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Caíu o mito do rigor germânico 

 

Embora não se trate de mais do que uma pequena amostra da mistificação criada à volta da superior capacidade e rigor da "raça ariana", vale a pena para memória futura e uso pesente, deixar aqui nota do que está a acontecer com algumas obras faraónicas  projectadas e em concretização desastrosa pelos "mestres do rigor orçamental".

Na Visão do passado dia 20, João Dias Miguel introduz o tema com o seguinte preâmbulo:

As grandes obras públicas germânicas também derrapam - e muito. Os caso não faltam e o novo aeroporto de Berlim é um exemplo de incompetência, má gestão e ausência de planeamento. Há quem já se interrogue se o estado federal pode realizar grandes projectos.

Do texto longo e circunstanciado são respigadas as seguintes 'caixas':

ESTAÇÃO DE COMBOIOS DE ESTUGARDA 21 - Desvio orçamental: € 2 400 milhões; Data Prevista: 2021; Problemas: A obra é detestada pelos locais, que já fizeram manifestações massivas contra ela. Vai dar cabo de um parque (300 árvores centenárias destruídas) e proongará o caos do tráfego por uma década. A sua utilidade é duvidosa: a empresa de caminhos de ferro alemã admite que só vai acabar porque parála seria mais dispendioso.

NOVO AEROPORTO DE BERLIM - Desvio orçamental: € 3 400 milhões; Atraso: 5 anos; Problemas: Portas automáticas e elevadores que não funcionam, protecção antifogo completamente inadequada, maus posicionamento das entradas e saídas de ar condicionado, subestimação da presença próxima de um reactor nuclear experimental,. Os técnicos nem sequer conseguem apagar-lhe a luz de forma que está iluminado 24 horas por dia.

TÚNEL FERROVIÁRIO DE LEIPZIG - Desvio orçamental: € 388 milhões; Atraso: 4 anos; Problemas: nenhuns. Os taxistas queixaram-se da descida dos seus lucros, mas o túnel tem-se revelado útil, apesar dos atrasos.

AEROPORTO KASSEL-CALDEN - Desvio orçamental € 205 milhões; Inauguração 2013; Problemas: este aeroporto situado no centro do país, tem 140mempregados, dá 6 milhões de euros de prejuízo por ano e nem uma única carreira comercial ali passa - a não ser os meses de Verão, e mesmo então são poucas.

METRO DE COLÓNIA (NORTE-SUL) - Desvio orçamental: € 800 milhões; Atraso: 10 anos; Problemas: O túnel colapsou em 2009 (dois mortos) levando consigo parte do arquivo histórico da cidade. O acidente custou mil milhões de euros. As responsabilidades continuam por apurar. A catedral de Colónia, património da humanidade, vibra.

FILARMÓNICA DO ELBA - Desvio orçamental: € 712 milhões; Atraso: 10 anos; problemas: Hamburgo não se poupou a luxos, os piassabas custaram 300 euros cada. A obra esteve parada um ano, depois da estabilidade do telhado ter sido posta em causa, este teve de ser reforçado.

Tudo boas razões para nos dizerem que andamos a gastar acima das nossas possibliddes e, com a conivência de quem nos (des)governa, imporem o nosso empobrecimento.

Rui Beja

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publicado às 22:43

 

 

Senhor Primeiro Ministro

Exmo Dr. Pedro Passos Coelho

 

Lisboa, 1 de julho de 2013                   

 

Excelência, 

                                      

No dia 22 de outubro de 2012, há pouco mais de oito meses, dirigi-lhe uma carta em que asinalava a urgência da minha substituição no cargo de Ministro de Estado e das Finanças. Agora, em meados do ano seguinte, essa urgência tornou-se inadiável.

A oportunidade do meu pedido de demissão no outono de 2012 ocorreu após uma série de importantes acontecimentos, entre os quais me permito destacar o acórdão do Tribunal Constitucional de 5 de julho de 2012 e uma erosão significativa no apoio pública às políticas necessárias ao ajustamento orçamental e financeiro na sequência das alterações então propostas à taxa social única.

