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 O Chico da Terrugem

Reflexões políticas com sabor a Alentejo - 5

Rui,                           

Lembrar-te-ás, muito provavelmente, da minha 2ª morada em Lisboa, na rua da Boavista, no princípio dos já longínquos anos 60 do século passado. Na dedicatória do livro que a Aninhas e eu te oferecemos pelos teus 60 anos tive ocasião de recordar esses tempos ingénuos e calorosos em que o nosso pequeno grupo de jovens sonhadores cultivava a Amizade e ambicionava conquistar o Mundo; acabámos por não conquistar o Mundo – ficou só a Amizade.

Eu trabalhava, ao tempo, na avenida 24 de Julho, por isso apanhava, todas as manhãs, o elétrico da carreira 18 no largo do Conde-Barão. Conde-Barão sempre me soou a combinação esquisita, mais parecendo nome de revista do Parque Mayer do que título nobiliárquico. Numa daquelas noites infindáveis, no Palladium, em que muito discutíamos, pouco estudávamos e, sobretudo, convivíamos, o Chico teve a paciência de nos explicar, a mim e à restante maralha, o significado de tão singular nome:

Barão de Alvito, o primeiro título de Barão concedido em Portugal, foi criado por D. Afonso V a favor de D. João Fernandes da Silveira, marido de D. Maria de Sousa Lobo, 5ª senhora de Alvito. No século XIX o 14º Barão, por ser também Conde de Oriola, solicitou e foi autorizado a usar o título de Conde-Barão de Alvito. O Largo chama-se assim por causa do palácio que ainda ali existe, morada dos Condes-Barões até ao terramoto de 1755.

 

Não sei bem porquê lembrei-me, há uns dias, desta estória, e liguei ao Chico para saber se ele e a Rita de Cássia nos acompanhavam num almoço na Pousada de Alvito. Obtive um sim imediato, mas sub conditione: após o almoço teríamos que nos deslocar, os quatro, a um determinado local, muito do agrado do Chico, mas que ele não visitava há sensivelmente um ano; tal como nos rally papers o nome do local só seria conhecido após o almoço. Concordei.

Foi extremamente agradável conduzir por entre um extenso manto verde, ligeiramente ondulado, aqui e ali salpicado por maiores ou menores manchas brancas ou amarelas constituídas por milhares de minúsculas flores, guarda avançada da primavera que já se adivinha.  

Marcáramos encontro na Igreja Matriz, por volta do meio-dia. Chegámos praticamente ao mesmo tempo e aproveitámos para percorrer calmamente as três naves do templo, maravilhados, sobretudo, com a policromia dos belos azulejos de tapete, uns azuis sobre fundo branco, outros amarelos ocre. Detivemo-nos junto ao túmulo do 1º Barão de Alvito e de sua esposa.

- Emociono-me sempre que estou diante do túmulo de uma grande figura do passado -comentei.

- Como se, por artes de perlimpimpim, te fosse autorizado ultrapassar, ainda que por breves instantes, a impenetrável barreira do tempo e ficasses, face-to-face, com um daqueles que, por obras valerosas, da lei da morte se libertaram – acrescentou o Chico.

- Precisamente.

- Imagina só que, neste preciso instante, não te encontravas aqui, na Igreja Matriz de Alvito mas sim em Coimbra, no Mosteiro de Santa Cruz, diante do túmulo de D. Afonso Henriques.

- Mas porquê Coimbra e o túmulo de D. Afonso Henriques?

- Se não se importam, vamos saindo. Os templos são lugares de oração e de introspeção, não de divagação. Conversemos enquanto nos dirigimos para a Pousada.

 

Portugal chegou a esta situação de sufoco, a este beco sem saída, porquê? Foi uma raspadinha que se comprou, e, coitados, tivemos azar? Claro que não. Devem existir responsáveis, onde quer que estejam, quem quer que sejam. Enquanto não formos capazes de exorcizar o passado nunca conseguiremos construir as necessárias defesas que nos possam vir a proteger no futuro. Somos, infelizmente, um país de empatas. Reparem na morosidade da Justiça: qualquer caso que envolva um nadinha de complexidade são anos e anos, nunca menos de uma dezena, consumidos em investigações e mais investigações, e audiências, e recursos. E as Comissões Parlamentares? Sabemos quando se iniciam, as televisões encarregam-se de nos noticiar com a devida pompa e circunstância, quase nunca sabemos quando terminam, se acaso chegam a terminar, nem quais são as suas eventuais conclusões.

- E que tem tudo isto a ver com o túmulo de D. Afonso Henriques?

- Portugal, este nosso país chamado Portugal existe desde quando? Desde D. Afonso Henriques, não é? E Coimbra, a bela Coimbra foi sua capital, a sua primeira capital. Além do mais Coimbra também é capital do Saber desde D. Dinis e da sua Universidade e capital do Amor desde D. Pedro I e  D. Inês e da sua paixão.

Pois muito recentemente, precisamente em Coimbra, realizou-se um Congresso do PS e uma das suas teses diz mais ou menos que querer assacar a um qualquer Governo a responsabilidade pela crise não é sério, e que justo será reconhecer que todos os Governos tiveram a sua responsabilidade na situação do país. Reparem, o texto é bem explícito: todos os Governos. O atual é muito mau, isso toda a gente já sabe, mas, de acordo com o documento, todos os que o antecederam foram igualmente maus, são todos responsáveis. E o próximo, como será? A acreditar na tese que acabei de vos referir, a mais elementar das leis das probabilidades não deixa qualquer margem para sequer podermos duvidar de que também será mau. A não ser que nos seja prodigalizado o singular milagre de virmos a ser os felizes contemplados com uma meia-dúzia de garrafões de deutsche Wasser previamente abençoados por Frau Merkl e que o Sr. Prof. Cavaco Silva utilizará para aspergir cada um dos membros do novo Governo aquando da respetiva tomada de posse.

 

Regredindo no tempo, Governo a Governo, onde é que se faz stop? Quem é o primeiro responsável por todo o mal que se tem vindo a fazer a este Povo? D. Afonso Henriques, obviamente! Imaginem só o seu atual estado de espírito, praticamente votado ao esquecimento, condenado a permanecer encerrado até à eternidade no meio de uma meia dúzia de lajes.

‘- Sou eu o primeiro responsável? – começaria ele a desabafar – Para Portugal conquistar a sua independência tive que me zangar com a senhora minha Mãe, tive que me bater heroicamente contra o meu primo Afonso e contra o meu genro Fernando, tive que lutar contra os Mouros infiéis para lhes sacar território e até tive que enfrentar um poderoso Papa. E tudo isto para quê? Para chegarmos a este estado de coisas? Não me tivesse eu ferido na coxa quando tentava sair à pressa de Badajoz e ainda era homem para pegar numa espada e enfrentar os inimigos de Portugal. Assim, aleijado, é que não. Que posso eu fazer? Já o decidi: vou deixar de usar como assinatura Ego Alfonsus Portugalliae Rex, vou enviar um emissário ao Papa solicitando-lhe que anule a bula Manifestatis Probatum e vou devolver esta terra ao Reino de Leão, de cuja jurisdição nunca deveria ter saído.

Uma última nota gostaria de acrescentar: Quando abandonei este vosso mundo o Garb ainda estava em poder dos Mouros infiéis, foi o meu bisneto Afonso III que o conquistou. Quem vos mandou a vocês, muitos séculos depois, depositar os destinos de Portugal precisamente nas mãos de um Mouro, todavia cristianizado, mas oriundo do Garb? Porque ele vos iludiu afirmando repetidamente que estava a transformar Portugal num oásis? E vocês, pobres ingénuos, foram na conversa. Ignoravam, porventura, que nos oásis não se pesca nem se faz agricultura? E quando ele decidiu mandar vender os barcos e as alfaias agrícolas, por desnecessários, vocês, hipnotizados, não se cansaram de aplaudir, e de aplaudir. E eu é que sou o culpado?’

Esta seria certamente a fala de D. Afonso Henriques.

 

Saltando para este nosso tempo, o Sr. Dr. Álvaro, o Sr. Ministro da Economia, reconheceu, durante uma sessão para militantes do PSD, que o Governo assumia com humildade o facto de ter falhado no tocante à Economia e ao Emprego. Será que este homem não tem vergonha na cara? O que é que ele tem estado lá a fazer?

 E não foi o Sr. Dr. Relvas que afirmou, sem se rir, que o Desemprego jovem lhe tira o sono? Não acham que é de ter pena do pobre coitado do Sr. Dr. Relvas? É que ele, pobrezito, com tanto dossiê para analisar, com tanta reunião a que presidir, além de não descansar convenientemente durante a noite, como muito bem merece, ainda tem que perder um ror de horas durante o dia, mal acomodado nas cadeiras desconfortáveis do Centro de Saúde da área da sua residência, ansiando pela receita de uma qualquer nova droga milagrosa que o consiga pôr de novo a dormir. 

Confiança, meus amigos, confiança, devemos ter confiança! O Sr. Dr. Relvas, qualquer dia já poderá dormir descansado, como um anjo. Pois o Sr. Dr. Gaspar, o nosso insigne Ministro das Finanças afirmou, um destes dias, durante uma reunião no PSD, que tudo se está a encaminhar para virmos a ter um Estado Social ainda melhor do que o atual. E também não se riu.

