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New York Times: Remédio da austeridade está matar o doente europeu

Jornal diz que, além das medidas não estarem a resultar, há o risco de os países começarem a equacionar sair do euro, conforme notícia da Lusa publicada no Público Online de 15 de Abril de 2013

 

O que será ainda necessário para que a troika, os seus "patrões" alemães, e os seus "delegados" em Portugal (Vítor Gaspar e Passos Coelho. por esta ordem, exactamente!), entendam que chegou a hora de mudarem radicalmente de estratégia política ou darem lugar a outros? O que faltará para que o Presidente da República perceba que as instituições não estão a funcionar regularmente e exerça os deveres constitucionais que jurou cumprir? O New York Times não inova nesta apreciação evidente, junta-se simplesmente às múltiplas vozes autorizadas, incluindo o Nobel da Economia, Paul Krugman, que constatam o óbvio: parem com os disparates ou isto vai acabar mal; muito mal!

 

O Conselho Editorial do norte-americano New York Times escreve nesta segunda-feira que a "medicina amarga" da austeridade está a matar o doente, usando o exemplo de Portugal para defender a emissão de títulos de dívida apoiados pela zona euro.

"Há mais de dois anos que os líderes europeus têm imposto um cocktail de austeridade orçamental e de reformas estruturais em países debilitados como Portugal, Espanha e Itália, prometendo que isso será o tónico para curar as maleitas económicas e financeiras, mas todas as provas mostram que estes remédios amargos estão a matar o paciente", escreve o Conselho Editorial do jornal norte-americano New York Times, um dos mais vendidos nos Estados Unidos da América.

O artigo de opinião explica que o principal problema de as medidas de austeridade não estarem já a ter o efeito pretendido - crescimento económico - é, para além do aumento do desemprego, a criação de um descontentamento popular que favorece grupos como o Movimento Cinco Estrelas, em Itália.

"O verdadeiro perigo para a Europa é que movimentos como esse aumentem e que os eleitores e os decisores vejam cada vez menos vantagens em permanecer no euro. Se os países começam a sair da moeda única, isso causaria pânico generalizado no Continente e milhares de milhões de dólares em perdas para os governos, os bancos e os investidores na Alemanha e noutros países ricos europeus, já para não falar no resto do mundo", escreve o jornal, sublinhando que "se os líderes europeus deixaram essas forças políticas ganharem força, toda a gente no Continente, e não apenas os portugueses ou os italianos, ficarão pior".

Numa parte dedicada exclusivamente a Portugal, o jornal escreve que "o Governo de Passos Coelho cortou a despesa e aumentou os impostos, tanto que o défice orçamental caiu cerca de um terço entre 2010 e 2012" e acrescenta que o resultado destas e de outras reformas é que o desemprego subiu para os 18%. Assim, "os economistas dizem que Portugal vai provavelmente ter um défice orçamental, este ano, maior que o acordado [com a troika] (...) porque as políticas nacionais, sem surpresa, causaram uma recessão mais profunda que o previsto".

O artigo defende, por isso, que líderes como a chanceler Angela Merkel parem de insistir na austeridade e "ajudem a aumentar a procura, por exemplo, permitindo que os países mais frágeis possam emitir dívida pública apoiada pela zona euro", o que, no entender deste Conselho Editorial composto por editores e antigos directores, e que responde directamente ao presidente do grupo detentor do New York Times, ajudaria os países a sair da "espiral recessiva".

"Os decisores políticos em Portugal e em Itália teriam a vida facilitada na defesa da necessidade de reformas se não tivessem de, ao mesmo tempo, cortar programas e apoios sociais", diz o texto, que argumenta que "um crescimento económico mais rápido e um desemprego mais baixo criariam os recursos que podiam ser usados, mais tarde, para cortar a dúvida e reduzir o défice".

Rui Beja

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publicado às 22:28

 

Revista Visão, de 21 de Março de 2013

 

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publicado às 23:08

Manuela Ferreira Leite e Mota Amaral

Destacados militantes do partido que lidera o Governo opinam, no Expresso de 2 de Março de 2013

 

Contra argumentos não há factos

Manuela Ferreira Leite

  Há precisamente um ano, em 3 de março de 2012, nesta mesma coluna, escrevi um texto que, na sua essência, hoje poderia reproduzir porque as alterações a introduzir para o tornar atual seriam de tom e não de conteúdo.

  Há um ano, referia-me à "terceira" avaliação da troika, que hoje teria de ser corrigida para "sétima", mas as preocupações e as dúvidas quanto às consequências das políticas seguidas ganharam uma dimensão dramática.

  Há uma ano, achei que a posição de responsáveis da troika, nomeadamente do FMI, lançava alguma esperança sobre o futuro porque parecia ter "muito maior consistência a ideia de que sem crescimento económico não seria possível alcançar a necesssária consolidação orçamental, num espaço de tempo como o que normalmente é exigido aos países endividados".

  Passou um ano e nada de substancial se alterou na política que nos foi imposta e, por isso, a esperança, hoje, transformou-se em necessidade.

  Há um ano, lastimava que "infelizmente parece serem os números do desemprego que estão a fazer despertar os responsáveis europeus para encarar com urgência a questão do crescimento".

  Hoje, os números impensáveis que esse drama atingiu, não só em Portugal em outros países do Sul da Europa, batem com toda a força à porta dos decisores que parece terem finalmente despertado para o desastre das terapias prescritas pelas troikas nos diversos países em que intervieram.

  Há um ano, esperava-se muito da "redução estrutural da despesa resultante da renegocição de contratos com margens de lucro previamente asseguradas, bem com as relacionadas com as energias renováveis". Além disso, considerava-se inadiável "avaliar a possibilidade e o caminho da renegociação das parcerias público-privadas".

  Ninguém duvidava da complexidade destes dossiês e todos pressentiam que a redução da despesa com origem nestas alterações teria efeitos recessivos na economia muitíssimo menores do que os provocados pela redução dos salários e pensões.

