adormecer o mais rapidamente possível; faziam-no com carinho, seguindo a tradição da época, e não pondo sequer em causa que incutiam o medo de um papão.
Com o correr do tempo e o avançar nos anos, a forma de adormecer os ímpetos da juventude começou a chegar por via de conselhos marcados pelo regime imposto por Salazar e Caetano que, de forma mais brutal ou mais sub-reptícia, incutia novos medos face a um poderoso papão: "tem cuidado com companhias que podem ser perigosas", "ficamos preocupados por ires à manifestação dos estudantes", "olha que se fazes greve podem incorporar-te no serviço militar sem te deixarem acabar o curso"...!
De olhos e ouvidos postos em todos estes medos vividos pelo comum dos portugueses, e com actuações criminosas para com quem corajosamente afrontasse os ditames do regime, os "senhores" do Estado Novo brandiam o demoníaco papão: "viver em democracia seria o caos porque o povo português não está preparado; tem muito que aprender, tem de ser um bom aluno.".
Perto de sete décadas passadas sobre a primeira canção que serviu para me embalar e quando não falta muito para se completarem quarenta anos de vivência em democracia, estava longe de imaginar que me seria dado assistir à ressurreição das “canções de embalar”, agora suportadas num patético papão: "actuar com firmeza e inteligência perante os acéfalos "senhores da troika” e os interesses do capital financeiro, para salvaguardar os nossos legítimos direitos e a nossa dignidade humana e institucional, seria o caos porque o povo português não se sabe comportar; tem muito que sofrer, tem de ser um bom aluno.".
Não passará certamente pela cabeça dos senhores que nos (des)governam, o ditado popular que se aplica exemplarmente à atitude cobarde que têm prosseguido: “quanto mais te agachas, mais te põem o pé em cima”; ou, porventura, são mais adeptos do “quanto mais me bates, mais gosto de ti”.
Obviamente, nem sequer pensam que foi seguindo a política frouxa de conciliação/pacificação com os poderosos, pondo-se "de cócoras" face ao ditador nazi, que o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain aceitou, em 1938, as garantias ardilosamente oferecidas por Hitler para manter o equilíbrio europeu e, depois de sacrificar a Checoslováquia à Alemanha, viu os germânicos "compensarem" a política de apaziguamento do "parceiro bem comportado" invadindo a Polónia em 1939. Valeu, então, para que a II Guerra Mundial não tivesse tido efeitos ainda mais catastróficos, a inteligência, a sagacidade e a firmeza, do primeiro-ministro que lhe sucedeu - Winston Churchill!
É certo que vivemos outros tempos e que o exemplo referido serve apenas para ilustrar a diferença entre governantes - credulamente ineptos ou inteligentemente argutos - na defesa de interesses vitais para o seu, neste caso o nosso, país. Obviamente que a ilustração não comporta juízos de valor que aproximem o regime da Alemanha nazi do regime democrático que hoje se vive naquele país. Serve apenas para lembrar que ser bom aluno, a qualquer preço, não serve os interesses de Portugal e paga-se caro. Muito caro!
Precisamos de um "Churchill", não de um "Chamberlain".
Ó papão vai-te embora, são os meus votos para 2013.
Rui Beja
Afronta Gratuita à Solidariedade Intergeracional
Carta aberta (pelo respeito que os governantes devem à dignidade de TODOS os portugueses )
Inconsciência: falta de responsabilidade
Social: que diz respeito à sociedade
Afronta: expressão ou acção injuriosa ou de desprezo
Gratuita: que não tem fundamento
Solidariedade: reprocidade de obrigações e interesses
Intergeracional: relativo às relações entre as gerações
A União Europeia declarou 2012 como «Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações». Nesse âmbito, o Governo de Portugal emitiu, em Janeiro deste ano, um Programa de Acção subordinado ao seguinte lema:
Viver mais tempo implica envelhecer. Maior longevidade não é um fatalismo ou uma ameaça. É uma vitória da humanidade e uma oportunidade de potenciar o «património imaterial» que significa o contributo das pessoas mais velhas.
Pois bem, o ano que começou com esta enunciação de valores, tão nobre pelos princípios como abrangente por respeitar todos os portugueses, apresta-se para terminar com a mais sórdida prática fiscal, soez retórica política e despudorada propaganda demagógica: à amplamente reconhecida iniquidade das normas contidas no Orçamento de Estado para 2013, juntam-se agora as insidiosas declarações do primeiro-ministro, no dia 16 de Dezembro, ofendendo com a maior indignidade todos os portugueses e, em especial, os aposentados, pensionistas e reformados cujas pensões superem o "fabuloso" rendimento mensal de 1.350 euros!
Dispenso-me de tecer comentários e desfiar argumentos já profusamente enunciados pelos mais credenciados especialistas e respeitados juristas, que demonstram à evidência a ilegalidade confiscadora e inconstitucional da “Contribuição Extraordinária de Solidariedade”. Relembro apenas, que o OE 2013 prevê que a sua aplicação respeite, única e exclusivamente, aos rendimentos provenientes de pensões pagas pela Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações e, pasme-se o despautério, também às pensões provenientes de fundos de pensões e de rendas vitalícias resultantes de património privado acumulado por via da poupança.
Centro-me exclusivamente na inconsciência social demonstrada pelo primeiro responsável (ao menos teoricamente) pelo governo do país, ao fazer, no discurso de encerramento do XXII congresso da Juventude Social-Democrata, as graves declarações que o jornal Público Online relata assim:
Passos diz que pensionistas ”estão a receber mais do que descontaram”
O primeiro-ministro defendeu este domingo que os reformados que recebem pensões mais elevadas devem ser chamados a contribuir mais que os restantes para o esforço colectivo porque estão a receber mais do que descontaram.
…
“Queixam-se de lhes estarmos a pedir um esforço muito grande e dizem que estão apenas a receber o que descontaram” ao longo da sua vida de trabalho”, afirmou o primeiro-ministro, para a seguir contrariar tal teoria. “Não é verdade. Descontaram para ter reformas, mas não aquelas reformas” que hoje recebem, vincou o chefe do Governo.
Estão, na verdade, realçou ainda, “a receber mais do que descontaram”. E as suas reformas são pagas por quem está hoje a trabalhar e que, quando chegar a sua vez de ser pensionista, terá reformas mais baixas do que os níveis de hoje. Os contribuintes de hoje terão reformas de acordo com a sua carreira contributiva."
Por isso, é “justo que aqueles que não descontaram na proporção que estão a receber e que têm pensões muito elevadas” sejam chamados a fazer um “contributo especial” numa altura de “dificuldades” como a actual….
Perante os “jotas” do PSD, o primeiro-ministro voltou a falar no assunto, argumentando com a necessidade de fazer uma redistribuição equitativa – dos recursos e dos sacrifícios.