Falou-se muito do Titanic em abril passado, pelos 100 anos da bem conhecida tragédia. Imaginem o Sr. Dr. Passos Coelho investido nas funções de Comandante. Após o embate contra o iceberg, quando tudo já está irremediavelmente perdido, o navio a afundar-se rapidamente, ele, com a sua bem colocada voz de barítono, far-se-ia fazer ouvir através do sistema de altifalantes: ’Recomendo-vos toda a acalma. Tudo está a decorrer conforme previsto. Estamos no bom caminho. É certo que não existem salva-vidas para todos, mas não há qualquer problema. Eu e os meus oficiais é que necessitamos sair muito rapidamente, nos primeiros salva-vidas disponíveis, temos um encontro inadiável com a troika de armadores. Quanto a vós, meus queridos passageiros, continuem a agitar fortemente os braços tal como têm vindo a treinar, assim mesmo, para cima, para baixo, para cima, para baixo, cada vez mais rápido, cada vez mais rápido, vão ver que não se afundam como o navio, que vão conseguir sair daqui a voar, que vão cruzar os céus como bandos elegantes de aves migratórias, que vão todos chegar sãos e salvos ao vosso destino; e não é de mais precisar que tudo isto acontece sem o recurso a qualquer intervenção divina, graças tão somente à subida competência do vosso Comandante, que sou eu, e dos meus oficiais.’  

Eu não sei se existirá um qualquer Sindicato ou Ordem ou Associação dos Humoristas deste país; se acaso existir terá toda a legitimidade para apresentar queixa na ERC contra este bando de indivíduos: é que se trata de uma intolerável concorrência desleal.  

 

- Referiste-te há pouco ao Dr. Relvas. Não achas que o facto de o terem impedido de falar foi um atentado à liberdade de expressão? 

- Uma treta, meu amigo. O Sr. Dr. Relvas que se apresentou para falar não era o Sr. Dr. Relvas, um cidadão que acaso pretendesse expressar-se livremente, era o Sr. Ministro Relvas, que pretendia falar na sua qualidade de Ministro. E o Sr. Dr. Relvas é Ministro porquê? Tão somente porque o Povo, o único, o verdadeiro detentor da Soberania, delegou o seu exercício no Sr. Dr. Relvas e no seu Grupo, mas por um tempo determinado e baseado em certos pressupostos. E quais eram esses pressupostos? Aquilo a que o Sr. Dr. Relvas e o seu Grupo solenemente se vincularam quando, livremente, apresentaram as suas propostas eleitorais. O Povo escolheu-os, porquê? Porque as suas propostas eleitorais lhe pareceram melhores do que as dos restantes concorrentes. No momento em que esses senhores violaram liminarmente o contratualmente estipulado perderam toda a legitimidade para continuarem a exercer o poder delegado. Estão a mais, são meros zombies. Se se persiste em aceitar que continuam a ter legitimidade para governar, quem é que, no futuro, acreditará mais em promessas eleitorais? Os comícios, as conferências de imprensa, os debates, servirão para quê? Qual a sua utilidade pratica? É só toda a gente a perder tempo e a gastar dinheiro inutilmente. É por isso que calar o Sr. Ministro Relvas e os outros é prestar um serviço cívico, que deveria ser entusiasticamente aplaudido por todos.

Se for entendido, como muito honestamente me parece que deveria ser, que as promessas eleitorais não servem para nada, então para que se continuam a fazer promessas eleitorais? Para que se gastam uns fartos milhões do já muito desgastado erário público com a montagem desnecessária do triste espetáculo de folclore que são as Campanhas Eleitorais? Não seria muito mais honesto, mais económico, mais racional transformar as Eleições numa espécie de Totoloto? Supondo que havia 10 Partidos: colocavam-se em cada uma de 10 tômbolas 10 bolas numeradas de um a 10; a quantidade de vezes que saísse um determinado número referente a um determinado Partido representaria a percentagem de votação nesse Partido. É simples, é eficaz, é barato. E eliminavam-se, assim, de uma vez por todas, os inconsequentes cantos de sereia que são as falsas promessas eleitorais. 

 

Almoçar numa Pousada num vulgar dia de semana na época baixa pode tornar-se algo frustrante para quem fica incomodado quando tem que saborear uma bela refeição numa sala praticamente vazia. Embora, além da nossa, só houvesse mais uma mesa ocupada, esta por dois casais de     holandeses (revelou-nos a empregada), o ambiente, o requinte do serviço, a qualidade da confeção, ultrapassaram qualquer eventual desconforto gerado pela ausência de companheiros de repaste.

No fim do almoço o Chico revelou-nos então qual o local a visitar: tratava-se do Santuário de Nossa Senhora de Aires, que fica nas imediações de Viana do Alentejo, a cerca de 11 km de Alvito. É um templo magnífico, barroco, erigido no século XVIII e dedicado ao culto mariano, cujo isolamento no meio da planície sobreleva ainda mais a sua imponência, a cúpula lembrando a da Basílica da Estrela. Antepassados do Chico terão estado na origem da sua construção. O interior do templo tem uma série de salas onde se exibem inúmeros ex-votos. O Chico conduziu-nos até junto de uma enorme fotografia emoldurada onde estão retratadas cerca de umas vinte pessoas com todo o aspeto de estarem posando durante a realização de uma Ação de Graças. O Chico quase que me obrigou a copiar a legenda. Aqui vai ela:

 ‘Viana do Alentejo 21 de janeiro de 1918 em honra de Nossa Senhora de Ayres por esta miraculosa virgem debelar, com rapidez, a grava pneumónica esse terrível flagelo que, assustadoramente, grassava na aludida vila.´

 

- Repara naquele senhor, ali no lado esquerdo, com um ar perfeitamente compenetrado – apontou o Chico – É meu bisavô, avô de minha mãe. Não o cheguei a conhecer mas acho que era um tipo fantástico, profundamente devoto da Senhora de Aires. E esta tradição tem-se mantido na família. Eu próprio costumo deslocar-me aqui pelo menos uma vez por ano, para Lhe confessar os meus deslizes e para Lhe solicitar proteção, não só para mim mas também para os meus concidadãos. Se, por acaso, a Senhora de Aires conseguir que nos livremos deste bando de malfeitores que, bem falantes e bem engravatados, nos invadem as casas e nos saqueiam os bolsos, prometo-te que será ali colocada mais uma fotografia, com uma legenda apropriada, e que tu também farás parte dela. Mas hoje estou bastante pessimista, não acredito no que quer que seja.

 - O que nos pode, de certa maneira, confortar, é que, felizmente, dispomos sempre de um último recurso, que é o Presidente da República.

- O Sr. Prof. Cavaco Silva? A ele ajusta-se na perfeição a conhecida frase muito usada nas audiências em tribunal: E aos costumes disse nada.

 

Com um forte abraço do

               Zé

                                                                                      Gaeiras, 24 de fevereiro de 2013.

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publicado às 16:34

O Chico da Terrugem

Reflexões políticas com sabor a Alentejo - 4

Rui,                             

Antes de mais peço-te que me desculpes por, contrariamente ao que havíamos combinado, não te ter voltado a contactar – é que tive que regressar ao Alentejo e só hoje consegui dispor de algum tempo para te escrever. No sábado (dia 2) o Chico ligou-me: ‘Necessitamos ficar mais uns dias em Lisboa. O tempo parece que vai estar bom. Querem vir almoçar connosco ao restaurante da Boca do Inferno? Eu faço a reserva’. Concordei. Ainda pensei em desafiar-te para que tu e a Adélia se nos juntassem mas depois lembrei-me do compromisso de que me tinhas falado, e desisti.

Muita e muita gente, estacionamento difícil renhidamente disputado. Um dia muito luminoso, nada de vento, zero ondas, o céu e o mar exibindo o azul dos dias de gala. Almoço excelente, conversa de circunstância qual fase de aquecimento que antecede a entrada dos atletas na alta competição.

 

O primeiro mote fui eu quem o lançou:

- Tem sido muito badalado o facto de alguns deputados acumularem a sua atividade parlamentar com ligações a Grupos Económicos ou grandes Escritórios de Advogados que são parceiros ou importantes fornecedores de serviços ao Estado.

- E onde auferem chorudos proventos. Não era o que querias acrescentar?

- Sim, Chico. Mas o que me impressiona é que, questionados pela Comunicação Social, todos afirmem estar de consciência tranquila.

- E, obviamente, estão de consciência tranquila. Duvidas? Imagina um deputado, casado, dois filhos, um andar em Lisboa numa zona nobre da cidade, para pagar, os filhos num colégio particular, uma casa de férias no Algarve, para pagar, a mulher não trabalha, suportaria tudo isto com o magro vencimento de deputado? Claro que não! Será, possivelmente, deputado pela Guarda. O que é que ele sabe da Guarda? Que é muito fria? Que é muito alta? Provavelmente nunca lá esteve nem saberá onde fica, foi o Partido que decidiu. Mas ele é um bom chefe de família, a mulher e os filhos acima de tudo. Se calhar a ser (e ele fará tudo para o ser) indigitado para uma qualquer Comissão destinada a propor ou a ratificar a adjudicação de uma obra ou de serviços de consultoria quem irá posicionar na linha da frente? Muito naturalmente que, em caso algum, ousará arriscar, nem em pensamentos, o atual e o futuro bem-estar da sua família. Percebes agora porque todos eles afirmam estar de consciência tranquila? Claro que isto tinha uma solução muito fácil: era fazer publicar uma eficaz Lei de Incompatibilidades. O que não é possível porque a História nos ensina que não foi o bêbedo quem fez publicar a Lei Seca.