Numa crise de financiamento externo, estou convencido que o país devedor, em crise, tem inicialmente de dar prioridade à restauração da relação fiduciária com os credores oficiais e privados. Na ausência de um entendimento estável, a parte devedora sofrerá custos económicos e sociais agravados. Aquando do início do mandato do atual Governo, a confiança dos nossos credores externos necessitava ser recuperada com urgência, tal era a gravidade da nossa situação; hoje, estiu confiante que o esforço deve ser dirigido à preservação dessa confiança, face aos resultados alcançados.

Senhor Primeiro Ministro

As semelhanças entre a primavera de 2013 e o outono de 2012 são claras e marcadas. Como bem sabe, pareceu-me inevitável a minha demissão na sequência do segundo acordão negativo do Tribunal Constitucional. Foi-me pedido que continuasse para assegurar a conclusão do sétimo exame regular, a extensão do  do prazo de pagamento dos empréstimos oficiais europeus e a preparação do orçamento retificativo, necessário depois da prolação daquela decisão jurisdicional. Aceitei então por causa da situação dramática para a qual o país seria arrastado se essas tarefas não fossem realizadas.

O sétimo exame regular está oficialmente concluído. A extensão dos prazos dos empréstimos oficiais europeus está formalmente confirmada. O orçamento retificativo está aprovado. As condições de financiamento do Tesouro e da Economia portuguesa melhoraram significativamente. O investimento poderá recuperar com base na confiança dos empreendedores. A minha saída é agora, permito-me repetir, inadiável.

Relembro que apenas o Conselho de Ministros extraordinário de 12 de maio recebi um mandato claro do Governo que permitisse a conclusão do sétimo exame regular (o que ocorreu imediatamente a seguir, a 13 de maio). A ausência de um mandato para concluir atempadamente o sétimo exame regular não me permite agora continuar a liderar a equipa que conduz as negociações com o objetivo de melhor proteger os interesses de Portugal.

 

Senhor Primeiro Ministro

Numa carta de demissão é imperativo refletir sobretudo sobre as próprias limitações e responsabilidades. O incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013, foi determinado por uma queda muito substancial da procura interna e por uma alteração na sua composição que provocaram uma forte quebra nas receitas tributárias. A repetição destes desvios minou a minha credibilidade enquanto Ministro das Finanças.

Os grandes custos de ajustamento são, em larga medida, incontornáveis, dada a profundidade e persistência dos desequilíbrios, estruturais e institucionais, que determinaram a crise orçamental e financeira. No entanto, o nível de desemprego e de desemprego jovem são muito graves. Requerem uma resposta efetiva e urgente a nível europeu e nacional. Pela nossa parte exigem a rápida transição para uma nova fase do ajustamento: a fase do investimento! Esta evolução exige credibilidade e confiança. Contributos que, infelizmente, não me encontro em condições de assegurar. O sucesso do programa de ajustamento exige que cada um assuma as suas responsabilidades. Não tenho, pois, alternativa senão assumir plenamente as responsabilidades que me cabem.

 

Senhor Primeiro Ministro

Liderança é, por vezes, definida como sabedoria e coragem combinadas com desinteresse próprio. A liderança assim exercida visa os superiores interesses nacionais que perduram de geração em geração. Fácil de dizer, difícil de assegurar, em particular quando as condições são de profunda crise: orçamental, financeira, económica, social e política. Sendo certo que contará sempre com a inteligência, coragem e determinação dos portugueses, cabe-lhe o fardo da liderança. Assegurar as condições internas de concretização do ajustamento são uma parte deste fardo. Garantir a continuidade da credibilidade externa do país também. Os riscos e desafios dos próximos tempos são enormes. Exigem a coesão do Governo. É minha forte convicção que a minha saída contribuirá para reforçar a sua liderança e a coesão da equipa governativa.

Pela minha parte, resta-me agradecer o enorme e inestimável apoio que me prestou nestes dois anos de excelente cooperação.