“Por que é que 87% dos pensionistas não foram afectados” pelos cortes nas pensões, perguntou Pedro Passos Coelho. “Porque têm pensões inferiores a 600 euros, muitos deles fora do regime contributivo, quer dizer, nunca descontaram e têm que ser o Estado e os contribuintes de hoje a poder dar-lhes o mínimo para poderem viver com o mínimo de dignidade”, apontou o primeiro-ministro. Uma “responsabilidade intergeracional “ que é “indispensável na reforma do Estado. O que está em causa é gastar menos e gastar melhor”, acrescentou.
“Mas há 5% dos pensionistas, que são mais de metade do regime público, que recebem em média muito mais do que o dobro e na sua maioria não descontaram na proporção do que recebem hoje”, criticou o primeiro-ministro perguntando: “É isto justo? Querem encontrar na Constituição uma desculpa para perpetuar esta injustiça?”
Mais: “Onde estavam essas personalidades tão preocupadas com as suas pensões quando o sistema mostrou esta iniquidade e desigualdade que fere a sensibilidade social?” Passos Coelho defendeu depois a necessidade de um “Estado mais justo que redistribua melhor não a pobreza mas a riqueza que o país é capaz de criar”.
Leio, vejo na televisão e volto a ler e volto a ver… e custa-me acreditar. Custa-me acreditar que um primeiro-ministro de um país civilizado, que passa por uma grave crise financeira, económica, política e social, tenha o dislate e o despudor de afrontar gratuitamente a inteligência dos portugueses.
Custa-me acreditar que ao arrepio do mais elementar critério de bom senso e ao inalienável sentido de Estado que um primeiro-ministro não pode dispensar, Passos Coelho tenha resolvido deturpar realidades, escamotear factos, distorcer situações, omitir informação relevante, enfim, enviesar a verdade, para, incendiariamente, pôr portugueses contra portugueses. É indesculpável que, por mera inconsciência ou pensando que beneficiaria a política esquizofrénica deste (des)governo ultraneoliberal e da sua “amada troika”, tenha tentado pôr gerações mais novas contra gerações mais velhas, filhos contra pais, netos contra avós, menos favorecidos contra mais favorecidos… todos contra todos para mais facilmente destruir a classe média e cumprir o desígnio máximo de empobrecer Portuga!
Sabe senhor primeiro-ministro, eu, nós, os que vimos os nossos pais serem solidários com os nossos avós, os que beneficiámos da solidariedade possível dos nossos pais até termos recursos para ter casa própria, os que contribuímos para que os nossos pais tivessem pensões minimamente dignas, os que fomos obrigados a fazer uma guerra que não era a nossa, os que fizeram a primeira viagem de avião a caminho da guerra colonial, os que tivemos de trabalhar de dia e estudar à noite, os que pagámos integralmente as nossas contribuições para os sistemas públicos de reforma, os que tivemos a preocupação de proporcionarmos aos nossos filhos mais do que os nossos pais nos tinham podido dar, os que trabalhámos para o progresso de Portugal, os que apoiámos a implantação da democracia, os que poupámos o que podíamos para nos salvaguardarmos de imprevistos na velhice sem nos tornarmos um peso para os nossos descendentes, os que estamos dispostos a apoiar filhos ou netos que sejam apanhados nesta crise criada pelos interesses financeiros de magnatas sem escrúpulos, os que estamos a ser espoliados nas pensões que independentemente do que quer fazer crer não são superiores aos valores que descontámos… nós não lhe reconhecemos capacidade intelectual nem estatuto ético para nos dar lições de moral, e não lhe faremos a vontade de quebrar a solidariedade intergeracional.
Contrariamente ao que disse, a solidariedade não é “indispensável na reforma do Estado”, é sim” indispensável para a reforma do Estado”; do Estado Social que queremos, não do Estado Assistencial que nos quer impor, custe o que custar!
Rui Beja
Palavras para memória futura!
Para que se saiba do que se se fala quando se fala de uma imagem
Uma imagem vale por mil palavras, diz acertadamente o aforismo que confirma a sabedoria dos ditados populares. Mas porque "mil palavras" nos podem dizer tanta coisa, melhor é que legendemos as imagens para que se saiba da essência do que significamos quando escolhemos uma imagem para falar por nós.
O Cartoon de António publicado no Expresso de 15 de Dezembro, aqui reproduzido no dia 16, vale por muito mais de mil palavras! Mas no mesmo jornal e na mesma data, João Garcia deixa registo, em palavra escrita, de uma amostra significativa dos factos que associo à genial imagem desenhada por António:
Prevenir já não é o melhor remédio
Se é certo que o Orçamento do Estado iria sempre para ao Tribunal Constitucional (fosse por ação de deputados ou por iniciativa de outras entidades), se é certo que essa situação arrastará a indefinição sobre a sua validade durante meses, se é certo que o próprio Cavaco Silva tem dúvidas sobre a constituconalidade de algumas normas, o que o impediu de pedir a fiscalização preventiva, evitando atrasos embaraçosos?
Espero vir a perceber as razões do Presidente. A teoria do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa sobre não se pedir a herbívoros que se portem como carnívoros, ou vice-versa, além de pouco elegante, não convence.
Proteger o silêncio
O ex-director de Informação da RTP foi prestar esclarecimentos à Assembleia da República e está a ser alvo de um processo disciplinar pelo que ali disse. Por isso pediu um parecer à presidente do Parlamento; quer saber se quem depõe também goza de imunidade. Disseram-lhe que não. Ou seja: os deputados perguntam na maior das impunidades, os deponentes respondem na maior das responsabilidades. Estando certo o parecer, não é assisada a situação. O resultado, se nada se alterar, é que os deputados vão passar a ouvir muito pouco.
Uma questão de valores
O nosso ministro Santos Pereira foi a Bruxelas defender que a Europa tem de abandonar as "regras fundamentais" em matérias de proteção ambiental e de salvaguarda dos direitos sociais. Defendeu, a bem da indústria e do emprego, que "não sejamos mais papistas do que o Papa". Só não esclareceu até onde deverá regredir a Europa, principalmente se noutros continentes aumentarem as agressões ao ambiente e persistir a degradação das condições sociais. Ou seja, propôs uma inversão de valores: a Europa, em vez de puxar para cima, deve empurrar para baixo.
Entendam-se!
Não é segredo que as lideranças confusas desorientam as hostes. O segredo - grande - é perceber como se mantém alguma coesão na maioria se, entre os seus, há quem dispare em todas as direções, principalmente na do vizinho. Enquanto Santos Pereira lamenta os obstáculos que vêm do lado do Ambiente, Assunção Cristas acusa-o de querer voltar ao século XIX e Jorge Moreira da Silva propõe taxar os poluidores; enquanto o OE sobe impostos, Paulo Portas justifica-se perante o CDS por ter falhado na redução fiscal; perante um Migue Relvas que nega a possibilidade de encerrar municípios, os centristas insistem na fusão de Câmaras; e na redução do IRC para novos investimentos, Passos e Pereira não conseguem acertar o discurso. Falta acrescentar a polémica sobre a RTP.