- Hoje não estás nos teus dias, Chico. Não costumas ser assim tão sarcástico.

-Ai estou, estou. Escolhi foi mal a sobremesa. Está-me a fazer inveja o teu leite-creme e eu não me estou a entender mesmo nada com este sorvete de limão com vodka, excessivamente líquido, quase nada de sorvete.

 

Terminámos o almoço. As senhoras decidiram ir investigar o recheio das pouco mais de meia dúzia de bancas de artesanato e eu e o Chico lá fomos, por insistência dele, prestar vassalagem à placa que perpetua o suicídio simulado do mago inglês Aleister Crowley em setembro de 1930. O Chico indignou-se pelo facto de o texto estar praticamente ilegível e por não existir uma tradução em inglês. Como era inevitável começámos a falar de Fernando Pessoa e veio à baila o conto ‘O Banqueiro Anarquista’.

- Banqueiros! – comentou o Chico – Os Judeus dos tempos modernos.

- E de todos os tempos. – acrescentei – Que me dizes das infelizes declarações do banqueiro Ulrich?

- Nós, os Portugueses, enquanto povo, somos uns tipos profundamente sentimentais; colocamos quase sempre em primeiro lugar o Coração e só depois a Razão. Esta nossa característica, talvez genética? Tem aspetos manifestamente positivos, por exemplo a nossa elevada propensão para a solidariedade, mas acaba por nos limitar bastante sempre que somos levados a julgar - falta-nos quase sempre a necessária objetividade. Já reparaste que, muitas vezes, até sem darmos por isso, nos ocupamos a esquartejar o mundo que nos rodeia e a colocar etiquetas em cada uma das respetivas parcelas: gosto, não gosto? E, assim que é preciso julgar, ainda antes de pormos a cabeleira e de vestirmos a toga, subimos ao armário onde guardamos os nossos catálogos para sacar o rótulo adequado, cujo descritivo irá balizar a nossa decisão final. Este comportamento identifica-se normalmente como Clubite aguda: sou do Clube A (os outros não jogam nada, limitam-se a comprar os árbitros), sou do Partido B (os outros são incompetentes e ladrões), sou Português (de Espanha nem bom vento nem bom casamento). Eu prefiro utilizar a metáfora Mensageiro e Mensagem. Nós, quase sempre, decidimos em função do Mensageiro, pouca atenção prestamos à Mensagem.

 

Permite-me que, muito rapidamente, te recorde uma página triste da História deste pobre país, a qual evidencia muito claramente o que te acabo de dizer. Em 1506 grassava em Lisboa uma terrível peste. Nesses tempos recuados havia duas possíveis terapêuticas para as pessoas se livrarem da peste: (1) os mais ricos (rei incluído) deixavam a cidade e iam espairecer para sítios arejados, (2) os restantes permaneciam na cidade e apinhavam as igrejas, rezando. Num determinado domingo de abril, durante a missa em S. Domingos, um raio de sol mais atrevido terá decidido atravessar a igreja e foi-se esborrachar no rosto de um Cristo crucificado. Uma senhora que presenciou o fenómeno ficou deslumbrada com o efeito luminoso e desatou a gritar: ‘Milagre! Milagre’. Um cristão-novo (sabes, um judeu convertido) tentou explicar-lhe que era apenas o reflexo de um raio de sol, mas a multidão que, entretanto, se tinha acotovelado à volta dos dois, ignorou a explicação e espancou-o até à morte. Durante três longos dias mais de 2.000 pessoas, homens, mulheres e crianças, foram perseguidos, torturados e queimados em fogueiras. Como vês, se o Mensageiro é herege para que é que as gentes querem saber da Mensagem?

 

Em outubro passado, se não estou em erro, o banqueiro Ulrich afirmou que os Portugueses ainda aguentavam mais Austeridade. Como o Mensageiro era herege nem sequer se ensaiou promover uma pequenina discussão sobre a hipotética validade da Mensagem. Poder-me-ás contrapor que a observação do banqueiro terá sido despropositada, que enferma de uma maior ou menor dose de hipocrisia, tudo bem. Mas perseguir o Mensageiro, queimá-lo nem que seja só em efígie na praça pública tem algum efeito prático? Faz desaparecer a peste? Não, não faz desaparecer a peste. Ao invés de se perseguir o Mensageiro porque é que não se exige aos Sábios e aos Políticos deste país que nos revelem a Verdade? Uns mandam-nos mudar de ares (emigrar), outros mandam-nos rezar e queimar hereges. Há uma solução para nos livrarmos da peste? Há várias soluções? Quais são? Se não as há, então é infelizmente verdade que estamos condenados a aguentar mais, e mais, e mais, sabe-se lá até quando.

Três meses depois, já neste mês de fevereiro, o banqueiro voltou a insistir que o país ainda aguenta mais Austeridade. Mais uma vez, lá caiu o Carmo e a Trindade! Nestes últimos três meses a situação melhorou, ou antes piorou? Claro que piorou. E as pessoas continuam a aguentar. Conheces, porventura, as mais recentes sondagens? Quantos Portugueses continuam a apostar no Governo? Uns 40%? Se alguém perguntasse a estes Portugueses se ainda aguentam, que responderiam eles? Ontem, amplamente publicitada pelas chamadas Redes Sociais, teve lugar, em várias cidades deste pobre país, uma manifestação de Indignados. Quantos Indignados deram a cara? Uma meia dúzia. E os que ficaram em casa? Ainda não estarão Indignados? Continuam a concordar com as políticas do Governo? Parece-me que sim, de contrário teriam incorporado as manifestações.

 

Confesso-te que tudo isto me preocupa muito seriamente. Enquanto os senhores que mandam na política, independentemente da Ideologia ou do Partido, não se convencerem que eles, enquanto Corporação, são moralmente responsáveis pelo destino de milhões de pessoas, e que não foram eleitos para passarem o mandato a papaguear sound bytes ou vomitar insultos recíprocos com o propósito único de fazerem manchete nos telejornais das 8, mas sim para honestamente, serenamente, com elevado sentido ético e profissional, se esforçarem por descortinar, propor, aprovar e pôr em pratica as mais adequadas soluções que visem melhorar a vida dos cidadãos que os elegeram, bem como das suas famílias e de seus descendentes, enquanto isso não acontecer estamos positivamente tramados. Afirmava Churchill que um político só se converte num estadista quando começa a pensar nas próximas gerações e não nas próximas eleições. 

O discurso vai longo, noto-te enfadado, mas responde-me, peço-te, analisando friamente os dados disponíveis, esquecendo por breves momentos a identidade do Mensageiro, e atendendo tão somente à Mensagem, até quando será humanamente suportável este sufoco? Não haverá por aí um qualquer discípulo esquecido do dr. Ricardo Jorge, com disponibilidade e talento para nos livrar de vez desta insuportável pandemia a que se convencionou chamar Austeridade?

- O. K. Chico. Mas tu, no seguimento de todas essas tuas análises, de todas essas tuas críticas, porque é que não experimentas produzir doutrina, apontar caminhos?

- Meu caro, eu não passo de um mero espetador, um espetador que se limita a observar e a comentar, que se esforça por ser imparcial, que utiliza a Razão e não o Coração. Não mais do que isso. Trabalhar, só trabalhei uma vez na vida, foi em Londres, numa loja do Piccadilly, a aviar doses de shish kebab.  Mas então tinha 25 anos e estava apaixonado.

No que diz respeito à matança de 1506 foi erguido no largo de S. Domingos, em abril de 2008, portanto mais de 500 anos depois, um monumento de homenagem às vítimas.

Daqui a uns 100 anos, ao cimo da escadaria que conduz ao edifício onde hoje funciona a Assembleia da República, o então Presidente da Autarquia, numa cerimónia singela mas prenhe de significado histórico, procederá à inauguração de um pequeno monumento que constará de um pedestal com mais ou menos 1 metro e meio de altura sobre o qual, num cenário em ruinas, duas estátuas representando um casal sem-abrigo partilham o que resta de um pão. Uma placa comemorativa assinalará a efeméride: ‘Em memória dos Portugueses de há 100 anos que, ingenuamente, confiaram nas palavras do Sr. Presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República, Sr. Eng. Couto dos Santos, que afirmou a um jornal que os Portugueses deveriam ter confiança nos deputados que elegeram, pois estes eram responsáveis pelos seus atos. Os Portugueses, ingenuamente, confiaram’.