 

Com amizade, lealdade e admiração do

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publicado às 00:00

 

Revista Visão, de 21 de Março de 2013

 

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publicado às 23:08

Da não-inscrição à violência

Oportuno alerta do filósofo José Gil, em artigo de opinião publicado na Visão de 14 de Março de 2013

 

Intelectual do maior prestígio nacional e internacional, o filósofo, ensaísta e pensador analisa criticamente a atitude do poder instalado face à manifestação de 2 de Março e fundamenta o receio de que "fazer como se nada tivesse acontecido" e, consequentemente, esquecer que "a não-inscrição forçada de uma acção que visa precisamente inscrever-se viola violentamente a democracia", origina "outros tipos de expressão e de protesto". Termina concluindo: "Da violência sofrida brota, em geral, violência - quem poderá garantir que destas forças soltas a violência nua não jorrará?". Vale a pena que os senhores que nos (des)governam pensem nestas palavas sábias e tomem consciência que sendo o país constituío por pessoas, o comportamento humano não se rege pelas regras dos números e das estatísticas.

 

Como se sabe, um dos meios que o Governo adotou para reduzir a zero as manifestações hostis é não lhes responder. Fazer como se nada tivesse acontecido é fazer não acontecer. Foi o que tentou o Governo com a manifestação de 2 de março. Mas é possível que desta vez, os seus cálculos lhe saiam errados.

 

Anular uma manifestação é impedir a sua inscrição no real. A não-inscrição forçada de uma ação que visa precisamente inscrever-se viola violentamente a democracia. Que significa «inscrever»? Produzir o real, abrindo possibilidades novas à existência. A não-inscrição da vida portuguesa atira os indivíduos para um limbo pantanoso em forma de duplo impasse. Como aqueles casais que se separam mas ficam ligados afetivamente, voltando esporadicamente a comportamentos de casados, depois de separados, e assim indefenidamente. Não conseguem inscrever a separação no real. Separação interminável porque não inscrita - o imaginário mistura-se com a realidade criando um caos pastoso, aonde, afinal, nada aconteceu. Será necessário um terceiro termo (um ato jurídico, por exemplo que decida da guarda dos filhos) para que a separação se inscreva desfazendo o limbo da não-separação imaginária.

 

Com a irrupção da troika e da austeridade brutal começou a aparecer o real no espírito dos portugueses quebrando o laço «simbiótico» povo-Governo. Mas surgiu da pior maneira. Primeiro, violentamente: dando ao real a figura do vazio, da anulação, da exclusão. Segundo, perversamente: ao mesmo tempo que, transformando os espíritos, os levava à exigência de se inscrever (ter um emprego, um salário justo, tomar iniciativas criar possíveis no presente e no futuro), retirava-lhes as condições dessa inscrição (empobrecendo-os, humilhando-os, roubando-lhes o trabalho, o espaço, o tempo e as forças). Uma mudança radical parece começar assim na cultura da não-inscrição, forçando o português a abortar o seu próprio processo de transformação. Um outro duplo impasse se está edificando sobre as ruínas do antigo.

 

COMPREENDE-SE ASSIM A NATUREZA da manifestação de 2 de março. Os portugueses estão num processo de mudança de mentalidade. O limbo está a desaparecer e a violência da situação que lhes impõem inaugura talvez um novo modo de expressão das suas forças. Processo que vai do queixume, do masoquismo e da suave paranoia dos seus gozos (não-inscrição) - voltando contra si mesmo a violência inconsciente -, à exteriorização, ação, criação que tenta abrir caminho no real (inscrição). Fases que marcam uma relação específica à violência: 1.ª) fuga à violência - autoflagelação, interiorização de violência; 2.ª) descoberta da violência real da vida nula, da necessidade de inscrição e da sua impossibilidade brutal; 3.ª) exteriorização das forças - uma outra política ou a violência real contra o real violento?

