Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



A grosseira inconstitucionalidade da tributação sobre pensões

Palavras esclarecidas e desassombradas de Bagão Félix, no jornal Público de 18 de Novembro de 2012

 

Aprovado o OE 2013, Portugal arrisca-se a entrar no "Guinness Fiscal" por força de um muito provavelmente caso único no planeta: a partir de um certo valor (1350 euros mensais), os pensionistas vão passar a pagar mais impostos do que outro qualquer tipo de rendimento, incluindo o de um salário de igual montante! Um atropelo fiscal inconstitucional, pois que o imposto pessoal é progressivo em função dos rendimentos do agregado familiar [art.º 104.º da CRP], mas não em função da situação activa ou inactiva do sujeito passivo e uma grosseira violação do princípio da igualdade [art.º 13.º da CRP].

Por exemplo, um reformado com uma pensão mensal de 2200 euros pagará mais 1045 € de impostos do que se estivesse a trabalhar com igual salário (já agora, em termos comparativos com 2009, este pensionista viu aumentado em 90% o montante dos seus impostos e taxas!).
Tudo isto por causa de uma falaciosamente denominada "contribuição extraordinária de solidariedade" (CES), que começa em 3,5% e pode chegar aos 50%. Um tributo que incidirá exclusivamente sobre as pensões. Da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações. Públicas e privadas. Obrigatórias ou resultantes de poupanças voluntárias. De base contributiva ou não, tratando-se por igual as que resultam de muitos e longos descontos e as que, sem esse esforço contributivo, advêm de bónus ou remunerações indirectas e diferidas.
Nas pensões, o Governo resolveu que tudo o que mexe leva! Indiscriminadamente. Mesmo - como é o caso - que não esteja previsto no memorando da troika.

Esta obsessão pelos reformados assume, nalguns casos, situações grotescas, para não lhes chamar outra coisa. Por exemplo, há poucos anos, a Segurança Social disponibilizou a oferta dos chamados "certificados de reforma" que dão origem a pensões complementares públicas para quem livremente tenha optado por descontar mais 2% ou 4% do seu salário. Com a CES, o Governo decide fazer incidir mais impostos sobre esta poupança do que sobre outra qualquer opção de aforro que as pessoas pudessem fazer com o mesmo valor... Ou seja, o Estado incentiva a procura de um regime público de capitalização (sublinho, público) e logo a seguir dá-lhe o golpe mortal. Noutros casos, trata-se - não há outra maneira de o dizer - de um desvio de fundos através de uma lei: refiro-me às prestações que resultam de planos de pensões contributivos em que já estão actuarialmente assegurados os activos que caucionam as responsabilidades com os beneficiários. Neste caso, o que se está a tributar é um valor que já pertence ao beneficiário, embora este o esteja a receber diferidamente ao longo da sua vida restante. Ora, o que vai acontecer é o desplante legal de parte desses valores serem transferidos (desviados), através da dita CES, para a Caixa Geral de Aposentações ou para o Instituto de Gestão Financeira da S. Social! O curioso é que, nos planos de pensões com a opção pelo pagamento da totalidade do montante capitalizado em vez de uma renda ou pensão ao longo do tempo, quem resolveu confiar recebendo prudente e mensalmente o valor a que tem direito verá a sua escolha ser penalizada. Um castigo acrescido para quem poupa.
Haverá casos em que a soma de todos os tributos numa cascata sem decoro (IRS com novos escalões, sobretaxa de 3,5%, taxa adicional de solidariedade de 2,5% em IRS, contribuição extraordinária de solidariedade (CES), suspensão de 9/10 de um dos subsídios que começa gradualmente por ser aplicado a partir de 600 euros de pensão mensal!) poderá representar uma taxa marginal de impostos de cerca de 80%! Um cataclismo tributário que só atinge reformados e não rendimentos de trabalho, de capital ou de outra qualquer natureza! Sendo confiscatório, é também claramente inconstitucional. Aliás, a própria CES não é uma contribuição. É pura e simplesmente um imposto. Chamar-lhe contribuição é um ardil mentiroso. Uma contribuição ou taxa pressupõe uma contrapartida, tem uma natureza sinalagmática ou comutativa. Por isso, está ferida de uma outra inconstitucionalidade. É que o já citado art.º 104.º da CRP diz que o imposto sobre o rendimento pessoal é único.

Estranhamente, os partidos e as forças sindicais secundarizaram ou omitiram esta situação de flagrante iniquidade. Por um lado, porque acham que lhes fica mal defender reformados ou pensionistas desde que as suas pensões (ainda que contributivas) ultrapassem o limiar da pobreza. Por outro, porque tem a ver com pessoas que já não fazem greves, não agitam os media, não têm lobbies organizados.


Pela mesma lógica, quando se fala em redução da despesa pública há uma concentração da discussão sempre em torno da sustentabilidade do Estado social (como se tudo o resto fosse auto-sustentável...). Porque, afinal, os seus beneficiários são os velhos, os desempregados, os doentes, os pobres, os inválidos, os deficientes... os que não têm voz nem fazem grandiosas manifestações. E porque aqui não há embaraços ou condicionantes como há com parcerias público-privadas, escritórios de advogados, banqueiros, grupos de pressão, estivadores. É fácil ser corajoso com quem não se pode defender.

Foi lamentável que os deputados da maioria (na qual votei) tenham deixado passar normas fiscais deste jaez mais próprias de um socialismo fiscal absoluto e produto de obsessão fundamentalista, insensibilidade, descontextualização social e estrita visão de curto prazo do ministro das Finanças. E pena é que também o ministro da Segurança Social não tenha dito uma palavra sobre tudo isto, permitindo a consagração de uma medida que prejudica seriamente uma visão estratégica para o futuro da Segurança Social. Quem vai a partir de agora acreditar na bondade de regimes complementares ou da introdução do "plafonamento", depois de ter sido ferida de morte a confiança como sua base indissociável? Confiança que agora é violada grosseiramente por ditames fiscais aos ziguezagues sem consistência, alterando pelo abuso do poder as regras de jogo e defraudando irreversivelmente expectativas legitimamente construídas com esforço e renúncia ao consumo.