 

Sabes o que me apetecia fazer agora? Pois era ir até aos Jerónimos cumprir um ritual que já não cumpro há algum tempo, e que consiste em contemplar, deslumbrado, a extraordinária filigrana em pedra que é o Portal Sul, ao mesmo tempo que rogava ao Anjo de Portugal, que tudo vigia lá do alto, que nos conceda o milagre de reajustar uns tantos fusíveis nas mentes dos nossos políticos por forma a que estes passem a conjugar o verbo governar como verbo transitivo que é, eu governo as finanças, tu governas a economia, ele governa a autarquia, em vez de o continuarem a conjugar como verbo reflexivo que de todo não é, eu governo-me, tu governas-te, ele governa-se. Depois iria até aos Claustros, que percorreria com muito vagar, saboreando religiosamente o exoterismo de cada um dos medalhões. Mas não. Uma das paredes da sala de estar da nossa casa aqui de Lisboa apresenta uma manchas de humidade e a Rita de Cássia decidiu aproveitar as pequenas obras que temos que mandar fazer para efetuar algumas modificações na decoração, tais como pintar a sala de uma outra cor, mudar os cortinados, reformar uma parte da mobília. Por isso marcou uma reunião hoje à tarde, lá em casa, às 5, com um sobrinho, casado com uma sobrinha, e que é arquiteto de interiores. Pessoa escreveu na Mensagem: ‘Cumpriu-se o Mar… falta cumprir Portugal’. Eu diria: ‘Cumpriu-se a vontade da Rita de Cássia… a minha ficou em águas de bacalhau’. Que queres? Mulheres! 

  

Com um forte abraço do

               Zé

                                                                                   Vila Viçosa,11 de fevereiro de 2013.

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publicado às 17:21

Rã em panela de água morna

Amena cavaqueira, com vista para as núvens negras que o sol de Inverno teima em tapar

 

Como se sabe do texto anterior, o meu amigo Zé veio a Lisboa. A oportunidade surgiu e combinámos encontrar-nos. Sim, porque pese embora alguns leitores do Blog já terem mostrado as suas dúvidas, o Zé é de "carne e osso", somos amigos há mais de cinquenta anos e não podíamos deixar passar esta ocasião para irmos almoçar com as nossas caras-metades e pormos a conversa em dia. Não porque não nos víssemos desde há muito, mas porque nas últimas vezes tínhamos estado rodeados de muitos e bons amigos e desta vez dava para uma conversa mais prolongada e até para entrar em mais pormenores sobre o seu amigo Chico da Terrugem. Quatro "horitas" foi quanto durou o almoço. Ou seja, foi um ápice, nem demos pelo tempo passar e, se não fossem as nossas companheiras começarem a "tocar as campaínhas", não sei quando é que a conversa pararia.

Falámos sobre tudo e mais alguma coisa. Os filhos, os netos, os amigos, as viagens no país e lá por fora, os livros, o futebol, as vidas profissionais que percorremos. Enfim, passámos a pente fino os ditos "bons velhos tempos", que nem sempre foram assim tão bons, e, aí, começámos a derivar para os tempos mais recentes e os "maus novos tempos" que pairam sobre a cabeça dos portugueses. E também sobre algumas das muitas ideias que moram na cabeça do Chico da Terrugem e que o Zé irá, a seu tempo e em função do que for acontecendo, actualizar com aquele caldo de cultura a que já nos habituou.

 

E que interesse tem isso para colocar em texto no Tu(r)bo d'Escape? Vamos a isso, vou dar as minhas razões procurando não ser redundante no que já consta em escrios anteriores; até porque temas novos, como fazer mais uma remodelação governamental exclusivamente ao nível dos "ajudantes dos ministros" (a terminologia tem o dono que se conhece), nomear para secretário de Estado um ex-administrador da SLN/BPN, ou pôr os deputados da maioria a fazer recomendações sobre a programação da RTP e o Relvas a coordenar a reestrututação da empresa que o própria queria "privatizar", não passam de pequenas manobras de diversão para "entreter o pagode" enquanto se prepara o assalto aos 4.000 milhões acordados com os "troikanos" e se faz crer que o Gaspar já pôs "os mercados" do nosso lado.

O que há de interessante na "amena cavaqueira", começa por ser o ter existido, o falar-se e procurar-se razões para o que se passa no país, abertamente, sem tabús mesmo nas questões em que o pensamento é consabidamente diferente, o que nos tempos que correm é tantas vezes evitado. É o ter existido indo lá atrás no tempo, procurando encontrar os porquês, lembrando as más experiências vividas na era "da outra senhora", recordando, até, os múltiplos casos  concretos de corrupção quando não havia políticos porque a política era proibida. É o ter existido para tomar bem consciência do muito que Portugal e os portugueses fizeram ao longo destes anos de uma ainda relativamente jovem democracia, mas também do que nunca se deveria ter feito e daquilo que foi preciso arriscar para conseguir uma evolução indesmentivelmente real e que, inevitavelmente, arrastou consigo algumas outras coisas que correram menos bem ou mesmo mal. É o ter existido para debater o presente, perscrutar o futuro, o nosso apesar do horizonte já não ser largo, e o dos nossos vindouros; com respeito pelo indispensável sentido biunívoco da solidariedade intergeracional.

 

O mais importante, que não o mais interessante, é a conclusão, a moral da história. A convicção, resultado da observação atenta do que se passa ao nosso redor, num âmbito restrito ou num domínio alargado, de que a sociedade, como um todo, não se indigna com as atrocidades a que está sujeita, assobia para o lado quando não lhe toca directamente, deixa-se embalar na cínica hipocrisia de pôr umas classes contra as outras ou uns grupos etários contra os outros, não quer aprofundar conhecimento sobre a teoria e a prática política que a está a atabafar, que a vai empobrecer até ao limite dos limites.

 

Amolecidos na nossa zona de conforto, ou inertes por um desconforto entorpecedor, estamos capturados como a rã que se deixa aquietar na água morna da panela que aquece em lume brando. Se não saltarmos desta armadilha, rapidamente e num esforço de cooperação mútua, não tardará muito que sejamos irremediavelmente aniquilados pela entrada em fervor da água que nos "garantem" estar agora a chegar à temperatura ideal.

Rui Beja

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publicado às 00:03

O Chico da Terrugem

Reflexões políticas com sabor a Alentejo - 3

Rui,                             

Na sexta-feira passada foi o aniversário do Mário Gomes, um antigo colega de emprego. Tu chegaste a conhecer o Mário Gomes no tempo, que já vai longo, em que íamos uma boa parte das férias de Verão para a Quinta da Balaia e passávamos as manhãs a esforçar-nos por melhorar o ranking do nosso ténis: era um casal simpático, com dois filhos, um rapaz e uma rapariga, que tinham tanto de magérrimos como de traquinas. Ficou-me na memória o dia em que um deles, sem darmos por isso, concentrados que estávamos no bem suado afã de colocar, com êxito, a bola no outro lado da rede, nos entrou pelo court dentro e acendeu as luzes; custou-nos bem cara a brincadeira pois tivemos que pagar o suplemento da iluminação.

O almoço, que juntou umas 16 pessoas, teve lugar num restaurante brasileiro na Rocha Conde d’Óbidos; é sempre bem simpático voltar-se a conviver, ainda que por breves horas, com pessoas de quem se gosta, que fizeram parte integrante do nosso dia-a-dia, e que estamos, às vezes, anos sem ver.

 

Após o almoço, tal como estava combinado, fui encontrar-me com o Chico no Museu Nacional da Arte Antiga, Piso 1, Sala 61, diante d’As Tentações de Santo Antão’ de Hieronymus Bosch.

- Este tríptico fascina-me. – começou o Chico mal me viu - Repara na extremamente bem cuidada organização do espaço cénico onde se expõem, qual banda desenhada de feição modernista, as várias estórias que relatam a vida do santo. Terei passado aqui mais do que uma hora, em êxtase, empregando como ferramenta tudo o que já li e estudei e meditei, esforçando-me por não deixar escapar o mínimo detalhe, por lograr decifrar o máximo da sua simbólica - o que, reconheço, é manifestamente irrealizável pois o tempo se encarregou de sepultar muitas das imprescindíveis chaves de acesso.

 

- Este é, Chico, o teu quadro preferido?

- Um dos top ten, sem dúvida. Na linha da frente ‘Os girassóis’ do Van Gogh, ‘A Ronda da Noite’ do Rembrandt, ‘As Meninas’ do luso-descendente Velasquez e, claro, os nossos Painéis. O Eça escreveu nas ‘Notas Contemporâneas’: ‘A Arte é tudo, tudo o resto é nada’. Alguém seria capaz de imaginar que, em meados do século XVII, numa Espanha absolutista, ao ser contratado para pintar a família real, um pintor tivesse a ousadia de relegar as figuras do rei e da rainha para o fundo do quadro, apenas visíveis porque refletidas por um espelho minúsculo, e decidisse colocar em primeiro plano um cão e um casal de anões?

 E já agora, que estamos a falar em Arte e em Pintura e em quadros, poderíamos também falar em dinheiro. Os portugueses, enquanto povo, não têm mesmo jeito nenhum para o negócio, não são capazes de aproveitar as oportunidades, as mais das vezes irrepetíveis, que se lhes deparam. Calma, calma, eu já te explico. Foi, ou não foi exaustivamente badalada a história da velhinha que, numa terreola qualquer perdida no meio de Espanha, pretendendo que estava a restaurar um ‘Ecce Homo’, borrou de tal forma a pintura que deu à luz um mamarracho? Muita polémica à volta do caso, ai meu Deus que desgraça, e agora? Só que, depois, imperou o bom senso: vamos tirar partido disto, tivemos publicidade à borla, é só aproveitar a boleia. Não esconderam o mamarracho, consentiram na sua exibição e passaram a cobrar 1 euro por cada visitante. Sabes quanto fizeram só nos primeiros quatro dias? Pois, meu amigo, 2.000 euros.