 

EM 2 DE MARÇO OS PORTUGUESES mostraram situar-se na segunda fase: desorientação, confusão, sideração - abandonaram o queixume, mas não sabem ainda como protestar. Daí o silêncio. E a ausência de apatia (porque vieram). Daí a coexistência de múltiplos grupos heterogéneos, de indivíduos solitários e mudos. Todos se aceitavam na sua igualdade nua. Desinvestiram em símbolos políticos, palavras de ordem mais ou menos codificadas. Bastava estarem lá, afirmando-se pela sua presença contra quem os anula e quer fazer desaparecer. Mudez contida que esconde forças desinvestidas, soltas, não codificadas e não canalizadas por ideologias e partidos. Da violência sofrida brota, em geral, violência - quem poderá garantir que destas forças soltas a violência nua não jorrará?

Rui Beja

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publicado às 18:28

O direito à indignação

José Carlos de Vasconcelos defende o direito à manifestação popular legítima e sem violência, de protesto perante a irracionalidade das fracassadas medidas de austeridade impostas pela troika e zelosamente cumpridas ou até ultrapassadas pelo Governo, na Visão de 28 de Fevereiro de 2013

 

Homem de cultura, poeta, jornalista, jurista, e director do Jornal de Letras, José Carlos de Vasconcelos acompanha e participa na actividade política desde os tempos em que foi dirigente da Associação Académica de Coimbra. Intransigente defensor do regime democrático, foi advogado de personalidades julgadas pelo Tribunal Plenário durante o período do Estado Novo e, depois da instauração da democracia, deputado pelo PRD - Partido Renovador Democrático. Como jornalista e analista político, mantém a linha de pensamento que o notabilizou na defesa das liberdades, direitos e garantias que caracterizam os regimes democráticos.

A crónica que aqui transcrevo é bem representativa do pensamento do seu autor, por quem nutro a muita consideração e estima consolidadas numa forte relação profissional e pessoal vivida, ao longo dos anos, no mundo dos livros.

E obviamente porque partilho a defesa do inalianável direito à indignação e à sua expressão pública sem violência e com civismo.

 

Quem avalia a troika?, apetece perguntar agora que os troikanos voltaram para a avaliação que se diz ser a mais importante. Até agora, eles sempre deixaram elogios aos indígenas, como tinha de ser, porque estes sempre cumpriram religiosamente as suas ordens. Ou mesmo as ultrapassaram, na ortodoxia das receitas, nos excessos da «austeridade», na irracional imposição de medidas tão tremendamente nocivas como injustas, no desprezo pelas críticas e pelos alertas para a situação a que com elas seríamos conduzidos e na qual de facto nos encontramos.

  É evidente que este Governo tinha uma missão muito difícil e poderia não atingir os objectivos desejados. Mas não se trata apenas de não os atingir,de falhar todas as previsões, de errar e errar com arrogância - trata-se, sim, de estarmos cada vez pior e mais longe deles. Enfim, o Governo foi forçado a reconhecer uma pequena parte do seu monumental falhanço e diz que vai pedir mais um ano de prazo para os novos cortes. Não chega: tem de haver uma renegociação da dívida, que passa por prazos maiores mas também por juros menores; e tem de haver novas políticas. Ainda há dias Paul Krugman uma vez mais condenava a irracionalidade destas políticas de austeridade (quanto mais severa pior a recessão...), que fazem os seus defensores parecerem cada vez mais «insolentes e delirantes».

  A avaliação do Goveno pela troika não significa nada, pois não passa de uma espécie de juízo em causa própria. E a avaliação da troika, como a do Governo, só pode ser feita através dos resultados, que são muito maus, e pelos portugueses. Em eleições, quando as houver; e antes delas, através das outras formas que a democracia propicia, entre as quais as manifestações de rua. Como foi a de 15 de Setembro de 2012, um autêntico «marco» a assinalar o pensar e o sentir do País, nesta emergência nacional, e como será a do próximo sábado.