  Hoje, pouco se fala do assunto, mas ele mantém-se atual.

  Há um ano, o título que dei ao texto - "Correção da estratégia?" - traduzia a esperança de que a troika poderia alterar a política que tinha desenvolvido para o país.

  Sabe-se que nada disto ocorreu e, nessa medida, hoje, pode ser feita a mesma pergunta com redobrada premência quando está em curso a sétima avaliação.

  Sempre defendi que o acerto ou desacerto de uma política se mede e avalia pelos resultados alcançados e não pela fama das teorias económicas, quaisquer que elas sejam, que alicerçam as medidas adotadas e desprezam as consequências que delas resultam.

  Há um ano, esta última posição fazia o seu caminho, numa cegueira e teimosia cujas consequências hoje são indesfarçáveis.

  Foi a época do princípio "contra argumentos não há factos".

  Hoje os resultados económicos e o das eleições em Itália não deixam dúvidas sobre a perceção que os cidadãos têm das políticas que lhes têm imposto.

Esperemos ter entrado na fase de "contra factos não há argumentos".

 

Mudança de rumo

João Bosco Mota Amaral

  A anunciada inflexão da política do Governo, encoberta com as habituais juras de que tudo se mantém igual, é motivo de moderada esperança para a comunidade nacional. Foi, por fim, oficialmente reconhecida a necessidade de mais tempo e mais dinheiro para superar a crise em que Portugal tem vindo a afundar-se. E mesmo assim não vai ser fácil sair dela, tanto se agravaram situações como o desemprego e a própria dívida pública, atingindo já números assustadores.

 Sempre me pareceu imprudente decretar, num quadro recessivo prolongado, a incapacidade do Estado para manter os serviços públicos essenciais, com destaque para a saúde e a educação, mas incluindo a segurança social e até a defesa e a segurança pública. Com a economia sufocando e o desemprego a disparar, as receitas do Estado tombam. Se se conseguir impulsionar o crescimento haverá mais gente a trabalhar e a pagar impostos, mais consumo e investimento e a receita pública aumentará, melhorando as condições de sustentabilidade das despesas sociais e outras. Se porventura no imediato é preciso fazer sacrifícios - e eles estão a ser feitos, com heróica tenacidade pelo povo português mais avisado é remeter para dias melhores as modificações da estrutura da despesa pública e das próprias funções do Estado.

  Portugal enfrenta um sério problema de competitividade da economia nacional. Mas a única via de solução não é decerto baixar os salários, como se está fazendo, porque haverá sempre países onde são inferiores. Na Finlândia, que é apenas o terceiro país mais competitivo do mundo, o salário nínimo é cinco vezes superior ao nosso; mas o que aqui não anda e amarra a iniciativa privada e inferniza a vida dos cidadãos, lá funciona.

  Sendo o nosso país um dos membros fundadores da zona euro, os nossos problemas revestem uma óbvia dimensão europeia. Requer-se por isso um discurso político renovado com os nossos parceiros, que ponha em evidência os problemas aqui sentidos e propugne pelas respostas solidárias que reclamam. Aliás, não faltam, infelizmente, situações parecidas com as nossas, algumas ainda disfarçadas, de modo que se afigura viável gerir em conjunto o esforço de inflexão da política europeia de austeridade. Se nos limitarmos a repetir que não precisamos de mais ajuda, ninguém obviamentente irá tomar a iniciativa de nos ajudar. Arvorar suficiência permite ficar bem na fotografia; mas a realidade subjacente é que não se recomenda e está a desalinhar das previsões governamentais.

  O momento é difícil e exige, dos responsáveis do Estado, cabeça fria e decisões prudentes. Nas hodiernas democracias participativas e de opinião, fortemente mediatizadas, a legitimidade eleitoral dos governos está constantemente desafiada a confrontar-se com a eficácia das políticas adotadas e a satisfação e confiança dos cidadãos. Não se deve, por isso, desvalorizar os sinais de rejeição e desrespeito que por aí vão lavrando como fogo em pradaia. Fortalecer a honra e a credibilidade das instituições democráticas - é preciso!

 

Desafortunadamente, não parece crível que estas palavras avisadas sejam tomadas em conta por quem está a (des)governar o país e, muito menos, por uma troika que  se limita a obedecer cegamente aos interesses da Alemanha, de mais uns quantos "falcões" do Norte da Europa e, clarissimamente, do apátrida  e ganancioso capitalismo financeiro.

O debate quinzenal hoje ocorrido na Assembleia da República evidenciou que os sinais de inflexão não terão consumação prática adequada e suficiente. As notícias vindas da troika prenunciam "mais do mesmo" em termos de austeridade, e um "pequenito doce" nos prazos de ajustamento do déficit e de pagamento da dívida que em nada resolverão o "amargo de boca" que nos vai alastrando.

Para "ajudar à festa", ficámos também hoje a saber que o Presidente da República, depois de semanas de silêncio, nada tem a acrescentar ao que disse em Janeiro sobre o mau caminho que estamos a tomar; a não ser que trabalha 10 horas por dia de segunda a sexta e às vezes também trabalha ao fim-de-semana.

Tudo razões para perspectivarmos com muita apreensão as cenas dos próximos capítulos.

Rui Beja

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publicado às 23:45

O direito à indignação

José Carlos de Vasconcelos defende o direito à manifestação popular legítima e sem violência, de protesto perante a irracionalidade das fracassadas medidas de austeridade impostas pela troika e zelosamente cumpridas ou até ultrapassadas pelo Governo, na Visão de 28 de Fevereiro de 2013

 

Homem de cultura, poeta, jornalista, jurista, e director do Jornal de Letras, José Carlos de Vasconcelos acompanha e participa na actividade política desde os tempos em que foi dirigente da Associação Académica de Coimbra. Intransigente defensor do regime democrático, foi advogado de personalidades julgadas pelo Tribunal Plenário durante o período do Estado Novo e, depois da instauração da democracia, deputado pelo PRD - Partido Renovador Democrático. Como jornalista e analista político, mantém a linha de pensamento que o notabilizou na defesa das liberdades, direitos e garantias que caracterizam os regimes democráticos.