 

- O. K. Chico mas que tem isso a ver connosco?

- Já te explico. Vamos sair do Museu, está bem? Não é local apropriado para divagações. Proponho-te que andemos um pouco a pé, até ao Cais do Sodré, e que aí apanhemos o Metro. Continuemos a nossa conversa a andar, sejamos peripatéticos. Era assim que se chamava à escola de Aristóteles na Antiga Grécia, não era?

Voltemos à questão do fazer dinheiro. Quantos visitantes viste hoje, sexta-feira, no Museu? Uns 10, uns 15? Provavelmente nem tantos. Há pouco referi-te, como fazendo parte dos meus top ten, ‘Os Painéis’. Com certeza que sabes que os Painéis também têm um Ecce Homo: uma das figuras do Painel dos Pescadores tem, tal qual, o fácies do Dr. Salazar. Será que é assim desde que, no século XV, os Painéis foram pintados ou é aldrabice proveniente de restauros encomendados? Em 1932 Leitão de Barros, o cineasta, que era então diretor do Notícias Ilustrado, fez publicar que se tratava de uma premonição, de um milagre: no distante século XV já estava superiormente decidido que, no século XX, um novo Pescador, não de homens mas de finanças públicas, que saberia o que queria e para onde ia, estava destinado a salvar Portugal. A ser isto verdade não faz muito sentido que essa premonição estivesse tão somente circunscrita ao século XX; terá, forçosamente, que contemplar também o século XXI.

É por isso mesmo que, neste momento de profunda crise económica neste país, eu pergunto: quem é o novo Ecce Homo anunciado pelos Painéis? Onde está ele? Que figura o representa? Onde se esconde? Existe nos Painéis alguém parecido com o Dr. Passos? Ou com o Dr. Portas? Ou com o Dr. Seguro? Ou será com o Dr. Costa? Imagina só a série de colóquios internacionais que seria possível organizar envolvendo especialistas forenses de todo o mundo, técnicos de restauração, maquilhadores, eu sei lá, transmitidos em direto e em diferido pelas Eurovisões, pelas Mundovisões, mais programas do tipo ‘prós e contras’, mais um sistema de apostas mútuas tipo totobola, diz-me lá quantos milhões de turistas não rumariam a Portugal, que dinheiro não entraria nos cofres do Estado?

Só um receio, direi mesmo um grande receio, eu tenho e quero partilhá-lo contigo: é que a terra espanhola do Ecce Homo chama-se Borja e, nestas coisas do exotérico, existe sempre uma qualquer relação subjacente e eu temo bem que Borja em português queira significar Borges e que nos acabe por sair na rifa, como salvador, o Dr. António Borges.

 

- Engraçadinho o meu amigo Chico! A propósito do ’sei o que quero e para onde vou’ chegaste a ler o que o Rui escreveu no blog?

- Li-o, sim senhor. Li-o a primeira vez em silêncio, tal como um monge, no recolhimento da sua cela, recebe em êxtase, a transfusão do verbo divino. Formidável é que, à medida que prosseguimos na leitura, nos vamos sucessivamente apoderando de cada uma das três palavras-chave, de cada uma das três ideias-força, Estado Novo, Estado Social, Troika, e passamos a considerá-las nossas, porque é que não fui eu que escrevi isto? Pois é isto mesmo que deve ser dito, que deve ser exigido, aquilo por que se deve lutar e, ao último ponto final, embalados, entusiasmados, apetece-nos voltar ao parágrafo inicial, e reler, e reler.

À segunda vez li o texto em voz alta, fingindo que era um orador por sobre uma tribuna, suficientemente consciente da responsabilidade enorme que é transportar para a vida uma multidão apática e sem horizontes, metódica e cirurgicamente infetada com os vírus da Indiferença. E à medida que o ia lendo mais empolgado ia ficando até que, impercetivelmente, sem dar por isso, me transfigurei num Rouget de Lisle de teatro de bairro e, a mim, um velho pacifista militante, saiu-me o intemporal ultrafamoso ‘Aux Armes Citoyens!’ Diz, pois, ao teu amigo Rui que gostei, e muito, e que tenho pena de não ser capaz de me expressar, assim, com emoção; é a minha maneira de olhar para as coisas, como o tal marciano de que te falei uma vez.

 

- Mudando de tema, não me digas que também não achas que foi uma vitória para Portugal, tanto conseguir prorrogar o prazo da dívida como as taxas obtidas na ida aos mercados.

- Terás provavelmente razão; disporás, eventualmente, de informação de que eu não disponho. Sempre ouvi o Sr. Primeiro-Ministro afirmar que ‘nem mais tempo nem mais dinheiro’. Estaria a fazer bluff? Não o creio. Os Primeiros-Ministros não fazem bluff, pois arriscam-se a perder a credibilidade. Que se terá passado? Precisaram de fundos para satisfazer um qualquer compromisso não previsto e preferiram solicitar o adiamento do resgate a ter que ir contrair um novo empréstimo a uma taxa mais elevada? A existir, de que compromisso se tratará? Ignoro. Quanto à ida aos mercados, foram porque precisavam de dinheiro ou simplesmente para testar a reação dos mercados? Os mercados reagiram bem só porque confiaram no aval implícito do BCE. Se foram aos mercados porque precisavam mesmo de dinheiro será que a necessidade surgiu agora, ou já se sabia há algum tempo? E se não fossem aos mercados o que é que se passaria? Creio que, pura e simplesmente, tudo não passou de uma bem orquestrada operação de propaganda.

Tal qual este ultimato à CGD e à TAP no referente aos cortes nos salários. Porquê agora? O Governo já não teve todo o tempo para falar, para transmitir as suas decisões aos responsáveis de ambas as empresas? Claro que teve, claro que tudo já estava decidido. Mas ao Gabinete de Intoxicação convém inventar estes não-acontecimentos, estas pseudonotícias, para que as televisões as publicitem e iludir assim os Bem Amados Cidadãos Eleitores mostrando quão teso é o Governo, que até aqueles tipos da CGD e da TAP, que se julgam uns reizinhos, até esses não fazem farinha com o Governo. Mais propaganda. E ainda há uns tantos comentadores que se atrevem a afirmar que este Governo lida deficientemente com a Comunicação Social. Balelas, meu caro!

Já imaginaste o Sr. Primeiro-Ministro de manhã, a fazer a barba, que eu acho que os Srs. Primeiros-Ministros também fazem a barba, e olhar-se para o espelho e interrogar, apreensivo, a imagem refletida: Quanto tempo ainda poderá durar esta farsa? E, depois, que será de mim? Serei capaz de me safar como os outros?

 

- Mas há, pelo menos, uma decisão acertada, que mereceu a concordância de todos os quadrantes políticos: o adiamento da privatização da RTP.

- Ah! É verdade, a privatização da RTP. O pintor surrealista belga René Magritte, lá estou eu outra vez a falar de pintura, a ida ao Museu da Arte Antiga faz-me ficar assim, dizia-te eu que o Magritte pintou um cachimbo e, por baixo da pintura do cachimbo, escreveu ‘isto não é um cachimbo’. Imagina tu que ‘Privatização da RTP’ também é um objeto. E que um qualquer Magritte do nosso tempo pinta num quadro esse mesmo objeto, mas não lhe acrescenta a frase ‘isto não é a Privatização da RTP’. Quando tu tivesses ocasião de olhar para o tal quadro, numa galeria ou num museu, dirias, de ti para ti: olha a Privatização da RTP. Mas estavas enganado: o que tinhas na tua frente e estavas a contemplar era tão somente uma imagem, uma representação, não era a Privatização da RTP.

O Dr. Passos Coelho é Primeiro-Ministro de um Governo que é a cordilheira do Himalaia de problemas e de incompetências, mas as suas bem merecidas horas de sono só eram perturbadas pelo que se passava com dois dos seus Ministros: o Dr. Portas e o Dr. Relvas. O Dr. Portas porque, desde o princípio, não ficou lá muito satisfeito com o facto de lhe ter sido atribuído o número 3 na hierarquia do Governo e também porque se tem fartado de engolir cestos e cestos de sapos vivos, ou porque é literalmente ignorado ou porque é constantemente driblado. O Dr. Portas vinha suportando estoicamente todas as humilhações mas um dia qualquer poderia muito bem vir a dar um murro na mesa e gritar: ACABOU-SE! 

Quanto ao Dr. Relvas, por força das milhentas trapalhadas em que se envolveu ou em que o envolveram, era o chamado elo mais fraco do Governo, sendo o alvo diário de todo o tipo de chacotas, com assinatura permanente no rol dos remodeláveis a curto prazo. Mas o Dr. Relvas não pode ser remodelado porque o Dr. Relvas é o grilo do Dr. Passos Coelho e os grilos remodelados não servem para aconselhar Srs. Primeiros-Ministros. Muito legítima a preocupação do Dr. Passos Coelho. Que fazer? Decide, então, reunir de emergência com os dois Ministros-problema e com o Gabinete de Intoxicação e, muito frontalmente, exige-lhes remédio para as suas insónias. O remédio não tarda a aparecer: chamou-se Privatização da RTP. Privatização da RTP? Que disparate! – gritam em uníssono o sr. Primeiro-Ministro e ambos os srs. Ministros. Cai-nos todo o mundo em cima. Não, não, isso não pode ser.