 

ENTRETANTO, O POVO TEM direito àindignação - e a exprimi-la. Sem violência, com civismo. O direito à indignação e o direito à esperança são dois direitos fundamentais. Direitos que em certas circunstâncias a cidadania transforma também em deveres. Assim, creio ser legítimo, natural, que a indignação se manifeste quando está presente um membro do Governo, sobretudo se for dos mais contestados. Cantar, então, a Grândola, representa uma bela forma do exercício simultâneo do direito à indignação, pelo protesto que cantá-la nessas condições significa, e do direito à esperança, pelo símbolo virado para o futuro que a cantiga do José Afonso continua a ser.

  Constituirá, no entanto, um atentado à liberdade de expresão fazê-lo em termos de levar um membro do Governo a ser ou a sentir-se impedido de usar da palavra numa intervenção pública? A questão pôs-se a propósito de dois episódios com Miguel Relvas e não fujo a ela: a minha resposta é, quanto a esses episódios, negativa, por várias razões que aqui não cabem. Embora julgue ser mais curial que, dado o recado e transmitida a mensagem que com o cantar a Grândola se visa, não prolongar a contestação. Mais do que considerar que tais manifestações limitam a liberdade de expresão dos governantes - o que chega a ser um pouco caricato, dado estarem eles sempre a «exprimir-se» e em geral antes de falarem já se saber até o que vão dizer -, deve-se considerá-las exercício da liberdade de expressão por parte de quem só nessas ocasiões, e só para protestar, tem acesso aos media.

 

IMPÕE-SE, PORÉM, DISTINGUIR situações, intervenções e até membros do Governo - a generalidade deles da troika interna - Passos, Gaspar e Relvas. Em particular este, cuja continuação no Executivo revela, da parte do primeiro-ministro e da sua, pelos motivos que se conhecem, um lamentável desrespeito pela vontade dos portugueses, se não constitui mesmo uma afronta. Por isso, porque a sua presença no Governo é percecionada por muitos como uma espécie de «provocação», e como após uma fase em que teve a sensatez de não aparecer agora se exibe em vários palcos, os protestos são e decerto serão cada vez mais veementes - com a compreensão, ou mesmo aplauso, julgo eu, da imensa maioria dos portugueses...

Rui Beja

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publicado às 18:05

Febre Germânica

09.02.13

Dormir com o inimigo

Viriato Soromenho Marques analisa a insuportável satisfação do Governo português face à política de Berlim, na Visão de 31 de Janeiro de 2013

 

Com algum atraso relativamente à data da publicação, cheguei hoje à leitura deste artigo de opinião. Porque compartilho o essencial da análise e das ideias expostas pelo Professor Soromenho Marques e porque considero que justificam a mais alargada divulgação, transcrevo na íntegra o perclaro escrito, acompanhado da imagem que o ilustra.

O regresso de Portugal ao mercado da dívida pública foi efusivamente saudado pelo Governo. A taxa de juro de 4,89%, a cinco anos, é a melhor nos últimos dois anos. Contudo, continua a ser superior em mais de um ponto percentual ao que o País paga no âmbito do resgate da troika. Estamos ainda longe de poder caminhar sozinhos. Pior ainda: querer apresentar a melhoria da atmosfera no mercado da dívida como o resultado da ação do Governo português roça a desonestidade intelectual. As únicas duas razões para isso residem no facto de a Alemanha ter sossegado os mercados através de duas medidas, concretizadas em setembro de 2012: «autorizou» Mario Draghi a avançar com o mecanismo OMT, que permite aos Estados que o solicitem, assinando um protocolo de estrita condicionalidade, obter apoio «ilimitado» do BCE no mercado da dívida pública; aceitou manter a Grécia dentro da Zona Euro, afastando os receios de uma reação em cadeia, inevitável caso a Grécia saísse desordenadamente do euro. Por isso até os gregos viram as suas taxas cair a pique.
 