Depois da abortada tentativa de destruir o contributivismo com o aumento da TSU em 7%, eis nova tentativa de o fazer por via desta nova avalanche fiscal. E logo agora, num tempo em que o Governo diz querer "refundar" o Estado Social, certamente pensando (?) numa cultura previdencial de partilha de riscos que complemente a protecção pública. Não há rumo, tudo é medido pela única bitola de mais e mais impostos de um Estado insaciável.
Há ainda outro efeito colateral que não pode ser ignorado, antes deve ser prevenido: é que foram oferecidos poderosos argumentos para "legitimar" a evasão contributiva no financiamento das pensões. "Afinal, contribuir para quê?", dirão os mais afoitos e atentos.
Este é mais um resultado de uma política de receitas "custe o que custar" e não de uma política fiscal com pés e cabeça. Um abuso de poder sobre pessoas quase tratadas como párias e que, na sua larga maioria, já não têm qualquer possibilidade de reverter a situação. Uma vergonha imprópria de um Estado de Direito. Um grosseiro conjunto de inconstitucionalidades que pode e deve ser endereçado ao Tribunal Constitucional.


PS1: Com a antecipação em "cima da hora" da passagem da idade de aposentação dos 64 para os 65 anos na função pública já em 2013 (até agora prevista para 2014), o Governo evidencia uma enorme falta de respeito pela vida das pessoas. Basta imaginar alguém que completa 64 anos em Janeiro do próximo ano e que preparou a sua vida pessoal e familiar para se aposentar nessa altura. No dia 31 de Dezembro, o Estado, através do OE, vai dizer-lhe que, afinal, não pode aposentar-se. Ou melhor, em alguns casos até poderá fazê-lo, só que com penalização, que é, de facto, o que cinicamente se pretende com a alteração da lei. Uma esperteza que fica mal a um Governo que se quer dar ao respeito.

PS2: Noutro ponto, não posso deixar de relevar uma anedota fiscal para 2013: uma larga maioria das famílias da classe média tornadas fiscalmente ricas pelos novos escalões do IRS não poderá deduzir um cêntimo que seja de despesas com saúde (que não escolhem, evidentemente). Mas, por estimada consideração fiscal, poderão deduzir uns míseros euros pelo IVA relativo à saúde... dos seus automóveis pago às oficinas e à saúde... capilar nos cabeleireiros. É comovente...

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 22:46

Empobrecimento

26.11.12

Passos de Hipocrisia

Palavras levadas pelo vento das acções que as contradizem, "custe o que custar"

 

O chefe do Governo de Portugal disse ontem, na Madeira: "...sabemos que quem mais acesso tem à televisão e quem mais vocalmente contesta o que estamos a fazer são aqueles que têm mais". Enfio a carapuça e afirmo: é um dever cívico de quem por via do seu trabalho e do seu grau de conhecimentos tem mais e está mais informado, não se calar perante quem tenta enganar os portugueses; todos os portugueses, os que têm mais e os que têm menos.

Por isso contesto e por isso contestam todos quantos não se acomodam à hipocrisia dos "passos" dados com truques e magias que têm um único objectivo, ideológico e económico-financeiro: emprobecer o país para melhor servir interesses inconfessáveis. Não os interesses dos portugueses que têm mais nem dos que têm menos, mas sim os daqueles, portugueses ou estrangeiros, que têm muitíssimo e dominam tudo o que os rodeia.

Para atingirem os seus fins não há hipocrisia que os envergonhe. Nem mesmo o pudor de assumirem o princípio que fez caminho em tempos que julgávamos ultrapassados: considerar perigosos os mais informados; agora na versão "quem mais acesso tem à televisão". Só faltam mais uns "passos" para que a meta do empobrecimento, da classe média e dos menos pobres de entre os pobres, seja "suavemente" atingida sob o manto do obscurantismo, via censura e repressão.

Por isso, há que lembrar e desmascarar, claramente, a HIPOCRISIA militante, a MENTIRA compulsiva e a CONTRADIÇÂO evidendente, que têm  como fim último o EMPOBRECIMENTO:

  • Sim, é verdade que  a chanceler Merkel que tanto apoiava o «PEC 4» do Governo anterior, e que tão incomodada ficou com o seu "chumbo", anda agora maravilhada com o «Plano de Austeridade» aplicado em overdose pelo actual Governo; indiferente à catástofre social que provoca e negligentemente alheia ao final infeliz a que a política do quanto pior melhor irá conduzir.
  • Sim, é verdade que a austeridade imposta pelo actual Governo em nada tem a ver com o programa eleitoral que apresentou aos portugueses, para uma vez eleito dizer que o memorando assinado com a Troika correspondia ao seu modelo de actuação e, logo de seguida, afirmar que iria mais longe ainda, custasse o que custasse; lavando as mãos das graves consequências daí decorrentes e regozidando-se por assim poder atingir o seu ultra-neoliberal desígnio de eliminar o «estado social» e regressar à política da «caridadezinha».
  • Sim, é verdade que o memorando assinado com a Troika pelo Governo anterior (e pelos partidos que constituem o Governo actual), tem sido pressurosamente executado, e até ultrapassado, de forma cega, surda e muda, contra todas as evidências de desatre anunciado; concretizando uma política de terra queimada facilitadora da pretendida desarticulação ad-hoc de direitos e garantias, constitucionalmente estabelecidos, em especial nos domínios do Serviço Nacional de Saúde, do Ensino Público e da Segurança Social.
  • Sim, é verdade que sob a batuta do "rigoroso e infalível" ministro da Finanças, foram cometidas ao longo de 2012 as maiores «trapalhadas», como também avanços, recuos e erros de previsão jamais vistos no nosso país, e que o OE para 2013 constitui um ataque despudorado à economia nacional e à vida dos portugueses; com a agravante de, consabidamente, não ter qualquer viabilidade de concretização.
  • Sim, é verdade que o burocrata conhecido como «etíopo da Troika», que chefia a missão em nome do FMI, teve a desfaçatez de se pronunciar sobre o ministro das Finanças de Portugal, avaliando-o sob a forma de elogio, como "muito impressionante"; isto não deixando de contestar a subida de impostos, dizendo "o que é útil é aumentar a base fiscal, alargá-la".
  • Sim, é verdade que a Directora-Geral do FMI tem afirmado repetidamente que os coefcientes técnicos e as políticas orçamentais utilizadas pela Troika estão desajustados e provocam recessão económica e socialmente indesejável, mas o certo é que o plano de ajustamento se mantém inalterável; com a rizível, se não fosse dramática, aprovação dos "funcionários" do FMI + União Europeia + Banco Central Europeu que constituem a Troika, e a inconsequente satisfação dos governantes portugueses.
  • Sim, é verdade que o presidente da multinacional alemã Bosch, que viajou com a chaceler alemã e foi recebido pelo Presidente da República, salientou que precisamos de manter  a actual estratégia de flexibilização de horários de trabalho e do pagamento de horas extraordinárias, lembrou que os custos do trabalho no nosso país continuam a ser 25% a 30% dos praticados na Alemanha, afirmou que com a continuidade destas medidas os países da Europa de Leste não são concorrência para Portugal, apontou a redução dos dias de férias como uma boa abordagem e disse que ainda não se esgotaram todas as possibilidades de ganhos de produtividade; indo ao concreto; explicitou que a carga fiscal não pode aumentar, mas cada um pode trabalhar mais!
  • Sim, é verdade que o economista belga Paul De Grauwe, professor da London School of Economics e investigador  no Center for European Policy Studies, disse hoje em Lisboa que "o Governo português pode estar a levar o rumo da austeridade demasiado longe e a puxar a economia portuguesa para uma espiral recessiva", acrescentando "não vai conseguir curar o défice orçamental e reestruturar a dívida pública assim", afirmando que o esgotamento desta via já mostrou várias vezes que pode levar os países em reestruturação para a insolvência, e fazendo referência à linha de acção do Governo ao dizer ao ministro das Finanças: "Vítor Gaspar, não exagere".

Rui Beja

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 23:39

Queixa ao Provedor de Justiça

Um instrumento a utilizar pelos reformados em defesa do contrato social estabelecido com o Estado

 

Inúmeras personalidades de prestigiado relevo nos mais diversos meios da sociedade portuguesa, têm-se manifestado expressivamente contra a redução do valor das reformas aplicada em 2012 e prevista no Orçamento de Estado para 2013.

Conforme refere o jornal «Público» de 7 de Julho de 2012, o reputado constitucionalista, Prof. Doutor Jorge Miranda, entendeu "profundamente injusto o tratamento dado aos pensionistas", que considera estarem a ser tratados "como pessoas de segunda classe em relação aos trabalhadores no activo".

Em «Carta Aberta ao Primeiro-Ministro», tornada pública em 10 de Setembro de 2012, o conceituado escritor e intelectual, Prof. Doutor Eugénio Lisboa, referindo-se à situação dos reformados, escreve: "Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós".

Conforme publicado em 18 de Setembro de 2012, no «Jornal de Negócios Online, o senhor Provedor de Justiça, juiz-conselheiro Alfredo José de Sousa, disse, em entrevista ao «Diário Económico», quando questionado sobre o que poderia fazer o Provedor de Justiça face às queixas recebidas após o anúncio de mais austeridade: "darei especial atenção aos cortes dos rendimentos dos reformados e à violação sinalagmática que estabeleceram ao longo dos anos com o Estado".

Neste contexto, parece de toda a justiça e adequação ao exercício dos direitos e responsabilidades cívicas, apresentar queixa-electrónica ao senhor Provedor de Justiça, face ao que, segundo tem sido noticiado, são as perspectivas de renovadas e acrescidas iniquidades previstas no Orçamento de Estado para 2013. Foi o que hoje fiz, expressando-me conforme texto que transcrevo:

  

Exmo. Senhor Provedor de Justiça,

Na qualidade de cidadão reformado da Segurança Social, actualmente com 68 anos de idade, venho formalmente apresentar queixa a V. Ex.ª contra o Estado português, representado pelo Governo da República, relativamente às propostas do Orçamento de Estado (OE) para 2013 que dizem respeito aos aposentados, pensionistas e reformados em geral e à minha pessoa em particular. Como aspectos mais relevantes refiro:

1 - Conforme é do conhecimento público, na proposta do OE 2013 consta a reposição de apenas 1,1 dos 2 subsídios (Férias Natal) retirados este ano, contrariando a decisão do Tribunal Constitucional que, aquando da apreciação sucessiva sobre a constitucionalidade do OE 2012 mandou repor os dois subsídios a partir de 2013.

2 - Está prevista no OE de 2013 a “...aplicação de uma «contribuição extraordinária de solidariedade», com natureza progressiva, às pensões de reforma mensais de valor igual ou superior a 1350€”, o que, para além de representar uma indiscutível redução unilateral e arbitrária das condições estabelecidas, configura uma forma artificial e gravosa de tornear artificialmente a decisão do Tribunal Constitucional.

