Passos de Hipocrisia
Palavras levadas pelo vento das acções que as contradizem, "custe o que custar"
O chefe do Governo de Portugal disse ontem, na Madeira: "...sabemos que quem mais acesso tem à televisão e quem mais vocalmente contesta o que estamos a fazer são aqueles que têm mais". Enfio a carapuça e afirmo: é um dever cívico de quem por via do seu trabalho e do seu grau de conhecimentos tem mais e está mais informado, não se calar perante quem tenta enganar os portugueses; todos os portugueses, os que têm mais e os que têm menos.
Por isso contesto e por isso contestam todos quantos não se acomodam à hipocrisia dos "passos" dados com truques e magias que têm um único objectivo, ideológico e económico-financeiro: emprobecer o país para melhor servir interesses inconfessáveis. Não os interesses dos portugueses que têm mais nem dos que têm menos, mas sim os daqueles, portugueses ou estrangeiros, que têm muitíssimo e dominam tudo o que os rodeia.
Para atingirem os seus fins não há hipocrisia que os envergonhe. Nem mesmo o pudor de assumirem o princípio que fez caminho em tempos que julgávamos ultrapassados: considerar perigosos os mais informados; agora na versão "quem mais acesso tem à televisão". Só faltam mais uns "passos" para que a meta do empobrecimento, da classe média e dos menos pobres de entre os pobres, seja "suavemente" atingida sob o manto do obscurantismo, via censura e repressão.
Por isso, há que lembrar e desmascarar, claramente, a HIPOCRISIA militante, a MENTIRA compulsiva e a CONTRADIÇÂO evidendente, que têm como fim último o EMPOBRECIMENTO:
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Sim, é verdade que a chanceler Merkel que tanto apoiava o «PEC 4» do Governo anterior, e que tão incomodada ficou com o seu "chumbo", anda agora maravilhada com o «Plano de Austeridade» aplicado em overdose pelo actual Governo; indiferente à catástofre social que provoca e negligentemente alheia ao final infeliz a que a política do quanto pior melhor irá conduzir.
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Sim, é verdade que a austeridade imposta pelo actual Governo em nada tem a ver com o programa eleitoral que apresentou aos portugueses, para uma vez eleito dizer que o memorando assinado com a Troika correspondia ao seu modelo de actuação e, logo de seguida, afirmar que iria mais longe ainda, custasse o que custasse; lavando as mãos das graves consequências daí decorrentes e regozidando-se por assim poder atingir o seu ultra-neoliberal desígnio de eliminar o «estado social» e regressar à política da «caridadezinha».
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Sim, é verdade que o memorando assinado com a Troika pelo Governo anterior (e pelos partidos que constituem o Governo actual), tem sido pressurosamente executado, e até ultrapassado, de forma cega, surda e muda, contra todas as evidências de desatre anunciado; concretizando uma política de terra queimada facilitadora da pretendida desarticulação ad-hoc de direitos e garantias, constitucionalmente estabelecidos, em especial nos domínios do Serviço Nacional de Saúde, do Ensino Público e da Segurança Social.
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Sim, é verdade que sob a batuta do "rigoroso e infalível" ministro da Finanças, foram cometidas ao longo de 2012 as maiores «trapalhadas», como também avanços, recuos e erros de previsão jamais vistos no nosso país, e que o OE para 2013 constitui um ataque despudorado à economia nacional e à vida dos portugueses; com a agravante de, consabidamente, não ter qualquer viabilidade de concretização.
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Sim, é verdade que o burocrata conhecido como «etíopo da Troika», que chefia a missão em nome do FMI, teve a desfaçatez de se pronunciar sobre o ministro das Finanças de Portugal, avaliando-o sob a forma de elogio, como "muito impressionante"; isto não deixando de contestar a subida de impostos, dizendo "o que é útil é aumentar a base fiscal, alargá-la".
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Sim, é verdade que a Directora-Geral do FMI tem afirmado repetidamente que os coefcientes técnicos e as políticas orçamentais utilizadas pela Troika estão desajustados e provocam recessão económica e socialmente indesejável, mas o certo é que o plano de ajustamento se mantém inalterável; com a rizível, se não fosse dramática, aprovação dos "funcionários" do FMI + União Europeia + Banco Central Europeu que constituem a Troika, e a inconsequente satisfação dos governantes portugueses.
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Sim, é verdade que o presidente da multinacional alemã Bosch, que viajou com a chaceler alemã e foi recebido pelo Presidente da República, salientou que precisamos de manter a actual estratégia de flexibilização de horários de trabalho e do pagamento de horas extraordinárias, lembrou que os custos do trabalho no nosso país continuam a ser 25% a 30% dos praticados na Alemanha, afirmou que com a continuidade destas medidas os países da Europa de Leste não são concorrência para Portugal, apontou a redução dos dias de férias como uma boa abordagem e disse que ainda não se esgotaram todas as possibilidades de ganhos de produtividade; indo ao concreto; explicitou que a carga fiscal não pode aumentar, mas cada um pode trabalhar mais!
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Sim, é verdade que o economista belga Paul De Grauwe, professor da London School of Economics e investigador no Center for European Policy Studies, disse hoje em Lisboa que "o Governo português pode estar a levar o rumo da austeridade demasiado longe e a puxar a economia portuguesa para uma espiral recessiva", acrescentando "não vai conseguir curar o défice orçamental e reestruturar a dívida pública assim", afirmando que o esgotamento desta via já mostrou várias vezes que pode levar os países em reestruturação para a insolvência, e fazendo referência à linha de acção do Governo ao dizer ao ministro das Finanças: "Vítor Gaspar, não exagere".
Rui Beja
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