Igualmente importante foi a entrevista concedida à jornalista Eva Gaspar por Steffan Kampeter, o n.º 2 do Ministério das Finanças alemão, que visitou Portugal para participar no I Fórum Portugal-Alemanha. Nela são reveladas as linhas de forças seguidas pelo Governo Merkel para a construção de uma Europa que só terá possibilidade de sobreviver sob a batuta da disciplina alemã. Num dado momento, explicou ele: «A crise nasceu porque os mercados silenciaram os seus mecanismos de alerta ao não diferenciarem nos juros cobrados [aos diferentes Estados da Zona Euro]».
 
A FRASE SINTETIZA O QUE TEM SIDO a política de Berlim nesta crise, e os objectivos para o futuro:
1) Ao atrasar a ajuda à Grécia, em 2010, e ao travar uma maior flexibilidade do BCE, em 2011 e 2012, a Alemanha quis dar uma lição não só aos Estados, mas também aos mercados (que não leram o art.º 125 do Tratado de Funcionamento da UE, que impedia os resgates...);
2) A criação dos fundos de resgate (FEEF e MEE), são apresentados como ato de generosidade de Berlim e aliados, quando na verdade visam proteger os interesses exclusivos das exportações alemãs, tendo os países resgatados de aceitar medidas duríssimas, sem discussão democrática, para obterem esse auxílio;
3) A Alemanha não aparenta nenhuma intenção de alterar as insuficiências estruturais da UEM, querendo manter uma moeda única para facilitar as trocas comerciais, mas não pretendendo avançar nem para uma união orçamental, nem para uma política económica comum;
4) A olímpica ausência de referências às instituições, mostra que a Alemanha está contente com uma Europa exclusivamente intergovernamental, em que ela manda e os outros obedecem.
 
O QUE É INSUPORTÁVEL É A SATISFAÇÃO do Governo português com esta situação ignóbil, tanto material como moralmente. Na desgraça nacional, não podemos só culpar a incompetência dos aventureiros que dominam os partidos que que têm acedido ao executivo. O fator da chantagem e do terror sobre os mercados, parte da estratégia de hegemonia de Merkel, retirando os prisioneiros debaixo de água um segundo antes do afogamento, tem lesado dezenas de milhões de vidas na periferia europeia.
A verdade não comove a gente de S. Bento. 240 mil portugueses (mais de 2% da população) saíram de Portugal em busca de trabalho, em dois anos. 200 mil empregos foram destruídos em 18 meses. O PIB caiu 3% em 2012, e vai cair mais 2,4% em 2013, com mais 80 mil postos de trabalho destruídos.
As empresas públicas rentáveis foram ou serão vendidas (a EDP, a ANA, a TAP, a CP Carga, os CTT...). Em 2014 a viabilidade do País estará ameaçada pelo aumento exponencial da pobreza, da desigualdade, e do niilismo. Mesmo como província de uma Europa alemã, Portugal não teria futuro.
Num século, a Europa já se curou duas vezes dessa febre da recorrente hegemonia germânica. Nada indica que não o faça outra vez. Com o inevitável mar de escombros.
Rui Beja

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publicado às 22:48

Mito Perigoso

14.11.12

Brandos costumes

Um avisado texto da autoria de Pedro Norton, publicado na Visão em 1 de Novembro de 2012

 

Sei de um país onde, há pouco mais de cem anos, numa «tarde linda, azul, morna, diáfana», um «homem de barba preta», professor do 1º grau de instrução primária, e um «homem do estribo», antigo empregado de comércio, assassinaram, a sangue frio, o chefe de um Estado em muito mau estado.

Sei de um país onde os revolucionários são assassinados por doentes tresloucados, antes ainda de fazerem a revolução. Sei de um país onde os revolucionários se suicidam, antes ainda de terminarem a revolução.

Sei de um país que fez da República Velha uma revolução contínua. «Atos revolucionários, sediciosos, pronunciamentos, golpismos, intentonas, iventonas, efetivas ou potenciais.»

Sei de um país cuja I República fornece «exemplos para quase todos os tipos de golpismos insertos nos manuais, desde os que ocorreram sem efusão de sangue, aos que atingem o nível do morticínio».