Minutos depois, já calmos, é-lhes revelado o sinistro plano: Nunca ninguém pensou em privatizar a RTP, é só um faz-de-conta!  Todos concedem o necessário affidavit ao plano e é marcada a data de arranque, que se iniciará com o sr. Ministro Relvas, o mau da fita, a fazer ainda de mais mau. É dele que sairá o mote, primeiro sub-repticiamente, depois já com conferências de imprensa e percentagens do capital a alienar e timings e tudo. Como previsto, os ataques surgem de todo os lados; o Dr. Relvas, sereno, continua a debitar o seu guião. É então o momento do vizinho de um cunhado de um assessor do Dr. Portas vir a dizer que ouviu dizer que o Dr. Portas não concorda com a privatização da RTP; mais tarde é a irmã de um deputado do PP que afirma que o Dr. Portas ainda não bateu com as ditas (as ditas portas) porque não queria mergulhar o seu querido país numa grave crise política. Depois é o próprio Dr. Portas a dizer que é preciso refletir melhor sobre o significado do chamado serviço público de televisão, etc. e tal. O Dr. Relvas, esse, prossegue a sua saga, indiferente à poeira levantada pelos cavalos dos índios. O PSD, o Partido, faz de coro, mas surdo-mudo. O Dr. Portas começa a levantar a voz, a Comunicação Social, qual bando de necrófagos, agita-se, prepara-se para o lauto repasto. Mas todo o encenador prevê um fim para o seu show, as mais das vezes com happy ending.

E o final chega, enfim, e soltam-se foguetes de contentamento: não há privatização da RTP, o Mau é castigado, é humilhado, precisamente no último quadro da revista; o Bom foi ouvido e atendido, foram seguidos os seus conselhos. Após o cair do pano e o acender das luzes, começa a debandada dos pobres espetadores, condenados não se sabe até quando a serem comparsas passivos destas miserandas operas bufas, e podemos escutar os comentários finais: Pronto, já estou satisfeito. Eu não te dizia? O Relvas acabou por se lixar (Acabou por se lixar, uma porra! - comentário meu). E o Portas? Viste o Portas? Afinal o Portas não está lá só para fazer número. O Portas tem tomates (Não são tomates, são submarinos! – comentário meu). Posfácio da opereta: o bom povo está domesticado (Durante quanto tempo? – comentário meu). O sr. Primeiro-Ministro já pode deixar de ter insónias.

 

- Em que paragem queres sair?  

- Como apoteose deste nosso encontro proponho-te que nos apeemos no Rossio, que cumprimentemos o imperador Maximiliano do México travestido de D. Pedro IV, e que, exatamente em homenagem ao mesmo D. Pedro IV, nos dirijamos à velha Tendinha para saborearmos uma bifana grelhada e beber um copo de vinho verde. Sabes que a Tendinha foi fundada em 1840, quatro anos depois da Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV em 1826 ter sido abolida pela 2º vez e dois anos antes de ter entrado em vigor pela 3ª vez?

 

Com um forte abraço do

               Zé

                                                                                    Lisboa, 31 de janeiro de 2013.

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publicado às 23:48

O Chico da Terrugem

Reflexões políticas com sabor a Alentejo - 2

Rui

Desloco-me a Badajoz praticamente todos os meses, primeiro porque gosto de ir a Badajoz e depois porque vou lá comprar revistas de História, que eles as têm variadas e, as mais das vezes, recheadas com temas de bastante interesse; obviamente que os artigos estão longe de atingir a profundidade cientifica das publicações académicas mas preenchem razoavelmente bem o seu objetivo de divulgação. A passada sexta-feira foi um desses dias.

No regresso, como sabia que o Chico estava em Elvas, ele telefonara-me há uns três dias para me informar que iam deixar Lisboa e que muito gostaria de bater um papo comigo, decidimos passar lá por casa.

 

Como creio que não estarás interessado em que te descreva a calorosa efusividade com que ele e a Rita de Cássia nos receberam, vou saltar imediatamente para a primeira observação do Chico:

- Vejo que continuas interessado nas coisas da História.

- Correto e afirmativo, como te teria respondido uma minha ex-colega de trabalho. Porem, antes que me esqueça, gostaria de te referir uma observação que o meu amigo Rui, como tive ocasião de te informar transcrevi a nossa última conversa e enviei-a ao Rui, uma observação, dizia-te, que o Rui fez quanto à tua prioridade em exterminar as baratas: não estarias, por acaso, a incitar à revolta, a sugerir uma revolução?

- Longe disso, nada disso, meu caro. Vade retro Satanas! como diria uma velha senhora piedosa que, de repente, se sentisse tentada pelo Maligno. Sou, sempre fui, um pacifista.

 

Deixemos as senhoras entretidas aqui no salão, acompanha-me, por favor, até à varanda, apetece-me saborear uma cigarrilha e a Rita de Cássia não permite que eu fume dentro de casa.

Para te esclarecer, o que eu propus foi, muito simplesmente, uma operação higiénica, nunca uma revolução. Já alguma vez te imaginaste a proceder à inventariação das siglas de todos os Organismos que, por uma ou por outra razão, são referidos na Comunicação Social, e que se alimentam unicamente da teta do erário público? Quanto custa anualmente cada um desses Organismos? Quais as mais-valias geradas? Posso estar enganado, mas era capaz de jurar que nunca ninguém se terá atrevido a efetuar essa inventariação. Não há muito tempo, deves estar lembrado, apareceu estampado nos jornais que o Estado não sabia, ao certo, quantos funcionários públicos existiam. Como julgo ter-te referido na altura, essa operação higiénica deveria ser extensiva aos Consultores Externos, que, na sua grande maioria, mais não fazem do que duplicar o exercício de competências já atribuídas a Organismos do Estado.

- O.K. meu amigo, está desfeita a confusão. E o que me dizes a todo este prestígio internacional que Portugal tem vindo a conquistar? Por todo o mundo somos referenciados como um país cumpridor. Vê a reação dos investidores internacionais, os juros dos sucessivos leilões de Dívida têm vindo a baixar e a procura tem excedido largamente a oferta. Não achas que estes sinais apontam, claramente, para a retoma no nosso país?   

- Tu o dizes. Mas, se não te importas, permito-me discordar. Se Portugal paga religiosamente qual achas que deveria ser reação dos credores? Aplaudir, evidentemente. É, contudo, necessário, separar muito bem as águas entre o serviço da dívida e a vida das pessoas. O Governo não foi empossado para recolher elogios dos banqueiros nem de lá fora nem de cá dentro, o Governo foi empossado, tão simplesmente, para gerir, de forma eficiente, as expectativas dos portugueses, melhorar a sua qualidade de vida. E o que está a acontecer é que Portugal está cada vez mais pobre, as pessoas têm cada vez menos rendimento disponível, o desemprego alastra, os jovens saltam daqui para fora, o tecido empresarial definha dia a dia. Creio que te lembrarás de uma velha cantiga do Chico Buarque que terminava assim, referindo-se ao Brasil: ‘ Este país ainda vai tornar-se um imenso Portugal.’  Parafraseando o Chico Buarque eu diria: ‘ Este país ainda vai tornar-se uma imensa Caritas Internacional.’

 

Uma coisa, porem, te garanto: quando estivermos já perigosamente perto da fase terminal os banqueiros que agora nos sugam e nos elogiam enquanto chafurdam e engordam na pocilga dos lucros imundos, esses mesmos banqueiros, travestidos de piedosos peregrinos, decidirão visitar este nosso pobre país, não numa daquelas chamadas missões de avaliação, mas numa missão piedosa, humanitária, universalmente publicitada, e que terá como objetivo principal a realização de uma cerimónia pública, em plena Praça do Comércio, durante a qual, numa fogueira de S. João, serão integralmente reduzidos a cinzas os ainda existentes Títulos da Dívida Externa Portuguesa. Para mestre-de-cerimónias irá ser designado o inefável Dr. Durão Barroso. E o seu discurso será mais ou menos assim:

‘Excelentíssimas autoridades, meus queridos amigos, meus caros compatriotas.

O meu coração rejubila ao verificar quão forte foi a vossa adesão a esta cerimónia que, apesar da simplicidade de que, por manifesta vontade de todos, se irá revestir, tem um grandioso significado para o presente e para o futuro deste nosso muito querido Portugal. Prometo não vos maçar com um daqueles discursos extensos e empolgados mas falhos de conteúdo. Prometo-vos ser breve.

Todos vocês, meus queridos compatriotas, já certamente se emocionaram ao ler nos jornais ou ver na televisão uma qualquer das muitas referências às grandes metas, em termos civilizacionais, que Portugal, o nosso querido país, superou nos tempos mais recentes. Todos estarão lembrados de que a nossa taxa de acidentes rodoviários era das mais elevadas, senão a mais elevada, da Europa. Hoje, como sabeis, anda muito próxima do zero. O facto de, nas nossas estradas e nas nossas cidades praticamente já não circularem veículos automóveis, não só reduziu drasticamente a taxa de sinistralidade como também diminuiu fortemente os índices de poluição. As cidades portuguesas têm atualmente, e isto podemos afirmá-lo com manifesto orgulho, uma qualidade do ar que faz sentida inveja aos nossos companheiros europeus.