A crónica que aqui transcrevo é bem representativa do pensamento do seu autor, por quem nutro a muita consideração e estima consolidadas numa forte relação profissional e pessoal vivida, ao longo dos anos, no mundo dos livros.

E obviamente porque partilho a defesa do inalianável direito à indignação e à sua expressão pública sem violência e com civismo.

 

Quem avalia a troika?, apetece perguntar agora que os troikanos voltaram para a avaliação que se diz ser a mais importante. Até agora, eles sempre deixaram elogios aos indígenas, como tinha de ser, porque estes sempre cumpriram religiosamente as suas ordens. Ou mesmo as ultrapassaram, na ortodoxia das receitas, nos excessos da «austeridade», na irracional imposição de medidas tão tremendamente nocivas como injustas, no desprezo pelas críticas e pelos alertas para a situação a que com elas seríamos conduzidos e na qual de facto nos encontramos.

  É evidente que este Governo tinha uma missão muito difícil e poderia não atingir os objectivos desejados. Mas não se trata apenas de não os atingir,de falhar todas as previsões, de errar e errar com arrogância - trata-se, sim, de estarmos cada vez pior e mais longe deles. Enfim, o Governo foi forçado a reconhecer uma pequena parte do seu monumental falhanço e diz que vai pedir mais um ano de prazo para os novos cortes. Não chega: tem de haver uma renegociação da dívida, que passa por prazos maiores mas também por juros menores; e tem de haver novas políticas. Ainda há dias Paul Krugman uma vez mais condenava a irracionalidade destas políticas de austeridade (quanto mais severa pior a recessão...), que fazem os seus defensores parecerem cada vez mais «insolentes e delirantes».

  A avaliação do Goveno pela troika não significa nada, pois não passa de uma espécie de juízo em causa própria. E a avaliação da troika, como a do Governo, só pode ser feita através dos resultados, que são muito maus, e pelos portugueses. Em eleições, quando as houver; e antes delas, através das outras formas que a democracia propicia, entre as quais as manifestações de rua. Como foi a de 15 de Setembro de 2012, um autêntico «marco» a assinalar o pensar e o sentir do País, nesta emergência nacional, e como será a do próximo sábado.

 

ENTRETANTO, O POVO TEM direito àindignação - e a exprimi-la. Sem violência, com civismo. O direito à indignação e o direito à esperança são dois direitos fundamentais. Direitos que em certas circunstâncias a cidadania transforma também em deveres. Assim, creio ser legítimo, natural, que a indignação se manifeste quando está presente um membro do Governo, sobretudo se for dos mais contestados. Cantar, então, a Grândola, representa uma bela forma do exercício simultâneo do direito à indignação, pelo protesto que cantá-la nessas condições significa, e do direito à esperança, pelo símbolo virado para o futuro que a cantiga do José Afonso continua a ser.

  Constituirá, no entanto, um atentado à liberdade de expresão fazê-lo em termos de levar um membro do Governo a ser ou a sentir-se impedido de usar da palavra numa intervenção pública? A questão pôs-se a propósito de dois episódios com Miguel Relvas e não fujo a ela: a minha resposta é, quanto a esses episódios, negativa, por várias razões que aqui não cabem. Embora julgue ser mais curial que, dado o recado e transmitida a mensagem que com o cantar a Grândola se visa, não prolongar a contestação. Mais do que considerar que tais manifestações limitam a liberdade de expresão dos governantes - o que chega a ser um pouco caricato, dado estarem eles sempre a «exprimir-se» e em geral antes de falarem já se saber até o que vão dizer -, deve-se considerá-las exercício da liberdade de expressão por parte de quem só nessas ocasiões, e só para protestar, tem acesso aos media.

 

IMPÕE-SE, PORÉM, DISTINGUIR situações, intervenções e até membros do Governo - a generalidade deles da troika interna - Passos, Gaspar e Relvas. Em particular este, cuja continuação no Executivo revela, da parte do primeiro-ministro e da sua, pelos motivos que se conhecem, um lamentável desrespeito pela vontade dos portugueses, se não constitui mesmo uma afronta. Por isso, porque a sua presença no Governo é percecionada por muitos como uma espécie de «provocação», e como após uma fase em que teve a sensatez de não aparecer agora se exibe em vários palcos, os protestos são e decerto serão cada vez mais veementes - com a compreensão, ou mesmo aplauso, julgo eu, da imensa maioria dos portugueses...

Rui Beja

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publicado às 18:05

Infâmia, vexame e inconsciência ultraneoliberal

 Desabafos de indignação face à inconcebível, inaceitável e premeditada destruição socioeconómica de Portugal e dos portugueses, perpetrada pelo "(des)governo do nosso país" em conluio com os "falcões da União Europeia" e os "esbirros da troika"

   

Taxa de desemprego (in Público de 13Fev2013)          Evolução do PIB (in Público de 14Fev2013)
 

Desemprego: falta de emprego; perda de lugar que desempenhava.

Brutal: desumano, incivil.

Infâmia: acto ou dito que revela sentimentos vis; descrédito; calúnia, aleive.

Vexame: vergonha; escândalo, desonra, afronta; opressão.

Inconsciência: falta de responsabilidade moral; acto que a consciência deve reprovar; desumanidade.

Ultraneoliberal: que defende a desregulamentação e rejeita a intervenção, ainda que limitada, do Estado.