Sei de um país em que um major se fez Presidente-Rei por meio de uma revolução sangrenta que deixou no chão uma centena de mortos e mais de 500 feridos. Sei de um país onde Sidónio, «Presidente da República, pela vontade do Destino e o direito da Força», se aguentou um único ano «à tona do caos português». Sei de um país, que por esta altura, assassinava um Chefe de Estado a cada dez anos.

Sei de um país em que 14 governos no espaço de três anos acabariam por desembocar, numa noite sangrenta de outubro, nos assassínios do Presidente do Governo e do próprio fundador da República.

Sei de um país que dispensou a democracia a 28 de maio e que, «em junho, foi alegremente aplaudir Gomes da Costa à sua, muito sua, avenida da Liberdade».

Sei de um país que, logo depois, fez o Reviralho e montou a guerra civil em pleno coração do Porto. Sei de um país que, em escassos quatro dias, espalhou centenas de mortos e milhares de feridos entre a Praça da Batalha e a Serra do Pilar. Sei de um país aos tiros, no Castelo, na Madeira, nos Açores, na Guiné e que só em Lisboa, num fatídico dia de 1931, da Rotunda às Avenidas Novas, das  Amoreiras às Laranjeiras, junta mais quatro dezenas de mortos às estatísticas do morticínio.

Sei de uma ditadura feita de PVDE, de PIDE. de DGS, de repressão violenta, de torturas e de assassínios políticos. Sei de um campo de concentração eufemisticamente apodado de colónia penal onde terão morrido, «de morte lenta» vários opositores do regime.

Sei de um país que fez uma guerra em África de que ainda não terá contado, com rigor, todos os mortos. Provavelmente menos ainda os feridos, os estropiados, todos quantos não mais deixaram de ter perturbações psíquicas. Sei de um país que só em Wiryamu terá deixado mais de 400 civis mortos, entre os quais muitas mulheres e crianças.

Sei de um país com revolucionários que sonharam encostar à parede ou mandar para o Campo Pequeno «umas centenas ou uns milhares de contrarrevolucionários, eliminando-os à nascença». Sei de um país em que heróis da revolução se fizeram terroristas com provas dadas.

Sei de um país que, contra todas as evidências históricas, continua a julgar-se de «brandos costumes». Sei de um país que, uma vez mais, vive tempos perigosos. Onde o desencanto é geral, a desesperança absoluta, o futuro, dir-se-ia, é coisa do passado. São tempos que deveriam convocar-nos, humildemente, a aprender com o passado. E a primeira lição talvez devesse ser a de reconhecer que não há, na mitologia portuguesa, mentira mais perigosa do que a fábula dos «brandos costumes»

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publicado às 19:53


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Declaração de Princípios

José Cardoso Pires escreveu, em adenda de Outubro de 1979 ao seu «Dinossauro Excelentíssimo»: "Mas há desmemória e mentira a larvar por entre nós e forças interessadas em desdizer a terrível experiência do passado, transformando-a numa calúnia ou em algo já obscuro e improvável. É por isso e só por isso que retomei o Dinossauro Excelentíssimo e o registo como uma descrição incómoda de qualquer coisa que oxalá se nos vá tornando cada vez mais fabular e delirante." Desafortunadamente, a premunição e os receios de José Cardoso Pires confirmam-se a cada dia que passa. Tendo como génese os valores do socialismo democrático e da social democracia europeia, este Blog tem como objectivo, sem pretensão de ser exaustivo, alertar, com o desejável rigor ético, para teorias e práticas que visem conduzir ao indesejável retrocesso civilizacional da sociedade portuguesa.

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2012-05-09 A Edição em Portugal (1970-2010) A Edição em Portugal (1970-2010): Percursos e Perspectivas (APEL - Lisboa, 2012). À Janela dos Livros capa À Janela do Livros: Memória de 30 Anos de Círculo de Leitores (Círculo de Leitores/Temas e Debates - Lisboa, 2011) Risk Management capa do livro Risk Management: Gestão, Relato e Auditoria dos Riscos do Negócio (Áreas Editora - Lisboa, 2004)

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