Divergir é bom, mas há limites.
Uns e outros
Joana Marques Vidal , procuradora-geral da República, quer saber como chegou aos jornais a informação sobre as buscas em casa e no escritório de Medina Carreira. Mais um inquérito por violação do segredo de justiça, a juntar-se ao aberto por causa da gravação do telefonema em que intervém Passos Coelho. Coerente, a magistrada.
Eraria se fizesse como o primeiro-ministro e vários outros membros do Governo que tão indignados ficaram quando a vítima foi o chefe do Executivo e tão indiferentes se mostram quando os casos não lhes tocam de perto.
Atenção: a coerência da PGR vai ter alto custo. Se quiser ter um só peso e uma só medida será obrigada a mandar fazer muitas outras averiguações. As notícias sobre o vice-reitor do seminário do Fundão ou sobre o padre de Montalegre, ou a busca em casa de Teixeira dos Santos não indiciam algumas fugas de informação? E não são apenas estes: há todos os processos com cidadãos que não se queixam e não têm quem tome as suas dores
Os "gatos pingados" estão a fazer com gosto o serviço que lhes foi encomendado e que lhes interessa. E nós, os portugueses, também nos interessará que nos "sepultem" em vida?
Rui Beja
Detesto que se façam coisas porque a troika mandou
Teodora Cardoso diz que cabe a Portugal resolver os problemas, à TSF em 13 de Dezembro de 2012
Num momento em que se torna premente decidir a mudança da postura que o actual Governo tem assumido, relativamente às medidas draconianas de austeridade cega que levam em cada dia que passa ao empobrecimento irreversível do país e dos portugueses, é do maior interesse atender às palavras sabedoras da credenciada e experiente economista Teodora Cardoso.
Como refere a notícia publicada pela TSF Online "A presidente do Conselho das Finanças Públicas entende que é preciso saber bater o pé aos credores internacionais...", acrescentando sem rodeios: "É uma coisa que detesto: fazer-se porque a troika mandou. Temos de perceber e discutir com a troika quando acharmos que o que nos estão a dizer para fazer nao é o melhor para fazermos".
Relativamente à relação entre as medidas tomadas para a Grécia e as que conviriam a Portugal, defendeu que as soluções devem ser adoptadas conforme as circunstâncias existentes em cada país e, frisando que não vivemos uma situação semelhante à da Grécia, acentuou que "É muito discutível até que ponto são benéficas para a própria Grécia, porque, no fundo, quando há medidas de favor, porque a situação está incontrolável, essas medidas não são boas para o país".
Lembrou ainda que Portugal "conseguirá melhorar as taxas de juro da dívida e os prazos tanto mais quanto melhor conseguirmos consolidar as finanças públicas e a administração pública e gerir bem a dívida pública" e acrescentou "Por isso vamos chegar lá de uma maneira segura e duradoura. Doutra maneira, andamos a discutir como meninos da escola. Não é o caminho". Considerou também que Portugal se "preocupa demasiado" com a troika, que "não vai resolver os nossos problemas", uma vez que na sua opinião será Portugal a ter de os resolver.
Finalmente, no que se refere às medidas para reforma do Estado, que o Governo vai anunciar em Fevereiro, a economista espera que o Executivo pense que "não é pela via das medidas pontuais de curto prazo que vai resover problemas que existem há muito tempo e que vão demorar a resolver.".
Espero que o ministro das Finanças tenha capacidade para saber ouvir quem se pronuncia com provas dadas e que use o mínimo de bom senso para pôr fim ao experimentalismo que tem seguido sem pudor dos destroços deixados pelo caminho que vem trilhando em direcção ao abismo - chegarmos ao estado que deixaram a Grécia chegar, para só então renegociarmos o memorandum, não é uma solução, é criar um monumental problema económico-financeiro com efeitos socialmente devastadores.
Mudar não é nenhuma vergonha, mas insistir no erro é prova de má-fé ou de falta de inteligência. Habitue-se a bater o pé aos alemães. Olhe que eles até gostam mais de lidar com quem lhes dá luta com sentido, do que de tatar com meninos bem comportados que dizem a tudo que sim à espera de no fim ganharem um doce que nunca lhes chegará às mãos. Pode crer que sei do que falo.
Atentem, senhores governantes que nós, os portugueses, estamos bem cientes que os nossos problemas não residem no memorandum assinado com a Troika, mas nos interesses dos "traficantes de droga financeira" que depois de nos terem seduzido com "produto disponibilizado por hábeis passadores", querem agora, aproveitando-se do vosso "PREC ultraneoliberal", levar tudo o que temos e o que não temos para depois... escolherem a próxima vítima.
Rui Beja
Não há inocentes no drama do euro
Paul de Grauwe culpa igualmente o Norte da Europa, no Expresso de 8 de Dezembro de 2012
Começa a ser sufocante a arrogância com que, reiteradamente, alguns países do Norte da Europa - em especial, Alemanha, Bélgica, Finlândia e Holanda – acusam os países que enfrentam dificuldades mais evidentes com a “dívida soberana” – particularmente a Grécia, mas também Espanha, Itália, Irlanda e Portugal – de todas as culpas pela situação em que se encontram e pelo drama em que se encontra o euro. As respostas às críticas provenientes destes falcões que nos querem fazer esquecer os seus próprios “telhados de vidro”, variam entre extremos que vão do aceitar a expiação de todas as culpas por via do empobrecimento sem limites dos “incumpridores”, até à revolta que leve os “cumpridores” a beber do seu próprio veneno.
Porque “o mundo não é feito a preto e branco”, considero da maior utilidade dar relevo à opinião bem sustentada e devidamente ponderada, expressa por Paul de Grauwe, actualmente professor na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, e também investigador no Center for European Policy Studies e conselheiro de política económica do presidente da Comissão Europeia, assim sintetizada:
Não há países bons e maus neste drama. A responsabilidade é partilhada. O Norte da Europa é igualmente culpado. Queria despejar o máximo de exportações no Sul fornecendo crédito em excesso.
Ao longo do esclarecido e esclarecedor texto que subscreve, Paul de Grauwe percorre os pontos cruciais que consubstanciam a sua posição, começando por referir: “Na semana passada, o primeiro-ministro holandês, o senhor Rutte, declarou com grande arrogância que os países que não obedeceram às regras deviam abandonar a zona euro.” Depois de tecer algumas considerações sobre concepções religiosas subjacentes à desejada punição, afirma: “O mais importante obstáculo individual à solução da crise do euro é a atitude moralista dos governos do Norte, em particular os da Holanda, Alemanha, Finlândia e Bélgica. Esta atitude conduz à ideia errada de que neste drama há países bons e países maus. Os maus devem ser castigados e não devem esperar, claro, nenhuma ajuda dos bons.”. Mais adiante, explicita de forma lapidar:
“A crise do euro teve origem nas explosões do consumo numa série de países da zona euro (Irlanda, Grécia, Espanha). Estes ‘booms’ de consumo levaram a um grande aumento das importações do resto da Europa.