3 -A iniquidade que desta forma se mantém (e nalguns casos se agrava) assume a forma de um indisfarçável confisco, podendo inclusivamente atingir foros de verdadeiro crime caso venha a ser confirmado que pensões vitalícias dos reformados, incluindo as que resultam de poupança privada (como seguros de vida, planos de poupança reforma e fundos de pensões das empresas) recebidas por cada titular, sejam somadas às reformas e pensões para efeitos de aplicação da «contribuição extraordinária».

4 - Trata-se, pois, de uma redução ilegal do valor anual das pensões contratualmente atribuídas, que contraria os princípios básicos da confiança e da equidade, conforme já anteriormente afirmado pelo Tribunal Constitucional.

5 - Porque a reforma consiste na contrapartida das contribuições entregues ao Estado ao longo da carreira contributiva, de acordo com as regras por este estabelecidas, o mesmo não é o proprietário deste valor mas tão-somente o seu fiel depositário e gestor da respectiva aplicação (e retribuição) financeira. Está pois em causa a quebra abusiva do princípio da confiança.

6 - Está igualmente em causa o princípio da justiça, bem como a segregação socioeconómica de um grupo etário consabidamente dos mais carentes que, para além da quebra de nível de vida resultante da inflação em bens de primeira necessidade, e do exorbitante aumento de impostos, tem de suportar custos elevados com cuidados de saúde, e está em muitos casos a apoiar os seus descendentes e outros familiares, face à crise que o país atravessa.

É neste contexto que solicito ao Senhor Provedor de Justiça que suscite a apreciação preventiva do Tribunal Constitucional sobre as matérias que mencionei. Em nome do valor primeiro da solidariedade intergeracional e para que os reformados de hoje, que em tantos casos foram o amparo dos seus ascendentes e são-no agora dos seus descendentes, não sejam vistos e tratados como «o cancro da sociedade».

Rui Beja

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 18:29

Desinformação sobre os direitos dos Reformados

Resposta da Pró-Associação APRe! - Aposentados, Pensionista e Reformados, a articulista do Expresso

 

O jornal Expresso publicou, em 10 de Novembro de 2012, um artigo de opinião subscrito pelo jornalista Miguel Sousa Tavares, intitulado «Contra argumentos não há factos», que se iniciava assim:

"Pela segunda ou terceira vez em pouco tempo, sou abordado na rua por uma senhora que protesta porque lhe baixaram a pensão de reforma. O argumento de razão para o seu protesto é igual ao das antecessoras:

 - O dinheiro não é deles, é meu, que descontei durante quarenta anos.

Ao fim de vários minutos em tom exaltado, permitiu que finalmente lhe fizesse uma pergunta: Há quanto tempo está reformada?

- Há catorze anos.

- Muito bem, isso quer dizer que a senhora descontou durante quarenta anos uma média de 10% do seu ordenado e há catorze anos que recebe uma pensão de reforma...

- Iso mesmo.

- Então, vamos fazer contas. O que a senhora descontava todos os meses servia para cobrir os seus gastos de saúde pagos pelo Estado, e o resto, se sobrou, para acumular para a sua pensão de reforma. Certo?

- Certo - concedeu ela olhando para mim com um ar desconfiado.

- Vamos admitir que a senhora nunca custou ao Estado um euro que fosse com a sua saúde: nunca foi operada, nunca fez um tratamento num hospital público, nunca foi a nenhuma consulta, nunca comprou um medicamento comparticipado. Que tudo o que descontou foi inteiramente para a sua reforma...

- Sim...

- Ora bem, se acha que a sua pensão é paga com dinheiro que é só seu, o dinheiro que descontou ao longo da vida, então teria direito a só quatro anos de reforma paga.

- Quatro anos?

- Sim, 10% dos quarenta anos em que descontou: esse é o seu dinheiro, se não contarmos com as despesas de saúde. Mas, como está reformada há catorze anos, isso quer dizer que nos últimos dez anos a sua reforma foi paga com dinheiro que já não era seu. E de quem era, sabe?

-Deles.

- Deles?

- Sim, do Estado.

- Não, minha senhora, não há dinheiro deles nem dinheiro do Estado.O dinheiro do Estado é dos portugueses que pagam impostos. Nõ vem de mais lado nenhum.

- Entáo subam os impostos!

- Já subiram: uma, duas, três, várias vezes. Mesmo assim o dinheiro não chega para o que o Estado gasta - e, por isso, é que tivemos de pedir dinheiro emprestado.

- E o que quer o senhor que se faça? Que se matem os velhos?

Excelente pergunta, É a resposta a ela que temos de encontrar, sob pena de esta ser a última geração que recebe pensões de reforma."

 

Direito de resposta exercido pela APRe!, publicado no Expresso de 17 de Novembro de 2012

"Em nome da Pró-Associação APRe! – Aposentados, Pensionistas e Reformados, solicito a V. Exª o direito de resposta relativamente ao conteúdo do artigo de opinião de Miguel Sousa Tavares no Expresso, no sábado, dia 10 de Novembro:

 Pelo teor do artigo de opinião “Contra Argumentos Não Há Factos”, Miguel Sousa Tavares demonstra ignorância na  matéria respeitante aos descontos para Segurança Social, Caixa Geral de Aposentações, entre outros, pois desconhece as percentagens que servem de cálculo ás contribuições bem como desconhece que os dinheiros descontados foram entregues às instituições não apenas para serem armazenados, mas  para serem aplicados em investimentos seguros ao longo dos anos. Em termos de matemática, o jornalista apenas sabe fazer um cálculo ou seja: 40 a dividir por 10 tem como resultado 4, o que faz supor que a senhora que o aborda na rua, protestando contra o abaixamento da sua pensão, só teria direito a 4 anos de reforma. Muito pouco, para quem quer escrever sobre reformas ou reformados.