Gostaria também de vos recordar, numa breve nota, a polémica gerada à volta de uma decisão governamental, tão oportuna como legítima, que, a despropósito, provocou uma onda de protestos onde, imaginem, até chegaram a estar envolvidos alguns membros da nobre classe médica. E o que pretendiam, meus queridos amigos, aqueles que, sem qualquer razão, protestavam? Pois pretendiam impedir ou, pelo menos adiar sine die, o encerramento de algumas maternidades. Totalmente dessincronizados  com a realidade essas ignóbeis mentes retrógradas ignoravam que hoje, tal como aconteceu na nossa sempre bem recordada Idade De Ouro que foi a gloriosa época dos Descobrimentos, quando demos novos mundos ao mundo, que hoje, dizia-vos, também os nossos jovens emigram quase todos levando incrustadas nas suas mentes brilhantes a excelência do nosso sistema de ensino, propagando assim o sagrado nome de Portugal nesta formidável diáspora contemporânea. A conclusão é óbvia, meus queridos amigos, se não temos jovens para que são precisas as maternidades?  

Portugal continua a ser, graças a Deus, um país democrático. Hoje seria impensável fazer reviver os decretos do passado, que instituíram e regulamentaram a temível censura prévia que cerceava a liberdade de informar. Hoje em dia a Comunicação Social, falada e escrita, é totalmente livre, pode expressar em total liberdade as opiniões dos seus redatores. Mas compete-me realçar a benéfica ação pedagógica exercida pelas respetivas Administrações que, tendo sempre presente que as suas receitas provêm maioritariamente da publicidade, e que, na prática, os únicos clientes a comprarem publicidade são os Organismos do Estado, uma vez que a quase totalidade do Setor Privado não tem fundos disponíveis, aconselham os seus jornalistas a ponderar com rigor, serenidade e elevado sentido patriótico uma eventual divulgação de quaisquer notícias, estudos ou comentários que possam, eventualmente, vir a entrar em contradição com o que é afirmado pelas autoridades competentes. 

Assim que os digníssimos representantes das Entidades Internacionais nossas credoras derem por concluída a redução a cinzas da nossa Dívida é imprescindível que vos comeceis a dirigir de imediato, e muito ordeiramente, para os autocarros que estão estacionados no Campo das Cebolas, e que vos conduzirão às várias delegações da Caritas Internacional, onde vos será servido o almoço. Sendo hoje um dia excecional foi-vos preparada uma surpresa que, assim julgamos, vos irá muito agradar. Lembrem-se que o sr. Ministro das Finanças já vos etiquetou como o melhor povo do mundo, por isso mantenham, por favor, um alto nível de civismo.’

- Puxa, Chico, estás derrotista como o caraças!

- Deixa-me terminar, por favor. Só para te acrescentar que um jornalista estrangeiro, invulgarmente surpreendido não só com a imensa mole humana que constituirá a assistência mas também com o seu constante sublinhar, com fortes explosões de aplausos, cada pausa estrategicamente ensaiada pelo orador, decidirá perguntar a um dos elementos de um grupo de manifestantes, daqueles que estarão mais à frente, o mais perto possível da tribuna, se eles se sentiam assim tão totalmente de acordo com tudo o que tinham ouvido. E a resposta será: ’ Qual quê, meu senhor! A gente importa-se lá com o que eles dizem... É sempre a mesma porcaria. O que se passa é que a gente já estamos habituados a amochar, a engolir tudo o que eles deitam cá para fora’. Nova pergunta do jornalista: ’Os senhores fazem alguma ideia de qual poderá ser a surpresa que foi mencionada pelo dr. Durão Barroso?’ E a resposta: ‘Sabemos sim senhor. É que uma prima deste meu patrício é cozinheira da Caritas Internacional e ela contou-nos. Essa é a razão principal porque é que a gente fomos dos primeiros a chegar, para ficarmos logo aqui à frente e assim termos a certeza de conseguirmos ir no primeiro autocarro e sermos dos primeiros a almoçar. A surpresa é que hoje a sobremesa é pudim de ovos e a gente temos medo que não chegue para todos’.

 

A Aninhas não conduz, pois não? Então está decidido, vocês vão ficar por aqui, jantam connosco e dormem cá em casa. Não tentes argumentar, por favor. Ia lá consentir que fizesses ainda hoje mais 40 e tal quilómetros… Jamais. Depois desta dose massiva de especulações apocalípticas, como certamente classificarás o último quarto de hora, acho que merecemos abrir um Tapada de Elvas, degustar umas tapas de presunto e apreciar o que ainda nos resta deste esplêndido cair de tarde de inverno, enquanto me contas umas estórias dos teus netos.

  

E mais o Chico não disse.

  

Com um forte abraço do

              

 Zé

 Vila Viçosa, 21 de janeiro de 2013.

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publicado às 22:26

O meu amigo Zé

15.01.13

O Chico da Terrugem

Reflexões políticas com sabor a Alentejo - 1 

Rui

Creio não estar enganado quando julgo que não conheces o meu amigo Chico da Terrugem.

Convivi bastante com o Chico nos já longínquos anos 60 quando gastávamos grande parte da noite no café Palladium fingindo que estudávamos. Conheci-o através do Leandro, um ex-colega do Liceu de Faro que, tal como o Chico, cursava Direito. O Chico aparecia ali uma ou duas vezes por semana mas mostrava-se sempre muito mais interessado em combinar uma ida ao teatro ou aos fados do que consumir as pestanas a decorar textos sem sentido exibidos pelas sebentas ou a clarificar uma qualquer proposição menos bem apreendida nas aulas teóricas. Era, constava, muito rico, segundo filho de uma das famílias mais conhecidas da região de Elvas. Gostava de referir, com manifesto orgulho, que um seu antepassado fazia parte do círculo restrito de D. Sancho Manuel e que teria desempenhado, em janeiro de 1659, um papel fundamental na batalha das Linhas de Elvas. Era vagamente monárquico, vestia muito bem, era delicadíssimo no trato.

Cumpriu o serviço militar na Guiné (não tivera o aproveitamento escolar necessário e, por isso, foi incorporado) nos Serviços de Intendência.. Como virá a afirmar mais tarde o Leandro que, jovem advogado, foi obrigado a palmilhar, em Angola, quilómetros e quilómetros de mato, as mais das vezes debaixo de fogo intenso, uma cunha do tamanho de um prédio de 9 andares (nunca cheguei a perceber porquê 9 e não 8 ou 10) proporcionou ao Chico, não a guerra das emboscadas ou das minas, mas a guerra do arroz e do feijão.

 

Regressado do Ultramar o Chico, embora se voltasse a matricular em Direito, muito raramente frequentava as aulas. Um dia soubemos que tinha desertado para Londres, arrastado pela paixão que nutria por uma jovem cantora e bailarina que havia conquistado um pequeno papel no musical Hair. A paixão não tardou a arrefecer e o Chico converteu-se então num globe-trotter.

Anos depois acabou por casar com uma brasileira, divorciada, que conhecera num cruzeiro pelos rios da Rússia. Não têm filhos, vivem entre Lisboa, numa casa de família, para as bandas do Lumiar e em Elvas, num pequeno palacete que lhe coube em herança pela morte de um tio, irmão do pai.

O Chico é o típico segundo filho de uma família rica: o irmão mais velho gere os negócios, enfrenta os obstáculos, celebra as vitórias … e manda creditar-lhe a mesada.

 

Tinha visto o Chico pela última vez numa manhã de dezembro passado, em Lisboa, no Olivais Shopping. Ontem, enquanto a Aninhas se deliciava com um filme, daqueles muito férteis em encontros e desencontros que as televisões nos costumam oferecer nas tardes de fim-de-semana a troco de lhes permitirmos que nos moam o juízo com injeções de publicidades idiotas, e eu, muito lentamente, quase sem dar por isso, me aninhava gostosamente nos braços de Morfina (Morfina não é a mulher de Morfeu, pois não? Que tentativa tão desastrada de tentar fazer uma graça onde não há graça nenhuma!) tocou-me o telemóvel. Era o Chico.

- Olá, Zé, vocês como é que estão? Ótimo. Vamos almoçar amanhã ao restaurante da Amieira? Preciso desabafar. Tens que me aturar. À uma e meia está bem? Um abraço. Até amanhã.

O telefone, sempre mo afirmou o Chico, não é para namorar é para transmitir recados, marcar encontros, nada mais.

 

Almoçámos muito bem. Durante o repasto a conversa do costume: a saúde, o tempo, os festejos de Natal, a Passagem do Ano. Após o café o Chico levantou-se e saiu para o exterior para poder saborear a sua costumada cigarrilha. Segui-o.

- Então, Chico, a tua aflição? Que tinhas tanta necessidade de desabafar?

- Conheces o Orçamento Geral do Estado? Tens plena consciência do assalto à mão armada que ele representa?

- Sei, Chico. Tens toda a razão. Por isso mesmo, e na parte que mais me diz respeito, que é a dos Reformados e dos Pensionistas, fiquei satisfeito ao tomar agora conhecimento dos termos em que o Cavaco solicitou ao Tribunal Constitucional a sua fiscalização sucessiva.

- E acreditaste?

- Acreditei em quê?