O verso dessa medalha foi que o Norte da Europa, e especialmente a Alemanha e os Países Baixos, acumularam grandes excedentes de exportações. Os alemães e os holandeses ficaram muito contentes por vender os seus produtos e serviços aos pecadores da Europa do Sul.
Estas vendas foram financiadas com crédito proveniente da banca alemã e holandesa.
À medida que as exportações cresciam de ano para ano, os empréstimos dos bancos do Norte ao Sul dispararam. Até ocorrer o ‘crash’ e alguns países do Sul deixarem de poder pagar as suas dívidas.
A reacção dos virtuosos bancos do Norte foi despejar os seus créditos nos sectores públicos dos respectivos países. Estes empréstimos podem hoje ser encontrados nas folhas de balanço do banco central holandês e do Bundesbank (o banco central alemão). São os balanços Target2. Os governos do virtuoso Norte tentam agora com determinação recuperar o seu dinheiro dos pecadores do Sul.
…
O Sul é culpado porque se endividou sem pensar. O Norte é igualmente culpado porque queria despejar o máximo possível de exportações no Sul fornecendo montantes excessivos de crédito sem se pôr a questão de os países do Sul serem capazes de honrar as dívidas. Assim, o Norte assumiu um grande risco e devia saber que o seu comportamento é tão irresponsável quanto o do Sul. O tom moralista que é popular nos países do Norte está completamente deslocado. Mostra uma incompreensão fundamental das causas da crise do euro. Ou será que estou a interpretar mal e os governos do Norte sabem isto muito bem? Se sabem ainda é pior. Nesse caso, os governos do Norte estão a enganar as suas próprias populações e a incitá-las a mostrar ainda maior hostilidade em relação ao Sul, dificultando ainda mais a solução da crise.".
Moral da história: ou há solidariedade ou a paz na Europa acaba-se seis décadas depois de…
Rui Beja
A Insegurança Social
Mira Amaral critica medidas aplicadas aos pensionistas, no Expresso de 8 de Dezembro de 2012
Com o conhecimento de causa que lhe advém de, como ministro do Trabalho e Segurança Social, ter criado a Taxa Social Única (TSU), que então "passou a cobrir os subsídios de desemprego e de doença e a assegurar as pensões", Luís Mira Amaral descreve as bases do sistema e pronuncia-se sobre a sua evolução até se chegar à situação que o OE 2013 reflecte.
Começa por realçar que "as pensões sociais não têm base contributiva e são fornecidas pelo Estado social enquanto as do regime contributivo são de um Estado segurador que nos obriga a fazer esse seguro de velhice, sendo pagas pelo beneficiário", para enfatizar que "no regime distributivo o trabalhador (e a sua empresa) ao contribuirem para a TSU estão a pagar a sua reforma mas estão a financiar a da geração anterior na esperança de que a geração futura lhes financie a sua.".
Prossegue escrevendo que "Com Marcello Caetano começaram a pagar-se pensões sociais sem base contributiva. O Estado nem sempre transferiu para o orçamento da Segurança Social as verbas correspondentes, descapitalizando esta e fazendo com que os que contribuem estivessem, na parcela que financiava o buraco dos regimes não contributivos, a pagar um IRS não explícito.".
Termina referindo a situação a que se chegou, e as normas contidas no OE 2013, nos termos abaixo transcritos na íntegra:
"Quando Sócrates começou a baixar vencimentos na função pública, Teixeira dos Santos resistiu e bem num primeiro momento a cortar as pensões pois elas não têm a ver com os salários actuais mas sim com os passados, sobre os quais se descontou.
Mas depois abriu-se a Caixa de Pandora e este jovem Governo pôs os reformados sempre na primeira linha dos cortes, ao contrário do espanhol Rajoy que afirmou que as pensões seriam a última coisa a cortar.
Chegou-se agora à situação chocante de se cortarem pensões de 1350 euros. Por outro lado, Passos Coelho que entende que o salário máximo deve ser 5000 euros (no outro PREC, o da esquerda, Vasco Gonçalves tinha fixado o salário máximo em 50 contos...) teve um especial carinho pelas pensões acima de 5000 euros, esquecendo que se não houve plafonamento nos descontos (havia descontos milionários) também não pode haver plafonamento nas pensões... Chegou a chamar privilegiados aos pensionistas de 7000 euros.
Criou-se um imposto extraordinário de solidariedade sobre as pensões que faz com que os pensionistas paguem mais impostos do que os outros contribuintes, o que me parece claramente inconstitucional! A solidariedade e o financiamento à pátria faz-se nos impostos, não na TSU... Se se entende que há pensões elevadas, o IRS fortemente progressivo já resolvia isto!
O sistema transformou-se pois numa fonte de insegurança social e o que se está a fazer aos pensionistas atuais mostra que o Estado segurador não se porta bem, coisa em que as novas gerações que pagam a TSU devem refletir..."
Face ao conteúdo esclarecedor deste artigo de opinião, aliás na linha do que tem sido dito pelos mais reputados constitucionalistas e por reconhecidos especialistas na matéria, que mais será preciso conhecer para que se conclua que o veto presidencial ou a suscitação da verificação preventiva da constitucionalidade do OE 2013, pelo menos no que a este tema diz respeito, serão sempre solução menos má do que a inevitável suscitação de análise consecutiva? A Troika não gostará e o Governo sairá ainda mais enfraquecido. Certo. Mas tudo o que de negativo possa acontecer é de sua inteira responsabilidade e, como refere o ditado popular: nada se come tão quente como se cozinha!
Rui Beja
Um mau passo
Vítor Bento arrasa ataque aos reformados, no Diário Económido de 12 de Dezembro de 2012
O economista e Conselheiro de Estado Vítor Bento, próximo da área do PSD, critica duramente a medida prevista no OE 2013, de exigir aos reformados, e só aos reformados, o pagamento de uma “Contribuição Extraordinária de Solidariedade”. Refere que, em termos marginais, esta contribuição pode ir até aos 50%, para além do corte de 90% de um subsídio e dos impostos a que as pensões já estão sujeitas, nomeadamente o IRS progressivo, o que viola vários princípios da justiça distributiva. Afirma ainda que a norma pode ser vista como um confisco de património privado, ao estar previsto que seja extensível às pensões oriundas de fundos de pensões e às rendas vitalícias:
“Uma das histórias contadas na minha infância – creio que integrava um dos livros de leitura – falava de uma terra onde os filhos costumavam levar os pais velhos, que já não podiam trabalhar, para o cimo de um monte, onde ficavam sozinhos, à espera do fim.