Esquece aquele mesmo articulista que o desconto da trabalhadora com que enceta o diálogo no texto de opinião, esteve durante 40 anos entregue às competentes Instituições, sem qualquer retribuição, rendendo juros!!!

Os reformados, mesmo depois de deixarem a vida activa, ainda pagam impostos, tais como “IRS, IVA, IMI, IA  etc.”. que servem para o estado suportar, entre outras, despesas com a saúde, como medicamentos, internamentos, etc.. situação omitida na sua crónica.

Lembramos ao Dr. MST que as reformas/pensões são um direito de quem descontou ao longo de uma vida e que quando é fixado o seu montante encerra-se um contrato que não pode ser alterado unilateralmente.

Os reformados são o patamar final de quem já muito trabalhou para a riqueza do país. Os que hoje pensam como MST, amanhã também farão parte desta condição.

A Coordenadora da Pró-Associação

Maria do Rosário Gama"

 

Esclarecimento de Miguel Sousa Tavares, no Expresso de 17 de Novembro de 2012

"De facto, e como refere o leitor, eu não considerei, na referida conversa e nas contas que fiz, a parte da contribuição para a SS que cabe à entidade patronal. E concedo que, para melhor exposição do assunto, deveria tê-lo feito. Contudo, tratava-se de uma conversa com uma senhora que sustentava que todo o dinheiro da sua pensão de reforma resultava dos descontos que Ela tinha feito ao longo da vida e eu explicava que assim não era.

Quanto a ter indicado 10% e não 11% como a parte dos descontos suportada pelo trabalhador, é porque calculei que ao tempo em que ela iniciou os descontos (há cerca de 57 anos) essa contribuição era menor e, em alguns casos, inexistente. Por isso não escrevi 10% mas sim «uma média de 10%».

Agradeço a atenção dos leitores.

M.S.T.

 

O que ficou por dizer

Sobre matéria tão complexa e sensível, muito se tem sido dito e muito há ainda por dizer, especialmente no que se refere ao conceito de «solidariedade intergeracional» que lhe está subjacente e que é minha intenção abordar em próxima oportunidade.

Relativamente aos textos aqui reproduzidos, julgo importante especificar que: i) A contribuição da entidade patronal para a Segurança Social, que acresce aos 11% pagos pelo trabalhador, é de 23,75%; ii) Os custos com a saúde são pagos pelo Orçamento do Estado (OE) e não pela Segurança Social; e iii) Apesar das reformas e dos custos com subsídios sociais que cabe à Segurança Social suportar, o sistema tem-se apresentado superavitário, com excepção do ano em curso que sofre os efeitos decorrentes das medidas de austeridade contempladas no OE 2012.

Uma nota final para reforçar o que sendo sabido, e consabido, continua a ser prática corrente que distorce a realidade percepcionada pelo grande público: enquanto o artigo de MST teve a visibilidade correspondente à notoriedade pública do autor, ao qual de há muito é atribuída página inteira em local nobre do Expresso, o direito de resposta da APRe! e o reconhecimento de possibilidade de indução em erro que MST assume, foram publicados em local discreto, no espaço dedicado a «Cartas»!

Rui Beja

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 10:01

O fantasma de regresso à segregação social do Estado Novo

O modelo alemão de ensino profissional e os «velhos» bloqueios na progressão académica em Portugal

 

No «curriculum vitae» constante em http://pascal.iseg.utl.pt/~ncrato/CVpor.pdf, relativo ao actual ministro da Edução e Ciência, Nuno Paulo de Sousa Arrobas Crato, consta, como primeiro nível de habilitações académicas, a licenciatura em Economia em 1980/81 no Instituto Superior de Economia, ramo de Planeamento – Métodos Matemáticos. Certamente que o caminho para obtenção deste grau académico resultou de uma progressão continuada, fruto da evolução sequencial nos vários graus de ensino: básico (antigo primário) – secundário – superior. O mesmo se terá passado com os seus colegas de licenciatura.

Mas nem sempre foi assim. Nos tempos «da outra senhora» a progressão era igualmente continuada e sequencial para quem acedesse ao ensino superior por via do ensino liceal, e eivada de barreiras, sob a forma de exames adicionais e anos complementares, para quem pretendesse aceder por via dos então designados cursos técnicos: comercial, industrial ou agrário.

Dispenso-me de entrar em pormenores sobre os porquês que então levavam a optar por uma ou pela outra via. Existe documentação suficientemente esclarecedora sobre esta matéria, a qual, em resumo, conduz a uma clara evidência: pondo de parte algumas excepções, a via liceal era seguida pelos estudantes pertencentes à elite socioeconómica da época e a via técnica por aqueles que descendiam de classes menos favorecidas.

Desafortunadamente, a correcção desta degradante segregação social, levada a cabo após a implantação da democracia em Portugal, deu-se pela forma menos apropriada levando ao «desaparecimento» do ensino técnico, com consequências graves para o ajustamento entre a procura e a oferta do mercado de trabalho. Ou seja, insuficiência de técnicos com adequada qualificação ao nível secundário, falta de qualificação própria de quem não concluía o ensino superior e excesso de licenciados em vários domínios do conhecimento.

No entanto, o memorando de entendimento que o ministro da Educação e Ciência foi assinar a Berlim, na passada semana, para importação do «sistema dual» alemão de ensino profissional (uma conjugação de aulas numa escola vocacional com um regime intensivo de estágio em fábricas, oficinas, laboratórios, ou escritórios ao longo de dois ou três anos, para alunos com mais de 15 anos), faz acordar os demónios adormecidos da segregação social prevalecente na estrutura de ensino do Estado Novo.