 

Tanto que há para desabafar sobre a loucura como, com total desprezo pelo presente e pelo futuro dos portugueses, está a ser feita a consolidação orçamental no nosso país! Tanta indignação que é suscitada pela mentira, hipocrisia e soberba com que se nos dirigem aqueles que (des)governam Portugal e aqueles outros que - de portas escancaradas por Passos, Gaspar & C.ª - ditam o que tem de ser feito para servir os seus interesses e as suas tenebrosas teorias! E, no entanto, tão difícil que é encontrar palavras que não tenham já sido ditas pelas mais autorizadas e credíveis vozes que, independentemente de filiações ou simpatias político-partidárias, têm, de forma consubstanciada, alertado para a criminosa política económica e a trágica destruição social que estão a ser deliberadamente levadas a cabo pelos ultraneoliberais que tomaram contam do nosso país.

 

Porque quem cala consente, porque não gosto que me façam de tolo, e porque a palavra escrita continua a ser o instrumento de denúncia mais temido por quantos actuam com pérfida má-fé, deixo aqui registado que não me resigno a um fado que não pode ser o nosso, e que não me entrego à comodidade de pensar que não vivo [ainda?] a situação dramática que desabou sobre tantas e tantas famílias. Enfim, que assumo ter idade e experiência de vida que me permitem fazer coro com aqueles que, com critério e conhecimento de causa, afirmam sem tibiezas que o actual poder executivo perdeu legitimidade política para se manter em funções e, a cada dia que passa, mais contribui para o descalabro perigosamente irreversível da sociedade portuguesa.

E não, não me venham dizer que ou é assim ou é o caos porque pode não haver alternativas democráticas maioritárias, porque a senhora Merkel vai amuar, porque os "mercados" nos vão estrangular, porque... blá, blá, blá!!! Não, porque as coisas não são assim, o mundo não é a preto e branco, e, não nos esqueçamos, porque o gang [a palavra inglesa que significa "grupo"] ao qual estamos entregues, ainda não acabou o seu objectivo de destruição; basta pensarmos no famoso corte de 4 mil milhões de euros, a que outros se seguirão, lembrarmo-nos que têm em mente tornar definitivo o corte nas pensões e nos salários da função pública, tomarmos consciência do que significa a meta de 14% de desemprego estrutural definida por esta troupe [a palavra francesa que significa "grupo de artistas que actuam em conjunto"] e, cereja em cima do bolo, recordarmos o desmembramento do Estado Social a que se lançaram como "gato a bofe".

 

Não me venham falar no "desvio colossal", na "pesada herança" que os (des)governantes de agora juraram nunca serviria de desculpa porque sabiam muito bem qual a situação em que o país se encontrava quando decidiram chumbar o chamado "PEC 4" e afirmaram estar mais do que cientes do que era necessário fazer para, cortando simplesmente nas "gorduras do Estado", pôr o país no rumo certo.

Porque não tenho memória curta, não esqueço que, além de terem forçado o recurso à ajuda externa, foram signatários do memorando acordado com a "troika", disseram que o respectivo conteúdo correspondia ao seu programa de governação e, pasme-se, chegaram ao ponto de apregoar, alto e bom som, que iriam mais longe do que o estabelecido no memorando porque assim conseguiriam melhores resultados.

Não me esqueço igualmente, acho que ninguém se esquece mesmo que se queira fazer de esquecido, dos chavões e mentiras usados pelo então candidato a primeiro-ministro, aquando da campanha para as eleições legislativas de 2011, para mais facilmente tomar de assalto o poder e perverter o seu exercício; para que não restem dúvidas, aqui fica o link para um bem elaborado e bastante completo "auxiliar de memória", que alguém denominou «Eis um homem para ser levado a sério»: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=SWKerbNIQcU# .

  

Também não aceito a teoria do "crime e castigo": os portugueses portaram-se mal, não souberam aproveitar as oportunidades que lhe foram propiciadas, gastaram acima das suas possibilidades, endividaram-se sem fazer contas à capacidade de solvência dos compromissos que assumiram, e agora não podem querer que sejam os alemães a sacrificar-se para os ajudar ou os "mercados" a assumirem os prejuízos, porque "quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga".

Não aceito porque se trata apenas de meia verdade. Os portugueses partiram, em Abril de 1974, de uma situação calamitosa em termos de educação, de cultura, de saúde, de infraestruturas básicas e de tudo o mais que qualifica um país democrático e desenvolvido. Desde então, Portugal acolheu um milhão de retornados das ex-colónias, criou um Serviço Nacional de Saúde exemplar, progrediu substancialmente no Sistema de Educação e no nível cultural, desenvolveu o esquema de Segurança Social, construiu uma importante rede de infraestruturas e... cometeu erros, como só não comete quem nada faz.

Não aceito porque, como é mais do que sabido, muitos se aproveitaram das nossas insuficiências básicas e do legítimo sonho de progresso rápido, ao nível da escala europeia, para fazerem os seus negócios chorudos e obscuros, sem, também eles, sopesarem como era seu dever os riscos que estavam a correr. E neste "eles", surgem em primeiro lugar, não por simples casualidade, a Alemanha e os ditos "mercados".

A Alemanha, por mais que queira, não pode esquecer as duas guerras mundiais que provocou no século XX, tem obrigação de se lembrar que deve àqueles a quem agrediu os enormes apoios que recebeu para se reerguer das cinzas, e não pode apagar do mapa da história que levou quarenta anos para pagar as ajudas financeiras que recebeu; como não se pode também fazer de esquecida  relativamente aos benefícios que colheu da criação da moeda única, em prejuízo de países de economia mais frágil como é o caso de Portugal.

Os "mercados", não passam, por mais que os procurem branquear, de uma forma sofisticada para denominar o capitalismo financeiro - selvagem e ultraneoliberal - que, sem escrúpulos e pervertendo as mais elementares regras da economia de mercado, destrói riqueza e enriquece magnatas financeiros utilizando os mais nebulosos e corruptos esquemas de fraude e abuso de poder; atente-se na drástica mudança de comportamento que tiveram em relação aos juros da dívida portuguesa, não porque a relação entre o nosso endividamento e a nossa capacidade de gerar meios para o solver tenha melhorado (bem pelo contrário), mas simplesmente porque a senhora Merkel foi forçada a "fechar os olhos" às medidas de protecção do euro tomadas pelo Banco Central Europeu.