Certa vez, quando um dos filhos dessa terra cumpria o ritual, colocando o velho pai no tal monte e deixando-lhe uma manta para se abrigar do frio enquanto sobrevivesse, o ancião perguntou-lhe se não teria por acaso uma faca consigo.
Ao que o filho respondeu: "Tenho, sim senhor. Para que a quer?". "Para que cortes esta manta ao meio e guardes metade para ti, para quando o teu filho te trouxer para este lugar!".
Como estas histórias eram destinadas a retirar uma consequência moralizadora, o rapaz percebeu o alcance do pedido, levou o pai de volta para casa e com isso se acabou o terrível costume.
Lembrei-me da história a propósito do artigo 76º do OE 2013 (versão da proposta) e, muito em particular, em particular do seu número 2. Este preceito exige dos reformados - e só deles! - o pagamento de uma "contribuição extraordinária de solidariedade", que, em termos marginais, pode ir até aos 50%, para além do corte de 90% de um subsidio e dos impostos a que as pensões já estão sujeitas - nomeadamente o IRS, progressivo. Isto provoca, em muitos casos, uma drástica redução de rendimento para quem, tendo planeado a fase final do seu ciclo de vida com base numa promessa do contrato social, nuns casos, ou de puros contratos, noutros casos, já não dispõe de condições nem de tempo para reajustar o seu plano de vida à violenta quebra dessa promessa e ao consequente desmoronamento da fase final desse seu plano.
Por isso - e a não ser que me esteja a escapar qualquer coisa que torne este meu raciocínio num grave erro - me parece que aquela norma viola tantos princípios da justiça distributiva - da justiça intergeracional, à equidade, à igualdade, à proporcionalidade,…-, que não vejo como tal manta possa escapar à faca da vigilância constitucional. E, se não escapar, será um risco desnecessário para a execução orçamental.
E não é apenas a justiça distributiva que está em jogo. É que, ao estender-se às pensões oriundas de fundos de pensões e às rendas vitalícias - que não constituem uma redistribuição contemporânea de rendimento, como é o caso das pensões da Segurança Social ou da Caixa Geral de Aposentações, mas são a distribuição de património já acumulado e que, por direito, pertence aos beneficiários dessas pensões -, a norma pode ainda ser vista como um verdadeiro confisco de património privado.
É pena que tal zelo nunca tenha sido aplicado às rendas no sector não transaccionável. Não só por questões suscitáveis em sede de equidade na distribuição dos imperativos de solidariedade, mas porque aquelas constituem um factor de erosão da competitividade do sector transaccionável, de que depende a recuperação e a sustentabilidade do crescimento da economia.
Enfim, tal como uma andorinha não faz a primavera, uma medida injusta não contamina todo um programa, nem define, só por si, a justiça global desse programa. Embora possa contribuir, desnecessariamente, para a erosão do consenso social e político de que depende o seu sucesso. Preserve-se, pois, o essencial - em que é preciso perseverar, com paciência e estoicismo -, porque ele é indispensável.
Vitor Bento, Economista”
"Eles", sempre... "Eles"!
Incursão pela crítica fácil e a recusa de responsabilidade no que ao "Nós" cabe assumir
Todos os povos têm as suas idiossincrasias. Positivas ou negativas, boas ou más, mas têm. Não há razão para que os portugueses fujam à regra e também não há regra que permita definir quais as boas e as más heranças genéticas que nos caracterizam em particular. Mas uma há que, podendo não ser exclusiva nossa, nos encaixa com perfeição; por tudo e por nada, a propósito e a despropósito, com e sem razão, e apesar de por norma sabermos ser solidários para com os menos favorecidos, para nós há sempre um responsável – “Eles”.
“Eles” podem ser os familiares, os amigos, os adversários, os patrões, os colegas, os profissionais de uma qualquer área e, claro, os políticos, sejam os “do tempo da outra senhora“ ou “os do tempo da democracia”, trate-se de um qualquer partido ou do seu mais directo opositor.
“Eles” são sempre os responsáveis por aquilo que não corre a nosso gosto, ainda que a razão não nos caiba. “Eles” são os responsáveis por tudo e, se vier ao caso, também por coisa nenhuma. “Nós” somos os bons samaritanos e, obviamente, as vítimas de tudo quanto não vem ao nosso jeito; e que ninguém diga que temos qualquer responsabilidade pelo que nos tenha acontecido, ou esteja a acontecer, e menos ainda qualquer obrigação cívica e moral de ter feito para que acontecesse como achamos que teria sido justo e correcto.
Mesmo que no nosso íntimo haja uma voz que nos incomode, lembrando-nos que há culpas que nos cabem e responsabilidades que temos de assumir, logo o “Eu” se sobrepõe como um poço de virtudes e da boca nos sai a palavra mágica – “Eles”. E, no entanto, lá no fundo, sabemos bem que cada vez que tudo empurramos para “Eles”, estamos a passar uma esponja pelo que não fizemos no passado, a escusarmo-nos de fazer o que nos compete no presente e a nem sequer pensar no que nos cabe contribuir para que o futuro, nosso e das gerações vindouras, aconteça melhor.
Haverá quem a tudo isto chame, simplesmente, egoísmo. Arrisco-me a dizer que, no nosso caso, se trata acima de tudo de uma limitação atávica que nos condiciona, fruto dos muitos séculos de obscurantismo que, salvo raras e curtas abertas de luz e esperança, nos foram impostos desde que a Inquisição foi instaurada em Portugal nos primórdios do século XVI.
Nos dias de hoje, nos tempos difíceis que vivemos, se queremos salvaguardar a democracia instaurada com o 25 de Abril, e se desejamos que se altere o actual estado de crise – financeira, económica, política e anímica – temos de deixar de nos desculpar com “Eles” e temos de dar, cada um de “Nós”, tudo quanto temos ao nosso alcance para virar o presente do avesso e ganhar o direito a um dia-a-dia digno e a um futuro bem mais promissor do que aquele que acontecerá se nos resignarmos a “Eles”.
Não é fácil, mas não é impossível. Façamos nós, por “Nós”, porque “Eles” nunca o farão!
Rui Beja
Aposentados e Reformados pedem intervenção do Presidente da República
Petição para o PR requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade do OE para 2013.
A indignação relativa às medidas fiscais de carácter discriminatório, para não dizer persecutório, previstas no OE 2013 relativamente a aposentados, pensionistas e reformados, não pode, conforme já antes aqui afirmei, ficar-se pelas palavras.