O «sistema dual» existe há décadas na Alemanha, tem muito a ver com as especificidades sociológicas e organizacionais dos germânicos e, apesar disso, é objecto de fortes críticas no próprio país face há desigualdade de hipóteses que à partida se colocam aos que pretenderem seguir para a Universidade. Neste contexto, o seguinte extracto das questões colocadas e respondidas pelo ministro português, conforme consta no jornal Expresso de 10 de Novembro de 2012, torna-se «arrepiante» para quem seguiu o «calvário» do ensino técnico nos tempos de Salazar:

...

“P: Encaminhar, a partir dos 13 anos, alunos com baixo rendimento para uma via mais profissional de ensino não envolve um risco de segregação social?

R: Não. A via vocacional é uma oferta prática exigente que assegura a inclusão de todos no percurso escolar. O facto de os estudantes terem português, matemática e inglês com a mesma carga horária que os do ensino regular permite que o jovem possa optar por fazer exames e reingressar na via regular ou, se preferir, escolher um percurso profissional. Além disso, esta é uma via tão digna quanto a do ensino regular, e não é obrigatória nem exclusiva para alunos com insucesso escolar. É uma opção que poderá ser feita pelo aluno, e que necessita do acordo do encarregado de educação e do parecer das equipas dos serviços de psicologia e orientação escolar.

Há muitos tempo que não me era dado ouvir uma tão confrangedora «pedagogia demagógica». Apesar disso, tem uma coerência irrefutável: confere com a política de empobrecimento em curso no nosso país.

Parar é morrer. Mudar faz parte da vida. Mas quando mudamos é conveniente que seja para melhor. Não é certamente o caso.

Rui Beja

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 00:45

Mito Perigoso

14.11.12

Brandos costumes

Um avisado texto da autoria de Pedro Norton, publicado na Visão em 1 de Novembro de 2012

 

Sei de um país onde, há pouco mais de cem anos, numa «tarde linda, azul, morna, diáfana», um «homem de barba preta», professor do 1º grau de instrução primária, e um «homem do estribo», antigo empregado de comércio, assassinaram, a sangue frio, o chefe de um Estado em muito mau estado.

Sei de um país onde os revolucionários são assassinados por doentes tresloucados, antes ainda de fazerem a revolução. Sei de um país onde os revolucionários se suicidam, antes ainda de terminarem a revolução.

Sei de um país que fez da República Velha uma revolução contínua. «Atos revolucionários, sediciosos, pronunciamentos, golpismos, intentonas, iventonas, efetivas ou potenciais.»

Sei de um país cuja I República fornece «exemplos para quase todos os tipos de golpismos insertos nos manuais, desde os que ocorreram sem efusão de sangue, aos que atingem o nível do morticínio».

Sei de um país em que um major se fez Presidente-Rei por meio de uma revolução sangrenta que deixou no chão uma centena de mortos e mais de 500 feridos. Sei de um país onde Sidónio, «Presidente da República, pela vontade do Destino e o direito da Força», se aguentou um único ano «à tona do caos português». Sei de um país, que por esta altura, assassinava um Chefe de Estado a cada dez anos.

Sei de um país em que 14 governos no espaço de três anos acabariam por desembocar, numa noite sangrenta de outubro, nos assassínios do Presidente do Governo e do próprio fundador da República.

Sei de um país que dispensou a democracia a 28 de maio e que, «em junho, foi alegremente aplaudir Gomes da Costa à sua, muito sua, avenida da Liberdade».

Sei de um país que, logo depois, fez o Reviralho e montou a guerra civil em pleno coração do Porto. Sei de um país que, em escassos quatro dias, espalhou centenas de mortos e milhares de feridos entre a Praça da Batalha e a Serra do Pilar. Sei de um país aos tiros, no Castelo, na Madeira, nos Açores, na Guiné e que só em Lisboa, num fatídico dia de 1931, da Rotunda às Avenidas Novas, das  Amoreiras às Laranjeiras, junta mais quatro dezenas de mortos às estatísticas do morticínio.

Sei de uma ditadura feita de PVDE, de PIDE. de DGS, de repressão violenta, de torturas e de assassínios políticos. Sei de um campo de concentração eufemisticamente apodado de colónia penal onde terão morrido, «de morte lenta» vários opositores do regime.

Sei de um país que fez uma guerra em África de que ainda não terá contado, com rigor, todos os mortos. Provavelmente menos ainda os feridos, os estropiados, todos quantos não mais deixaram de ter perturbações psíquicas. Sei de um país que só em Wiryamu terá deixado mais de 400 civis mortos, entre os quais muitas mulheres e crianças.

Sei de um país com revolucionários que sonharam encostar à parede ou mandar para o Campo Pequeno «umas centenas ou uns milhares de contrarrevolucionários, eliminando-os à nascença». Sei de um país em que heróis da revolução se fizeram terroristas com provas dadas.

Sei de um país que, contra todas as evidências históricas, continua a julgar-se de «brandos costumes». Sei de um país que, uma vez mais, vive tempos perigosos. Onde o desencanto é geral, a desesperança absoluta, o futuro, dir-se-ia, é coisa do passado. São tempos que deveriam convocar-nos, humildemente, a aprender com o passado. E a primeira lição talvez devesse ser a de reconhecer que não há, na mitologia portuguesa, mentira mais perigosa do que a fábula dos «brandos costumes»

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 19:53

Memória Curta

12.11.12

Os «alemães que perderam a II Guerra Mundial» e os «alemães Merkel»

  Reflexões sobre realidades e mentalidades, no dia da visita da chanceler alemã a Portugal

 

Muito se tem dito e escrito sobre a atitude política de Angela Merkel e, concomitantemente, em relação à postura da Alemanha relativamente ao caos económico-financeiro que se instalou na Europa na sequência da crise do subprime iniciada em 2006 nos Estados Unidos da América. Bater na mesma tecla é, portanto, algo que nada acrescentaria aos múltiplos comentários veiculados pela comunicação social e nas redes sociais. Mas há outros aspectos, pouco tratados, sobre os quais vale a pena reflectir.