- No que leste nos jornais, no que ouviste na televisão. Meu caro, eu, como bem sabes, não faço nada, nunca fiz nada, nunca logrei obter um cêntimo que fosse pelo produto do meu trabalho, tenho a minha mesada, a Rita de Cássia também é bastante rica, não tenho filhos, nunca virei a ser reformado ou pensionista, sou o que se pode apelidar de um tipo verdadeiramente independente. E isto leva a que a minha visão crítica do mundo e das coisas tenha muito poucas hipóteses de vir a ficar distorcida por quaisquer lentes côncavas ou convexas. Há um livro do Erico Veríssimo, será Caminhos Cruzados?, em que ele tenta antecipar as conclusões a que chegaria um marciano se, de repente, livre de qualquer contágio, se dispusesse a observar este nosso planeta, desgastado e poluído. Às vezes sinto-me o tal marciano.

 

Voltando ao Orçamento, o Sr. Presidente da República devia tê-lo vetado, como lhe competia, invocando precisamente os mesmos argumentos agora publicitados.

(Agora um aparte meu. O Chico, desde sempre, quando se refere a qualquer individualidade, nunca diz o Fulano ou o Sicrano, como acontece com qualquer um de nós. O Chico diz sempre o Sr. Fulano ou o Sr. Sicrano. É um senhor à antiga! – como o qualifica o meu amigo José Sacadura, que já teve o privilégio de almoçar com o Chico umas duas ou três vezes no Centro Comercial Colombo.)

Não o fez, porem. Porquê? Não o fez porque nunca pretendeu que o Orçamento fosse rejeitado.

- OK. Chico. Mas, então, explica-me lá porque é que ele solicitou a fiscalização sucessiva?

- O Sr. Presidente e o Sr. Primeiro-Ministro reúnem-se, regulamentarmente, todas as quintas-feiras. Durante as reuniões não falarão certamente nem de futebol nem de telenovelas, falarão, obviamente, da chamada coisa pública, da gestão deste país. É bem claro, para mim, que, na proximidade da apresentação, pelo Governo, da proposta de Orçamento, o Sr. Presidente tenha manifestado alguma curiosidade em conhecer, pelos menos, as suas linhas mestras, ou, como alguém também diz, as suas linhas de força. O Sr. Primeiro-Ministro não lhas terá, certamente, ocultado. E o Sr. Presidente tê-las-á aceite? Temo bem que sim.

- Porque estás tão certo disso Chico?

- Pelo ar descontraído, direi mesmo, pelo ar de gozo com que o Sr. Primeiro- Ministro ofendeu, publicamente, os Reformados e os Pensionistas ao apregoar que muitos deles andam a receber chorudas pensões sem terem descontado nem os montantes nem os anos devidos. A que Reformados e Pensionistas se estaria ele a referir? Como chegou a esta conclusão? Baseado em que dados? Nada especificando o Sr. Primeiro-Ministro meteu num mesmo saco todos os Reformados e Pensionistas e, intencionalmente, estigmatizou-os perante as gerações mais novas, levando-as a concluir que as moléstias que as afligem, (desemprego, salários baixos), se devem muito particularmente a este bando de velhos inúteis e parasitas, que lhes sugam, sem um mínimo de legitimidade, uma importante fatia dos recursos financeiros disponíveis. Achas que ele se atrevia a tomar esta iniciativa se não tivesse tido conhecimento prévio da passividade do Sr. Presidente?

- Mas, Chico, independentemente de tudo o que tu acabaste de afirmar, o Sr. Presidente acabou por solicitar a fiscalização sucessiva.

- Elementar, meu caro Watson. Era o mínimo que podia fazer para não sair excessivamente chamuscado. O que é que vai, com toda a certeza, acontecer? O Tribunal Constitucional, tal como no ano passado, irá declarar inconstitucionais as disposições que se referem aos Reformados e aos Pensionistas. Mas, também como aconteceu no ano passado, blá, blá, blá, ficará tudo na mesma: a inconstitucionalidade só se irá aplicar em 2014. E o Sr. Presidente fica na maior.

- Chegaste a prestar alguma atenção à terminologia usada pelo Sr. Presidente na apreciação às disposições que se referem aos Reformados e aos Pensionistas?

- Oh, se prestei. Lembras-te do Sr. Presidente, umas duas ou três vezes, perante a insistência dos jornalistas, ter afirmado que não cedia a pressões, que não lhes ia dizer o que pensava, que esperassem pelas suas Memórias? Essa adjetivação estava toda destinada a constar, exclusivamente, nas Memórias.

- O Sr. Presidente, Chico, enquanto Pensionista, também não lhe ficava muito bem se acabasse por vetar um Orçamento em benefício próprio.

- Balelas, meu caro. De acordo com o que foi amplamente divulgado pela comunicação social o Sr. Presidente ficou muito rico com o negócio das ações do B.P.N. Ele tem que lhe chegue e mais ou menos corte na pensão não o aquece nem arrefece. O que, verdadeiramente, lhe importa, é o julgamento da História. Por isso mesmo ele referiu aos jornalistas que esperassem pelas suas Memórias, que muito provavelmente fará publicar aí por 2017/2018, onde tenciona escarrapachar toda aquela adjetivação a que há pouco te referiste. Ora, o que acontece, é que, às tantas, terá começado a aperceber-se, muito provavelmente não só ele, mas também a Fada Madrinha, a Srª. Drª. Maria Cavaco, que, da edição das Memórias não logrará vender mais do que uns 50 ou 60 exemplares e que, o que a História reterá, será tão somente o que vier a ser transmitido pelos avós aos netos. Percebes agora esta bem conseguida operação de marketing? Tadinho do Sr. Presidente, ele bem tentou, até chamou aqueles nomes feios todos, mas os mauzões dos Juízes é que não permitiram que fosse feita justiça. A maquillage, assim, não esperou por 2017/2018: começou neste preciso instante.

 

- Que pensas do comportamento do Dr. Moedas no outro dia na conferência de imprensa?

- Porque é que o Sr. Dr. Moedas se riu? Por ser novo, por ser inexperiente, por ser idiota? Nada disso, meu amigo. O Sr. Dr. Moedas é novo, sim, mas está longe de ser inexperiente e de ser idiota. O único animal que se ri sem razão aparente é a hiena, que se está sempre a rir, embora se alimente de merda e só faça sexo uma vez ao ano. O Sr. Dr. Moedas, quando se riu na televisão, estava-se a rir de nós todos. O Sr. Dr. Moedas foi tão simplesmente um péssimo ator.

Lembras-te da peça de Shakespeare ‘Como quiserdes’ onde um ator, às tantas, declama ‘Todo o mundo é um palco e todos os homens e mulheres não passam de simples atores; todos têm as suas entradas e as suas saídas…’? O Sr. Dr. Moedas estava a representar o papel de mensageiro da desgraça, competia-lhe afivelar um ar sóbrio durante toda a leitura do monólogo e sair de cena com lágrimas furtivas riscando-lhe a face; rir, sim, mas só quando o pano tivesse descido e as luzes do palco extintas. O Sr. Dr. Moedas sabia que o que dizia não fazia qualquer sentido, que era só para assustar os ouvintes, por isso não lhe competia rir-se, pois, assim, estava a gozar com quem lhe paga o ordenado e as revisões do carro.

Muito melhor foi o senhor que anunciou a TSU dos 7,5%; esse, sabendo muito bem que era teatro ficcionado, nunca se riu: é muito melhor ator que o Sr. Dr. Moedas.

 

Um ditado antigo alerta-nos: É muito mau, mas podia ser muito pior. É esta a peça que o Sr. Dr. Moedas e seus companheiros de troupe se habituaram a nos representar: Tão a ver meninos, nós não somos tão maus como poderíamos ser, até ainda temos um bocadinho de pena de vocês.

- Diz-me lá, Chico, o que é que tu achas que se deveria fazer?

- No outro tempo, lá na Terrugem, quando, nas casas antigas, aparecia uma meia dúzia de baratas, ou mais, as pessoas começavam por se preocupar em matá-las, e só depois é que iam investigar qual a sua origem, qual o buraco ou buracos por onde teriam entrado. Já fizeste as contas a quantas Comissões, a não sei quantos Assessores pagos a peso de ouro, à legião de Consultores Externos que, em cada segundo vão cobrando milhões e milhões…e para fazer o quê? O pobão (como diz o Estebes) tem sido, regularmente, informado do que essa gentalha toda anda a fazer?

Com as baratas a passearem, incólumes, pela casa, saqueando as provisões da despensa e largando fezes em todo o lado, constitui um erro crasso deitarmo-nos a adivinhar qual, ou quais, as suas prováveis origens. Enquanto teorizamos, as baratas continuam a reproduzir-se e, além de se multiplicarem, também se tornam mais resistentes. Serão até, eventualmente, muito capazes de construir séria argumentação com vista a justificar a sua imprescindibilidade.

 

Está uma linda tarde. Está frio mas sabe bem estar cá fora. Repara que há um único barquito lá em baixo, nem um só daqueles insonsos barcos de turismo, com esta delícia de luz, com este azul maravilhoso. Ninguém está virado para prestar homenagem às ninfas do Guadiana! E ainda há quem teime em afirmar que nós somos um país de marinheiros. Alinhas num Cardhu com duas pedras de gelo?

 

Foram estas as últimas palavras do Chico cuja transcrição se justifica.

 

Um forte abraço do amigo

 

Vila Viçosa, 13 de janeiro de 2013

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