Sendo certo que o Provedor de Justiça determinou a abertura de processo para estudo de eventual iniciativa sobre as várias questões de constitucionalidade levantadas pelo Orçamento de Estado para 2013, é sabido que esta relevante iniciativa, embora confirme a percepção de existência de insconstitucionalidades, tem um caminho processual a percorrer e apenas poderá levar ao requerimento da fiscalização sucessiva do OE 2013 pelo Tribunal Constitucional.
Por estas razões, e conforme tem sido publicamente opinado pelos mais diversos e prestigiados constitucionalistas, é da maior importância que o sehor Presidente da República requeira a fiscalização preventiva; para que não se cumpra o destino penunciado no discurso e nas decisões governamentais, desta forma caracterizado em Carta Aberta ao Primeiro-Ministro, subscrita pelo escritor e intelectual Eugénio Lisboa, : "querem mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós".
A Petição Pública cujo texto abaixo se transcreve, está disponível para assinatura em http://www.peticaopublica.com/?pi=P2012N32741.
PETIÇÃO
Resumo. Os cidadãos aposentados não são “gorduras do Estado”. Não são sequer “despesa” que o governo teria de cortar para não sobrecarregar, ainda mais, os impostos dos portugueses que trabalham. É o Estado que está em dívida para com os aposentados que lhe confiaram, durante a sua vida activa, com as suas quotizações mensais, as receitas destinadas ao pagamento das suas pensões de aposentação. Compete ao governo, no exercício das suas competências admnistrativas, tomar as providências necessárias ao respeito por este contrato legal do Estado com os aposentados. Mas o governo, em vez disso, pretende confiscar novamente parte das pensões que lhes são devidas. Por isso se vem pedir uma intervenção qualificada, nos termos abaixo indicados, do Presidente da República que, no seu acto de posse, jurou «defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa» (art.127º, 3º).
-------------------------------------------------------------------------------
Senhor Presidente da República
Excelência
1. Os cidadãos aposentados da função pública (Caixa Geral de Aposentações) e do sector privado (Segurança Social) têm direito a remunerações mensais designadas ora por pensões de aposentação (na função pública), ora por pensões de reforma (no caso dos militares e equiparados), ora por pensões de velhice (no sector privado). Para simplificar, chamaremos a todas «pensões de aposentação».
2. A pensão de aposentação não é uma benesse do Estado português, muito menos do governo ou dos demais orgãos de soberania — actuais, pretéritos ou vindouros. É um direito fundamental que a maioria esmagadora dos aposentados adquiriu através dos “descontos” mensais que efectuaram, ao longo da sua vida activa, sobre a totalidade dos seus salários, vencimentos ou ordenados, incluindo os chamados subsídios de férias e de Natal, em vigor desde Agosto de 1974. Esses subsídios são parte integrante da remuneração de base anual que é paga em 14 mensalidades (art. 70º, nº3, da lei nº12-A/2008). Daí que sejam 14, e não 12, o número das pensões mensais a que têm direito anualmente os aposentados que descontaram sobre 14 salários por ano. O valor mensal da pensão que auferem é o que foi fixado por lei, e varia de acordo com os descontos correspondentes aos seus salários, vencimentos ou ordenados e o número de anos da sua carreira contributiva.
3. O sistema previdencial das pensões de aposentação é autofinanciado. Quer isto dizer que o dinheiro com o qual são pagas as pensões de aposentação, não provém dos impostos pagos pelo conjunto dos contribuintes. Provém, sim, da capitalização da receita obtida com as quotizações mensais (os referidos “descontos”) que os cidadãos agora aposentados — e as suas entidades empregadoras no caso dos trabalhadores por conta de outrem — confiaram ao Estado para esse fim exclusivo. Isto é, estes cidadãos, durante a sua vida activa, entregaram ao Estado essa receita, confiando que os seus organismos competentes, sob a supervisão do governo e demais orgãos de soberania, a admnistrariam bem, a fim de que, chegada a hora da sua aposentação, lhes fosse devolvida sob a forma de pensões de aposentação proporcionais às quotizações que pagaram à taxa de esforço fixada na lei.
4. Ora, no Orçamento de Estado (OE) de 2012, o governo actual rasgou este contrato bilateral estabelecido na Lei de Bases da Segurança Social (artigo 54º), ao cortar ilegalmente 2 meses de pensão, dos 14 meses a que os trabalhadores aposentados da Caixa Geral de Aposentações e outros mais têm direito.
5. Agora, o mesmo governo prepara-se para fazer o mesmo, indo ainda mais longe. No OE para 2013, pretende cortar uma parte substancial de uma pensão mensal aos aposentados que auferem entre 600 e 1100 euros brutos. Essa parte sobe para 90% de uma pensão mensal para todos os aposentados que auferem pensões superiores a 1100 euros brutos. Aos que auferem pensões entre 1350 e 1800 euros brutos, ser-lhes-á ainda cortado 3,5% das restantes pensões mensais. Aos que auferem pensões entre 1800 e 3750 euros brutos, acresce um corte adicional que pode ir até 10%. Os que auferem pensões superiores a 5031 euros brutos sofrem um corte adicional entre 15% a 50%.
6. Tem-se feito muita demagogia à pala das pensões superiores a 5000 euros, qualificadas de “pensões milionárias” por alguma imprensa. Mas das duas uma: ou as pessoas que auferem essas pensões efectuaram os descontos legais correspondentes aos elevadíssimos salários ou vencimentos que auferiam (merecida ou imerecidamente), e nesse caso auferem a pensão a que têm direito, ou então não o fizeram por terem burlado o Estado, e nesse caso são um caso de polícia, um crime que compete à Procuradoria-Geral da República investigar. Seja como for, não confundamos a árvore com a floresta. As pessoas com pensões chorudas são uma pequena minoria (0,3%) entre mais de 2 milhões de aposentados. Os aposentados com pensões superiores a 5000 euros são 907 na Segurança Social e os aposentados com pensões superiores a 4000 euros são 5236 na Caixa Geral de Aposentações (dados de 2011, www.pordata.pt).
7. Note-se que os cortes descritos no ponto 5 são exclusivamente feitos aos aposentados e (em menor grau) aos funcionários públicos. A eles se vêm acrescentar, entre outras, as medidas que estão previstas em sede de IRS para todos os trabalhadores no activo, da função pública e do sector privado, e também para todos os trabalhadores aposentados: uma sobretaxa de 3,5%, acrescida de um aumento brutal do IRS por via da diminuição da progressividade dos seus escalões. Por isso, de todos os contribuintes, são os aposentados, especialmente os que auferem pensões entre 1100 e 3000 euros brutos (cerca de 300 mil pessoas), os mais penalizados pela chamada política de ajustamento.