Sobre os alemães, as suas características inatas e a evolução de mentalidades ocorrida ao longo das últimas décadas, pouco se tem dito. Habitualmente é-lhes aposto um rótulo genérico, tipo gorro de tamanho único que serve em todas as cabeças. Aliás consideradas, e até autoconsideradas por muitos cidadãos germânicos com alargada mundivivência, como sendo «cabeças quadradas». E aqui temos um primeiro ponto que vale a pena abordar: o que significa «alemão de cabeça quadrada» e como tem variado essa «geometria cerebral».

Ao longo de 30 anos, entre 1971 e 2001, estive profissionalmente ligado ao maior grupo alemão, e europeu, de meios de comunicação. Relacionei-me muito proximamente, tanto no nosso país como no estrangeiro, com um alargado grupo de colegas (e também respectivos familiares e amigos) de nacionalidade alemã. Com alguns continuo a manter laços de amizade, em relação a outros perdeu-se o contacto e outros ainda nem gostaria de os ver por perto. Porquê esta diferenciação e que relação se pode estabelecer com o conceito «cabeça quadrada», com Angela Merkel e com a política alemã nos dias de hoje?

Entendo que o rótulo «alemão de cabeça quadrada» se aplica com a mesma legitimidade que o de «português desenrascado». Ambos correspondem a uma realidade genética e ambos foram sofrendo transmutações ao longo dos tempos. Sobre nós, portugueses, não vem agora para o caso discorrer sobre o «desenrascanço». É uma capacidade que em maior ou menor grau nos caracteriza, e que apresentando-se como vantajosa em certas situações se torna um quebra-cabeças em bastantes outras, sendo pacífico afirmar que segue ao sabor dos ventos e marés predominantes em cada momento da nossa vida colectiva e individual.

Para nós, o epíteto «cabeça quadrada» tem um indubitável sentido depreciativo. Corresponde à qualificação de quem não tem capacidade de adaptação a novas situações, que bloqueia quando as circunstâncias recomendam que se actue à margem dos cânones, enfim, que não se sabe «desenrascar» e segue em frente contra ventos e marés. Não contestando esta acepção genérica, considero que a designação «alemão de cabeça quadrada» abarca também várias características positivas: planeamento, organização, cumprimento de compromissos, disciplina de trabalho, observância das regras definidas. Para o bem e para o mal, corresponde igualmente a uma prática que poderá ser positiva ou negativa conforme as circunstâncias: o primado da obediência aos poderes instituídos em cada momento. E aqui começa a dicotomia de perspectivas entre «alemães que perderam a II Guerra Mundial» e «alemães Merkel».

Os alemães da dita «geração de 68», com quem comecei a ter contacto no início da década de 70 do século passado, tinham presente os horrores da II Guerra Mundial e assumiam o sentimento de culpa pelas consequências dramáticas a que a obediência inflexível ao «seu führer» tinha levado a Alemanha, a Europa e o Mundo. Diziam claramente, quando a então Comunidade Europeia começou a tomar forma: deixem estar as coisas assim, com a Alemanha enquadrada numa união de países, porque quando estamos isolados temos tendência para fazer «borrada» como aconteceu nas duas guerras mundiais. Chanceleres como Konrad Adenauer, Willy Brandt, Helmut Schmidt, ou Helmut Kohl, regiam-se em maior ou menor grau por estes princípios e contribuíram para a criação de uma Europa que se pretendia socialmente responsável e solidária. Os alemães da geração que começava a despontar no início dos anos 2.000 já não se apresentavam com essa memória: mostravam a arrogância de seres superiores e assumiam-se como «donos do mundo». Ou seja, fazendo a comparação: «cabeças quadradas - geometrias diversas»

Nos dias de hoje, os meus amigos alemães de há quarenta anos dizem-me que têm muito receio do que se está a viver na Europa. Por uma questão maior: perder-se a paz. São «os alemães que perderam a II Guerra Mundial».

Merkel faz parte das novas gerações que começam a ser maioritárias no seu país. São os alemães que não se sentem comprometidos com o passado, que se assumem superdotados, que pensam exclusivamente no seu bem-estar. Querem desconhecer que a solidariedade de que a Alemanha já tanto beneficiou tem dois sentidos, parecem incapazes de perceber que os últimos, mas também os maiores perdedores do que se está a fazer na Europa, serão eles próprios. E não têm preocupações com o risco de uma questão maior: perder-se a paz. São «os alemães Merkel».

Façamos para que prevaleça o bom senso, se restabeleça a solidariedade e se preserve a paz.