  

Finalmente, o mais importante. Que se pode esperar do desemprego brutal que temos e daquele (os tais 14% estruturais) que nos "recomendam"? Como é possível aguentar um primeiro-ministro que fala destes números como se falasse na classificação de um clube de futebol e, com a maior ligeireza, avisa que ainda irá piorar ao longo deste ano? Como se pode esquecer o drama financeiro e psicológico de novos e velhos que, além de não encontrarem emprego, vêem ser-lhes vedado o acesso ao respectivo subsídio? Como podem sobreviver as famílias que têm todos os seus membros em situação de desemprego? Que perspectivas podem ter os nossos jovens que não encontram hipóteses na emigração? Que futuro está reservado para as gerações maduras que assistem à partida dos jovens mais qualificados e à degradação demográfica do seu país? Que consequências devastadoras se podem esperar da aniquilação a que estão a ser sujeitas as classes médias, aquelas que mais podem contribuir para a democracia e progresso do país? Que esperança e que condições são propiciadas às classes mais desfavorecidas para que aspirem e trabalhem no sentido de progredirem no patamar socioeconómico?

 

Não, não aceito que tudo depende da vontade de Passos, Gaspar & C.ª e que, dentro do nosso (des)governo, dentro dos partidos da maioria, todos tenham de estar tolhidos pela chantagem do "ou é assim ou é o caos". Não, não aceito que haja ministros que mandem recados para a comunicação social sugerindo que não concordam mas... não há alternativa.

Há alternativa. Batam-se por ela. Imponham que o prazo para pagar a dívida seja alargado, para que os juros sejam revistos em baixa, para que a coesão na Europa não seja uma ficção. Lutem para que a situação socioeconómica não se degrade ainda mais por via das muitas medidas de contracção que se anunciam e das nenhumas acções para o crescimento que se conhecem.

E se não tiverem resultado, o que custa acreditar porque ninguém - na União Europeia, no BCE e no FMI - está interessado num falhanço abrupto e estrondoso de Portugal, peçam a demissão, abandonem o (des)governo e apresentem-se de consciência tranquila e cabeça levantada. Porque Portugal não vai entrar em desgraça se o (des)governo cair. Portugal e os portugueses têm a temer, sim, se nada for mudado... e quanto mais depressa melhor!

 

Dito isto, e quanto mais não haveria para dizer, surge a questão inevitável, relativamente à qual quem de direito não responde nem tira as devidas consequências:

O REGULAR FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES ESTÁ ASSEGURADO?

Rui Beja

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publicado às 12:30

O Chico da Terrugem

Reflexões políticas com sabor a Alentejo - 3

Rui,                             

Na sexta-feira passada foi o aniversário do Mário Gomes, um antigo colega de emprego. Tu chegaste a conhecer o Mário Gomes no tempo, que já vai longo, em que íamos uma boa parte das férias de Verão para a Quinta da Balaia e passávamos as manhãs a esforçar-nos por melhorar o ranking do nosso ténis: era um casal simpático, com dois filhos, um rapaz e uma rapariga, que tinham tanto de magérrimos como de traquinas. Ficou-me na memória o dia em que um deles, sem darmos por isso, concentrados que estávamos no bem suado afã de colocar, com êxito, a bola no outro lado da rede, nos entrou pelo court dentro e acendeu as luzes; custou-nos bem cara a brincadeira pois tivemos que pagar o suplemento da iluminação.

O almoço, que juntou umas 16 pessoas, teve lugar num restaurante brasileiro na Rocha Conde d’Óbidos; é sempre bem simpático voltar-se a conviver, ainda que por breves horas, com pessoas de quem se gosta, que fizeram parte integrante do nosso dia-a-dia, e que estamos, às vezes, anos sem ver.

 

Após o almoço, tal como estava combinado, fui encontrar-me com o Chico no Museu Nacional da Arte Antiga, Piso 1, Sala 61, diante d’As Tentações de Santo Antão’ de Hieronymus Bosch.

- Este tríptico fascina-me. – começou o Chico mal me viu - Repara na extremamente bem cuidada organização do espaço cénico onde se expõem, qual banda desenhada de feição modernista, as várias estórias que relatam a vida do santo. Terei passado aqui mais do que uma hora, em êxtase, empregando como ferramenta tudo o que já li e estudei e meditei, esforçando-me por não deixar escapar o mínimo detalhe, por lograr decifrar o máximo da sua simbólica - o que, reconheço, é manifestamente irrealizável pois o tempo se encarregou de sepultar muitas das imprescindíveis chaves de acesso.

 

- Este é, Chico, o teu quadro preferido?

- Um dos top ten, sem dúvida. Na linha da frente ‘Os girassóis’ do Van Gogh, ‘A Ronda da Noite’ do Rembrandt, ‘As Meninas’ do luso-descendente Velasquez e, claro, os nossos Painéis. O Eça escreveu nas ‘Notas Contemporâneas’: ‘A Arte é tudo, tudo o resto é nada’. Alguém seria capaz de imaginar que, em meados do século XVII, numa Espanha absolutista, ao ser contratado para pintar a família real, um pintor tivesse a ousadia de relegar as figuras do rei e da rainha para o fundo do quadro, apenas visíveis porque refletidas por um espelho minúsculo, e decidisse colocar em primeiro plano um cão e um casal de anões?