8. Fica pois claro que os cortes feitos aos aposentados (ponto 5) nada têm que ver com a justiça social. Não são sequer mais um imposto geral, porque um imposto geral (como, por exemplo, o IRS), aplica-se a todas as pessoas com capacidade contributiva, seja qual for o seu estatuto e tipo de rendimento, não a um grupo específico. Que são então? Parece que não há outros termos que convenham senão os de «confisco» e «esbulho», como frizou um conselheiro de Estado, o dr. Bagão Félix, ex-ministro das finanças de um governo com a mesma composição partidária do que o actual (cf. entrevista na RTP,12-07-2012, www.rtp.pt/noticias/index.php?article= 570245&tm =layout=122&visual=61, e entrevista na Rádio Renascença,13-09-2012, http://rr.sapo.pt/ informacao_detalhe.aspx?fid=1288&did =77235).
9. Para esconder esta realidade dos portugueses que ainda não chegaram à idade de aposentação — e todos lá chegarão um dia, se tiverem saúde e sorte bastantes — o governo deu nomes enganadores a estas medidas ilegais que pretente aplicar aos aposentados. À primeira chama “suspensão do subsídio de férias” (como se a situação de aposentação fosse a de férias permanentes e ainda por cima subsidiadas à custa do erário público e ele viesse, justiceiro, corrigir esse “escandaloso abuso”) e à segunda chama “contribuição extraordinária de solidariedade” (como se os aposentados merecessem pagar um imposto “especial” como castigo…por terem trabalhado uma vida inteira). Não se coíbindo de comportar-se como se fosse ele o dono e senhor do dinheiro das suas pensões de aposentação, o governo quer também apresentar os aposentados como parasitas, cigarras a viver à custa das formigas.
10. Compreende-se por isso que uma ex-ministra das finanças, a dra. Manuela Ferreira Leite, tenha qualificado as medidas do governo contra os aposentados como «um logro, um verdadeiro conto do vigário» (cf. entrevista à TVI, 13-10-2012, http://www.tvi.iol.pt/videos/13697333). Não se pode dizer que disse isto por ser de um partido de oposição ao governo, porque se trata de uma pessoa que pertence há muitos anos, e foi aliás recentemente dirigente máxima, do partido que é o esteio principal do governo actual.
11. Em face do exposto, não parece haver quaisquer dúvidas do seguinte: as medidas descritas no ponto 5 (sem prejuízo de outras que poderão suscitar juízos semelhantes) são ilegais por violarem a lei de bases da segurança social em vigor (em especial os seus artigos 14º e 100º). São também inconstitucionais, por violarem o princípio da igualdade, na dimensão da igualdade na repartição dos encargos públicos, consagrado no artigo 13º da Constituição; o princípio da segurança social, consagrado no artigo 63º da Constituição, em especial o seu nº 4, e o princípio da confiança no Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º.
12. Na verdade, chamado a pronunciar-se, a pedido de um grupo de deputados, sobre medidas semelhantes do OE de 2012 (ver ponto 4 desta petição), o Tribunal Constitucional decretou a sua inconstitucionalidade por violarem o princípio da igualdade na distribuição dos encargos públicos. No entanto, daí não advieram quaisquer consequências práticas para as vítimas dessas medidas. O Tribunal Constitucional alegou que era tarde demais para se conseguir anular os efeitos gravosos dessas medidas inconstitucionais. Importa, por isso, que tal não torne a suceder por idênticos motivos.
13. Acresce que Tribunal Constitucional reconheceu no seu acordão nº353/2012 que a situação específica dos aposentados se diferencia da dos trabalhadores da admnistração pública no activo e suscita, pelo seu melindre, diferentes ordens de considerações no plano constitucional. No entanto, o Tribunal decidiu não considerar essa questão no seu acordão, por entender que tal seria desnessário. Tudo indica que terá julgado que ao ter declarado inconstitucionais, pelo motivo apontado, as medidas do governo já citadas, isso bastaria para proteger os aposentados (e os funcionários públicos) de novas agressões. Como se vê, isso não aconteceu. O governo prepara-se para repetir, em dose agravada, as mesmas medidas.
Por isso, nós, abaixo-assinados, ao abrigo dos artigos 48º e 52º da Constituição, vimos requerer-lhe, senhor Presidente da República, na sua qualidade de mais alto magistrado da nação e primeiro garante do cumprimento da Constituição da República Portuguesa, que utilize os poderes que a Constituição lhe confere (nos seus artigos 134º, alínea g, e 278º, 1º) para requerer, junto do Tribunal Constitucional, a fiscalização preventiva da constitucionalidade do OE para 2013.
Sobre o 'Câmara Clara'
A opinião esclarecida de Vasco Graça Moura, no Diário de Notícias de 5 de Dezembro de 2012
A política de 'posso, quero e mando' vem sempre acompanhada do empobrecimento económicofinanceiro que interessa aos senhores do poder, e do empobrecimento cultural que lhes serve para (re)instalar o predomínio do obscurantismo sociocultural. Sobre este tema, o fim do programa 'Câmara Clara', dei a minha opinião e transcrevi o comunicado de Paula Moura Pinheiro em http://janeladoslivros.blogs.sapo.pt/10875.html.
É com todo o respeito pelo pelo autor, que admiro pelo indiscutível valor e prestígio intelectual, ainda que possa discordar em alguns aspectos de indole política, que trancrevo o preclaro artigo de opinião da autoria de Vasco Graça Moura relativo à inopinada decisão tomada pela administração da RTP, de pôr fim ao programa 'Câmara Clara':
Começo por uma necessária declaração de interesses: nos últimos anos, fui várias vezes convidado por Paula Moura Pinheiro a participar no seu programa Câmara Clara, quer a propósito de obras de que sou autor, quer para conversar sobre vários temas ligados à cultura.
Gostei de lá ter estado e da troca de ideias que essa ida a estúdio me proporcionou de cada vez. Em minha opinião, a responsável pelo programa encontrou uma fórmula perfeitamente adequada a um magazine do tipo daquele que apresentava: actualidade dos assuntos, versatilidade da temática abordada, vivacidade jornalística, registo cordial e atmosfera de um quase intimismo bem doseado "como quem não quer a coisa", diálogos quase sempre interessantes, qualidade visual, boas reportagens e boas sínteses, boa realização.
Livros e música, cinema e bailado, teatro e artes plásticas, exposições, estreias, ocasiões tornadas especiais por alguma razão, de um modo geral tudo o que tem vindo a acontecer em Portugal com alguma importância nas áreas ligadas à cultura tem merecido a atenção da equipa da Câmara Clara e encontrado nesta um espaço de referência, discussão, análise e promoção.
Entretanto, o programa mais extenso dos domingos à noite na RTP2 era complementado com pequenos módulos diários, o que tornava mais densa a presença dos temas culturais ao longo da semana.