Rui Beja

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 11:49

Ignorância e hipocrisia no confisco aos reformados

 Carta Aberta (para amigos aposentados, pensionistas e reformados)

 

Iliteracia: incapacidade para perceber ou interpretar o que é lido

Ética: conjunto de regras de conduta

Ignorância: falta de ciência ou de saber

Hipocrisia: fingimento de bondade de ideias ou de opiniões apreciáveis

Confisco: apreensão de algo que contraria leis, regulamentos ou senso comum

 

Diz a voz popular que «estudante é um burro carregado de livros». Tomado habitualmente como uma graça que se diz afectuosamente a crianças em idade escolar, este aforismo tem, no entanto, um sentido profundo. De facto, um estudante que não vá mais longe do que carregar livros, «empinar» o que neles está contido e disso fazer citações grandiloquentes, não aprendeu a saber e, muito menos, a saber fazer. Pode ser «doutor», mas não tem cultura, ou seja, não entende o mundo onde vive e apenas lhe resta o vazio mental quando o que leu nos livros não adere à realidade. Pode autoproclamar-se dono da verdade e do rigor, mas desconhece o que seja o respeito pelo próximo, a solidariedade intergeracional, o rigor ético. Por outro lado, há muita e muita gente que teve de deixar a escola bem cedo mas que pela sua inteligência inata, a sua intuição, o seu esforço e o seu espírito humanista, soube aprender, sabe fazer e sabe ser socialmente responsável. Estes, são aqueles de quem o país precisa e dos quais recebe dádiva sem nada ter contribuído para a sua formação técnica e moral. Os outros, os que tudo receberam e nada entendem, nem sequer compreendem que a melhor dádiva que podem dar aos portugueses é deixarem o governo do país para outros com adequadas capacidades.

Vem isto a propósito da forma como o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, se tem comportado relativamente à proposta de lei do OE-2013. Incapaz de perceber o que leu nos livros sobre economia e de interpretar o efeito desastrosamente perverso da política de austeridade que em 2012 aplicou aos portugueses, resolveu, sem o mínimo respeito por regras de conduta transparente e consistente, e demonstrando uma aflitiva falta de ciência ou de saber, propor para 2013 uma dose mais forte do mesmo remédio. Quanto a iliteracia, ética e ignorância, estamos portanto conversados.

Mas ele há também a hipocrisia e o confisco. Recorrendo às notícias que vão sendo difundidas, em especial ao artigo [em anexo] publicado em 20 de Outubro de 2012 no Expresso - Economia sob o título Funcionários e pensionistas pagam 1/5 da austeridade, assinado por João Silvestre e Sónia M. Lourenço, e atentando no que a malfadada proposta de lei do OE-2013 diz especificamente sobre a «austeridade aplicada aos reformados e pensionista», tenho de fazer um enorme esforço para não ultrapassar os limites da contenção verbal civilizada, quando equaciono as seguintes questões:

 

Ao tentar iludir o Tribunal Constitucional e distrair os visados, dizendo que a proposta é agora equitativa, Vítor Gaspar incorre numa fraude moral, numa brincadeira de mau gosto, ou numa tentativa de se «escapar pela porta pequena» dizendo que as «forças de bloqueio» são responsáveis pela sua irresponsabilidade?

 

Quando diz que pretende «devolver» (será que sabe distinguir entre devolver e repor) 10% do Subsídio de Férias, está a ensaiar uma brincadeira de mau gosto, ou quer ofender os reformados e pensionistas?

 

Quando se propõe introduzir uma «contribuição extraordinária» que varia entre 3,5% e 10% para pensões mensais entre €1350 e €3750, valor acima do qual se aplica uma taxa fixa de 10%, tem consciência que está a tirar com uma mão o que repõe com a outra, ou acredita que os pensionistas e os juízes do Tribunal Constitucional são todos mentecaptos e não entendem a trapaça?

 

Quando quer instituir que todas as pensões vitalícias dos reformados, incluindo as que resultam de poupança privada (como seguros de vida, planos de poupança reforma e fundos e pensões das empresas) recebidas por cada titular, sejam somadas às reformas e pensões para efeitos de aplicação da «contribuição extraordinária», terá consciência de que o que pretende é equivalente a decretar que o Estado pode dedicar-se a extorquir ilegalmente qualquer outro tipo de poupanças, como por exemplo depósitos bancários que um reformado tenha acumulado para ocorrer a imprevistos de fim de vida?

 

Tudo isto é mau de mais para ser verdade. Apenas me resta recomendar que, quem tem poder para tal, siga, enquanto não é irremediavelmente tarde de mais, a atitude decorrente de um destes dois aforismos de origem germânica (sim, alemães): «é preferível um fim com horror do que um horror sem fim» e «nada se come tão quente como se cozinha».

Rui Beja

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 10:37


Mais sobre mim

foto do autor


calendário

Novembro 2012

D S T Q Q S S
123
45678910
11121314151617
18192021222324
252627282930

Declaração de Princípios

José Cardoso Pires escreveu, em adenda de Outubro de 1979 ao seu «Dinossauro Excelentíssimo»: "Mas há desmemória e mentira a larvar por entre nós e forças interessadas em desdizer a terrível experiência do passado, transformando-a numa calúnia ou em algo já obscuro e improvável. É por isso e só por isso que retomei o Dinossauro Excelentíssimo e o registo como uma descrição incómoda de qualquer coisa que oxalá se nos vá tornando cada vez mais fabular e delirante." Desafortunadamente, a premunição e os receios de José Cardoso Pires confirmam-se a cada dia que passa. Tendo como génese os valores do socialismo democrático e da social democracia europeia, este Blog tem como objectivo, sem pretensão de ser exaustivo, alertar, com o desejável rigor ético, para teorias e práticas que visem conduzir ao indesejável retrocesso civilizacional da sociedade portuguesa.

Os Meus Livros

2012-05-09 A Edição em Portugal (1970-2010) A Edição em Portugal (1970-2010): Percursos e Perspectivas (APEL - Lisboa, 2012). À Janela dos Livros capa À Janela do Livros: Memória de 30 Anos de Círculo de Leitores (Círculo de Leitores/Temas e Debates - Lisboa, 2011) Risk Management capa do livro Risk Management: Gestão, Relato e Auditoria dos Riscos do Negócio (Áreas Editora - Lisboa, 2004)

Não ao Acordo Ortográfico

APRe! - logotipo


subscrever feeds