 E já agora, que estamos a falar em Arte e em Pintura e em quadros, poderíamos também falar em dinheiro. Os portugueses, enquanto povo, não têm mesmo jeito nenhum para o negócio, não são capazes de aproveitar as oportunidades, as mais das vezes irrepetíveis, que se lhes deparam. Calma, calma, eu já te explico. Foi, ou não foi exaustivamente badalada a história da velhinha que, numa terreola qualquer perdida no meio de Espanha, pretendendo que estava a restaurar um ‘Ecce Homo’, borrou de tal forma a pintura que deu à luz um mamarracho? Muita polémica à volta do caso, ai meu Deus que desgraça, e agora? Só que, depois, imperou o bom senso: vamos tirar partido disto, tivemos publicidade à borla, é só aproveitar a boleia. Não esconderam o mamarracho, consentiram na sua exibição e passaram a cobrar 1 euro por cada visitante. Sabes quanto fizeram só nos primeiros quatro dias? Pois, meu amigo, 2.000 euros.

 

- O. K. Chico mas que tem isso a ver connosco?

- Já te explico. Vamos sair do Museu, está bem? Não é local apropriado para divagações. Proponho-te que andemos um pouco a pé, até ao Cais do Sodré, e que aí apanhemos o Metro. Continuemos a nossa conversa a andar, sejamos peripatéticos. Era assim que se chamava à escola de Aristóteles na Antiga Grécia, não era?

Voltemos à questão do fazer dinheiro. Quantos visitantes viste hoje, sexta-feira, no Museu? Uns 10, uns 15? Provavelmente nem tantos. Há pouco referi-te, como fazendo parte dos meus top ten, ‘Os Painéis’. Com certeza que sabes que os Painéis também têm um Ecce Homo: uma das figuras do Painel dos Pescadores tem, tal qual, o fácies do Dr. Salazar. Será que é assim desde que, no século XV, os Painéis foram pintados ou é aldrabice proveniente de restauros encomendados? Em 1932 Leitão de Barros, o cineasta, que era então diretor do Notícias Ilustrado, fez publicar que se tratava de uma premonição, de um milagre: no distante século XV já estava superiormente decidido que, no século XX, um novo Pescador, não de homens mas de finanças públicas, que saberia o que queria e para onde ia, estava destinado a salvar Portugal. A ser isto verdade não faz muito sentido que essa premonição estivesse tão somente circunscrita ao século XX; terá, forçosamente, que contemplar também o século XXI.

É por isso mesmo que, neste momento de profunda crise económica neste país, eu pergunto: quem é o novo Ecce Homo anunciado pelos Painéis? Onde está ele? Que figura o representa? Onde se esconde? Existe nos Painéis alguém parecido com o Dr. Passos? Ou com o Dr. Portas? Ou com o Dr. Seguro? Ou será com o Dr. Costa? Imagina só a série de colóquios internacionais que seria possível organizar envolvendo especialistas forenses de todo o mundo, técnicos de restauração, maquilhadores, eu sei lá, transmitidos em direto e em diferido pelas Eurovisões, pelas Mundovisões, mais programas do tipo ‘prós e contras’, mais um sistema de apostas mútuas tipo totobola, diz-me lá quantos milhões de turistas não rumariam a Portugal, que dinheiro não entraria nos cofres do Estado?

Só um receio, direi mesmo um grande receio, eu tenho e quero partilhá-lo contigo: é que a terra espanhola do Ecce Homo chama-se Borja e, nestas coisas do exotérico, existe sempre uma qualquer relação subjacente e eu temo bem que Borja em português queira significar Borges e que nos acabe por sair na rifa, como salvador, o Dr. António Borges.

 

- Engraçadinho o meu amigo Chico! A propósito do ’sei o que quero e para onde vou’ chegaste a ler o que o Rui escreveu no blog?

- Li-o, sim senhor. Li-o a primeira vez em silêncio, tal como um monge, no recolhimento da sua cela, recebe em êxtase, a transfusão do verbo divino. Formidável é que, à medida que prosseguimos na leitura, nos vamos sucessivamente apoderando de cada uma das três palavras-chave, de cada uma das três ideias-força, Estado Novo, Estado Social, Troika, e passamos a considerá-las nossas, porque é que não fui eu que escrevi isto? Pois é isto mesmo que deve ser dito, que deve ser exigido, aquilo por que se deve lutar e, ao último ponto final, embalados, entusiasmados, apetece-nos voltar ao parágrafo inicial, e reler, e reler.

À segunda vez li o texto em voz alta, fingindo que era um orador por sobre uma tribuna, suficientemente consciente da responsabilidade enorme que é transportar para a vida uma multidão apática e sem horizontes, metódica e cirurgicamente infetada com os vírus da Indiferença. E à medida que o ia lendo mais empolgado ia ficando até que, impercetivelmente, sem dar por isso, me transfigurei num Rouget de Lisle de teatro de bairro e, a mim, um velho pacifista militante, saiu-me o intemporal ultrafamoso ‘Aux Armes Citoyens!’ Diz, pois, ao teu amigo Rui que gostei, e muito, e que tenho pena de não ser capaz de me expressar, assim, com emoção; é a minha maneira de olhar para as coisas, como o tal marciano de que te falei uma vez.

 

- Mudando de tema, não me digas que também não achas que foi uma vitória para Portugal, tanto conseguir prorrogar o prazo da dívida como as taxas obtidas na ida aos mercados.

- Terás provavelmente razão; disporás, eventualmente, de informação de que eu não disponho. Sempre ouvi o Sr. Primeiro-Ministro afirmar que ‘nem mais tempo nem mais dinheiro’. Estaria a fazer bluff? Não o creio. Os Primeiros-Ministros não fazem bluff, pois arriscam-se a perder a credibilidade. Que se terá passado? Precisaram de fundos para satisfazer um qualquer compromisso não previsto e preferiram solicitar o adiamento do resgate a ter que ir contrair um novo empréstimo a uma taxa mais elevada? A existir, de que compromisso se tratará? Ignoro. Quanto à ida aos mercados, foram porque precisavam de dinheiro ou simplesmente para testar a reação dos mercados? Os mercados reagiram bem só porque confiaram no aval implícito do BCE. Se foram aos mercados porque precisavam mesmo de dinheiro será que a necessidade surgiu agora, ou já se sabia há algum tempo? E se não fossem aos mercados o que é que se passaria? Creio que, pura e simplesmente, tudo não passou de uma bem orquestrada operação de propaganda.