Na Câmara Clara tem-se vindo a falar despretensiosamente de tudo e mais alguma coisa, num programa destinado a toda a gente, mas sem nivelar as abordagens pelo mais baixo e prestando atenção ao que de mais inovador, ou de mais importante nas matérias consideradas, se ia passando entre nós.
Paula Moura Pinheiro ganhou uma grande experiência na condução da conversa com os seus convidados, sabendo pô-los à vontade e pontuar inteligente e expressivamente o que eles iam dizendo nas entrevistas que lhes fazia. Como excelente profissional da televisão, também sabe ser comunicativa e partilhar uma natural boa disposição com os telespectadores, ajudando a inculcar nos seus espíritos a ideia de que a cultura não é uma sensaboria execrável e maçadora e pode até ter momentos luminosos num simples magazine de televisão.
Não faço a mínima ideia sobre se a produção do programa é cara ou barata, embora me pareça que não deve ser cara, dada a relativa exiguidade de meios envolvidos e a ausência total de cachets aos convidados.
Também não posso socorrer-me de indicadores de audiência, no entanto, mesmo supondo que não sejam equiparáveis aos de qualquer programa em que doutos intervenientes dissertam exaustivamente sobre futebol quase todos os dias, tenho a impressão de que muitos interessados na vida cultural portuguesa faziam questão em vê-lo com regularidade, tomando-o como referência. Isso passou-se com toda a gente com quem me tenho cruzado em andanças culturais.
Fico a saber agora que desde Junho o programa estava condenado e, sem todavia se saber para já se vai haver qualquer alternativa para ele, não se escapa à impressão de que a cultura é cada vez mais uma espécie em vias de extinção no nosso serviço público televisivo.
O Câmara Clara não supre nem pode suprir as gritantes carências da programação da RTP nas áreas a que se dedicava. Faria muito mais sentido que essa programação fosse mais vasta, diversificada e regular, sendo o magazine uma recapitulação semanal apostada numa divulgação de qualidade das actualidades culturais mais importantes.
Não sendo esse o caso, a Câmara Clara era, ainda assim, uma pedrada no charco: ajudava a lutar contra a tendência fatal das televisões generalistas para a imbecilização colectiva e, como magazine de emissão regular, fez muito mais do que aquilo que poderia esperar-se de um programa com as suas características.
Tem plena razão Paula Moura Pinheiro quando pergunta "que meios, que espaço e que visibilidade reserva o serviço público de televisão à cobertura de uma das áreas nevrálgicas do desenvolvimento do país: a inovação nas artes e nas ideias e a conservação do nosso extenso e precioso património cultural - da literatura à arquitectura".
Citar e subscrever essa preocupação que ela manifesta é a melhor homenagem que lhe podemos fazer.
O desenvolvimento cultural está de novo sob grave ameaça no nosso país. Com que fins e por interese de quem?
Rui Beja
Consegue dormir descansado, Sr. Deputado?!!!
Grito de alma de Rosário Gama*, no jornal Público de 2 de Dezembro de 21012
Consegue dormir descansado, Sr. Deputado da maioria, depois de ter levantado o braço para aprovar a lei do Orçamento de Estado para 2013? Não sentiu o braço pesado? E a sua consciência, não lhe pesou? É que a mim pesam e muito as medidas que os senhores acabaram de aprovar claramente discriminatórias dos "cidadãos" aposentados, pensionistas e reformados, grupo em que me incluo, em grosseira colisão do O.E. com o princípio da Igualdade, da confiança e da boa-fé.
No círculo familiar próximo do Sr. Deputado, não há “idosos” pertencentes à classe média, aquela que V. Ex.ªs querem exterminar? Ou são todos da classe alta?
Não vos disseram que a partir das medidas que os senhores aprovaram os vossos familiares também estão a ser roubados, relativamente ao compromisso assumido pela Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações no momento em que se reformaram?
Não foram estes 270 mil, que os senhores consideram “privilegiados” que contribuíram para a economia, cultura e bem social deste país? E que dizer dos restantes, que perfazem os 2 milhões e 600 mil que, já agora vivem abaixo do “limiar da pobreza” tendo há muito ultrapassado este limiar para um nível negativo?
Não conhecem os senhores deputados da maioria que muitos destes cidadãos viveram toda a vida honestamente, descontaram o que o Estado exigiu para que tivessem direito a uma pensão de reforma calculada com base no valor desses descontos, e agora os senhores aprovam a redução dos escalões do IRS colocando pessoas com ordenados de 600 euros a fazer descontos de 14,5% para o IRS? E aumentam brutalmente os descontos para este imposto das pessoas que já não usufruem rendimentos do trabalho? Não conhecem o agravamento que a sobretaxa de 3,5% aplicada aos aposentados, pensionistas e reformados vem trazer às pensões de reforma deste grupo social?
Tiveram a coragem de aprovar uma contribuição extraordinária de “solidariedade” para vencimentos superiores a 1350 Euros, sabendo que isso é um imposto encapotado? Sabem que os aposentados, pensionistas e reformados assumiram compromissos que seriamente vinham cumprindo e que as medidas que os senhores aprovaram vão pôr em causa esse cumprimento? Querem ver os reformados a viver debaixo das pontes, depois de entregarem as casas por não cumprimento do seu contrato com os bancos? Querem ver os reformados a ter que ficar sem água, luz e gás devido às medidas agora aprovadas? Querem ver os reformados a “vasculhar” nos caixotes do lixo para recolher restos de comida? Os senhores sabem que muitos reformados ainda têm pais a seu cargo, filhos desempregados e netos para apoiar? Os senhores estão a ser coniventes com as medidas que o Sistema de Saúde está a preconizar para os “não utilitários”, prestando a estes só os serviços mínimos e acredito que sejam dos que pensam “que os nossos velhos já estão mortos e que, no fim de contas, estamos todos mal enterrados...”como diz Joaquim Letria, Eu se estivesse na situação dos Senhores Deputados, já não conseguia dormir com tanto peso na consciência e dor no braço que se levantou para apoiar estas medidas. É que eu já não consigo dormir a fazer contas ao que está para vir, mais ainda o que, fria e cruelmente, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou na entrevista que deu à TVI relativamente às pensões de reforma, e dói-me não o braço, apesar de me apetecer dar muitos urros…na mesa, mas a Alma, esta coisa que parece faltar a quem nos (des)governa e aos senhores que votaram este orçamento que irá empobrecer o país.
Já agora, uma palavra para os senhores deputados do Partido Socialista: Se existe a convicção que uma determinada lei, e ainda mais a lei do Orçamento, viola a lei fundamental, é obrigação dos deputados pedir a verificação dessa constitucionalidade. Assim garantem que não vivemos numa república onde a lei constitucional é um mero adereço e a oposição uma mera sala de espera para o governo seguinte.
Maria do Rosário Gama
*Coordenadora da Pró-Associação APRe! - Aposentados, Pensionistas e Reformados