Tal qual este ultimato à CGD e à TAP no referente aos cortes nos salários. Porquê agora? O Governo já não teve todo o tempo para falar, para transmitir as suas decisões aos responsáveis de ambas as empresas? Claro que teve, claro que tudo já estava decidido. Mas ao Gabinete de Intoxicação convém inventar estes não-acontecimentos, estas pseudonotícias, para que as televisões as publicitem e iludir assim os Bem Amados Cidadãos Eleitores mostrando quão teso é o Governo, que até aqueles tipos da CGD e da TAP, que se julgam uns reizinhos, até esses não fazem farinha com o Governo. Mais propaganda. E ainda há uns tantos comentadores que se atrevem a afirmar que este Governo lida deficientemente com a Comunicação Social. Balelas, meu caro!

Já imaginaste o Sr. Primeiro-Ministro de manhã, a fazer a barba, que eu acho que os Srs. Primeiros-Ministros também fazem a barba, e olhar-se para o espelho e interrogar, apreensivo, a imagem refletida: Quanto tempo ainda poderá durar esta farsa? E, depois, que será de mim? Serei capaz de me safar como os outros?

 

- Mas há, pelo menos, uma decisão acertada, que mereceu a concordância de todos os quadrantes políticos: o adiamento da privatização da RTP.

- Ah! É verdade, a privatização da RTP. O pintor surrealista belga René Magritte, lá estou eu outra vez a falar de pintura, a ida ao Museu da Arte Antiga faz-me ficar assim, dizia-te eu que o Magritte pintou um cachimbo e, por baixo da pintura do cachimbo, escreveu ‘isto não é um cachimbo’. Imagina tu que ‘Privatização da RTP’ também é um objeto. E que um qualquer Magritte do nosso tempo pinta num quadro esse mesmo objeto, mas não lhe acrescenta a frase ‘isto não é a Privatização da RTP’. Quando tu tivesses ocasião de olhar para o tal quadro, numa galeria ou num museu, dirias, de ti para ti: olha a Privatização da RTP. Mas estavas enganado: o que tinhas na tua frente e estavas a contemplar era tão somente uma imagem, uma representação, não era a Privatização da RTP.

O Dr. Passos Coelho é Primeiro-Ministro de um Governo que é a cordilheira do Himalaia de problemas e de incompetências, mas as suas bem merecidas horas de sono só eram perturbadas pelo que se passava com dois dos seus Ministros: o Dr. Portas e o Dr. Relvas. O Dr. Portas porque, desde o princípio, não ficou lá muito satisfeito com o facto de lhe ter sido atribuído o número 3 na hierarquia do Governo e também porque se tem fartado de engolir cestos e cestos de sapos vivos, ou porque é literalmente ignorado ou porque é constantemente driblado. O Dr. Portas vinha suportando estoicamente todas as humilhações mas um dia qualquer poderia muito bem vir a dar um murro na mesa e gritar: ACABOU-SE! 

Quanto ao Dr. Relvas, por força das milhentas trapalhadas em que se envolveu ou em que o envolveram, era o chamado elo mais fraco do Governo, sendo o alvo diário de todo o tipo de chacotas, com assinatura permanente no rol dos remodeláveis a curto prazo. Mas o Dr. Relvas não pode ser remodelado porque o Dr. Relvas é o grilo do Dr. Passos Coelho e os grilos remodelados não servem para aconselhar Srs. Primeiros-Ministros. Muito legítima a preocupação do Dr. Passos Coelho. Que fazer? Decide, então, reunir de emergência com os dois Ministros-problema e com o Gabinete de Intoxicação e, muito frontalmente, exige-lhes remédio para as suas insónias. O remédio não tarda a aparecer: chamou-se Privatização da RTP. Privatização da RTP? Que disparate! – gritam em uníssono o sr. Primeiro-Ministro e ambos os srs. Ministros. Cai-nos todo o mundo em cima. Não, não, isso não pode ser.

Minutos depois, já calmos, é-lhes revelado o sinistro plano: Nunca ninguém pensou em privatizar a RTP, é só um faz-de-conta!  Todos concedem o necessário affidavit ao plano e é marcada a data de arranque, que se iniciará com o sr. Ministro Relvas, o mau da fita, a fazer ainda de mais mau. É dele que sairá o mote, primeiro sub-repticiamente, depois já com conferências de imprensa e percentagens do capital a alienar e timings e tudo. Como previsto, os ataques surgem de todo os lados; o Dr. Relvas, sereno, continua a debitar o seu guião. É então o momento do vizinho de um cunhado de um assessor do Dr. Portas vir a dizer que ouviu dizer que o Dr. Portas não concorda com a privatização da RTP; mais tarde é a irmã de um deputado do PP que afirma que o Dr. Portas ainda não bateu com as ditas (as ditas portas) porque não queria mergulhar o seu querido país numa grave crise política. Depois é o próprio Dr. Portas a dizer que é preciso refletir melhor sobre o significado do chamado serviço público de televisão, etc. e tal. O Dr. Relvas, esse, prossegue a sua saga, indiferente à poeira levantada pelos cavalos dos índios. O PSD, o Partido, faz de coro, mas surdo-mudo. O Dr. Portas começa a levantar a voz, a Comunicação Social, qual bando de necrófagos, agita-se, prepara-se para o lauto repasto. Mas todo o encenador prevê um fim para o seu show, as mais das vezes com happy ending.

E o final chega, enfim, e soltam-se foguetes de contentamento: não há privatização da RTP, o Mau é castigado, é humilhado, precisamente no último quadro da revista; o Bom foi ouvido e atendido, foram seguidos os seus conselhos. Após o cair do pano e o acender das luzes, começa a debandada dos pobres espetadores, condenados não se sabe até quando a serem comparsas passivos destas miserandas operas bufas, e podemos escutar os comentários finais: Pronto, já estou satisfeito. Eu não te dizia? O Relvas acabou por se lixar (Acabou por se lixar, uma porra! - comentário meu). E o Portas? Viste o Portas? Afinal o Portas não está lá só para fazer número. O Portas tem tomates (Não são tomates, são submarinos! – comentário meu). Posfácio da opereta: o bom povo está domesticado (Durante quanto tempo? – comentário meu). O sr. Primeiro-Ministro já pode deixar de ter insónias.

 

- Em que paragem queres sair?  

- Como apoteose deste nosso encontro proponho-te que nos apeemos no Rossio, que cumprimentemos o imperador Maximiliano do México travestido de D. Pedro IV, e que, exatamente em homenagem ao mesmo D. Pedro IV, nos dirijamos à velha Tendinha para saborearmos uma bifana grelhada e beber um copo de vinho verde. Sabes que a Tendinha foi fundada em 1840, quatro anos depois da Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV em 1826 ter sido abolida pela 2º vez e dois anos antes de ter entrado em vigor pela 3ª vez?

 

Com um forte abraço do

               Zé

                                                                                    Lisboa, 31 de janeiro de 2013.

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publicado às 23:48

Bater o Pé

14.12.12

Detesto que se façam coisas porque a troika mandou

Teodora Cardoso diz que cabe a Portugal resolver os problemas, à TSF em 13 de Dezembro de 2012

 

Num momento em que se torna premente decidir a mudança da postura que o actual Governo tem assumido, relativamente às medidas draconianas de austeridade cega que levam em cada dia que passa ao empobrecimento irreversível do país e dos portugueses, é do maior interesse atender às palavras sabedoras da credenciada e experiente economista Teodora Cardoso.

 

Como refere a notícia publicada pela TSF Online "A presidente do Conselho das Finanças Públicas entende que é preciso saber bater o pé aos credores internacionais...", acrescentando sem rodeios: "É uma coisa que detesto: fazer-se porque a troika mandou. Temos de perceber e discutir com a troika quando acharmos que o que nos estão a dizer para fazer nao é o melhor para fazermos".

 

Relativamente à relação entre as medidas tomadas para a Grécia e as que conviriam a Portugal, defendeu que as soluções devem ser adoptadas conforme as circunstâncias existentes em cada país e, frisando que não vivemos uma situação semelhante à da Grécia, acentuou que "É muito discutível até que ponto são benéficas para a própria Grécia, porque, no fundo, quando há medidas de favor, porque a situação está incontrolável, essas medidas não são boas para o país".

 

Lembrou ainda que Portugal "conseguirá melhorar as taxas de juro da dívida e os prazos tanto mais quanto melhor conseguirmos consolidar as finanças públicas e a administração pública e gerir bem a dívida pública" e acrescentou "Por isso vamos chegar lá de uma maneira segura e duradoura. Doutra maneira, andamos a discutir como meninos da escola. Não é o caminho". Considerou também que Portugal se "preocupa demasiado" com a troika, que "não vai resolver os nossos problemas", uma vez que na sua opinião será Portugal a ter de os resolver.

 

Finalmente, no que se refere às medidas para reforma do Estado, que o Governo vai anunciar em Fevereiro, a economista espera que o Executivo pense que "não é pela via das medidas pontuais de curto prazo que vai resover problemas que existem há muito tempo e que vão demorar a resolver.".

 

Espero que o ministro das Finanças tenha capacidade para saber ouvir quem se pronuncia com provas dadas e que use o mínimo de bom senso para pôr fim ao experimentalismo que tem seguido sem pudor dos destroços deixados pelo caminho que vem trilhando em direcção ao abismo - chegarmos ao estado que deixaram a Grécia chegar, para só então renegociarmos o memorandum, não é uma solução, é criar um monumental problema económico-financeiro com efeitos socialmente devastadores.

 

Mudar não é nenhuma vergonha, mas insistir no erro é prova de má-fé ou de falta de inteligência. Habitue-se a bater o pé aos alemães. Olhe que eles até gostam mais de lidar com quem lhes dá luta com sentido, do que de tatar com meninos bem comportados que dizem a tudo que sim à espera de no fim ganharem um doce que nunca lhes chegará às mãos. Pode crer que sei do que falo.

 

Atentem, senhores governantes que nós, os portugueses, estamos bem cientes que os nossos problemas não residem no memorandum assinado com a Troika, mas nos interesses dos "traficantes de droga financeira" que depois de nos terem seduzido com "produto disponibilizado por hábeis passadores", querem agora, aproveitando-se do vosso "PREC ultraneoliberal", levar tudo o que temos e o que não temos para depois... escolherem a próxima vítima.

Rui Beja

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publicado às 17:11


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José Cardoso Pires escreveu, em adenda de Outubro de 1979 ao seu «Dinossauro Excelentíssimo»: "Mas há desmemória e mentira a larvar por entre nós e forças interessadas em desdizer a terrível experiência do passado, transformando-a numa calúnia ou em algo já obscuro e improvável. É por isso e só por isso que retomei o Dinossauro Excelentíssimo e o registo como uma descrição incómoda de qualquer coisa que oxalá se nos vá tornando cada vez mais fabular e delirante." Desafortunadamente, a premunição e os receios de José Cardoso Pires confirmam-se a cada dia que passa. Tendo como génese os valores do socialismo democrático e da social democracia europeia, este Blog tem como objectivo, sem pretensão de ser exaustivo, alertar, com o desejável rigor ético, para teorias e práticas que visem conduzir ao indesejável retrocesso civilizacional da sociedade portuguesa.

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