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NÃO, não quero um novo "ESTADO NOVO"

Porque a memória nem sempre é curta e porque não há "Estado Novo" sem nova ditadura

 

AVISO

A leitura deste texto não é aconselhável a quem suspire pelo regresso ao passado, nem a quem considere que se pode fazer política sem políticos, ou, dito de forma mais clara, quem não assuma que há um político em cada cidadão, ou quem não admita que no exercício da política há cidadãos honestos e desonestos como existem em qualquer outro tipo de actividade

 

Nasci em "Estado Novo" e nele vivi até aos 30 anos de idade. Casado e pai de 3 filhos que por cá ficaram, cumpria em Moçambique, como capitão miliciano, a "segunda dose" de 6 (3,5 + 2,5) anos de serviço militar obrigatório, quando numa cálida manhã de Abril recebi a notícia que tardava: já não vivia em "Estado Novo". Tinham então passado pouco menos de metade dos anos que agora tenho de vida, e... bastou!

Desde então, progressivamente e em especial após a adesão à então CEE, o poder político democraticamente instituído foi , em cooperação com a sociedade civil - com altos e baixos, sucessos e insucessos, acertos e desacertos; porque não há homens nem projectos infalíveis - tirando o meu país da repressão policial, da persecução censória, do analfabetismo e da miséria. Com nova mentalidade, abertura ao mundo, mais educação e cultura, melhor saúde, e a evolução do assistencialismo para a responsabilidade socialmente assumida, passei a viver em "Estado Social".

 

Por isso me causa calafrios este "jogo do empurra" entre "os três mosqueteiros ultraneoliberais" - na realidade quatro como reza a estória de Alexandre Dumas -  que, dizendo para em seguida se desdizerem, ateando o fogo para depois surgirem como heróicos bombeiros, mentindo para mais à frente fazerem tábua raza do que afirmaram, fingindo-se dialogantes para mais facilmente imporem a sua farça, estão pura e simplesmente a compor o puzzle - a coberto de uma bem explorada fragilidade da dívida soberana e no interesse do capitalismo financeiro - para criar sólidas raízes do que chamam a "adequação do Estado às nossa possibilidades financeiras": um "Estado Novo".

 

Não, não quero viver de novo em "Estado Novo"! Não tenhamos a memória curta. O "Estado Novo" em que nasci era dezoito anos mais velho do que eu. Nasceu em Maio de 1926, fruto de um golpe militar ditatorial, e logo em Junho chamou para a pasta das Finanças alguém que fizesse "a adequação do Estado às nossas possibilidades financeiras": António de Oliveira Salazar. Só que, passados treze dias, o ministro entendeu que não lhe estavam a dar as "condições necessárias" para cumprir o objectivo, pelo que não quiz saber de "crises", bateu com a porta e... adeus até ao meu regresso.

Voltou dois anos depois, em Abril de 1928, com plenos poderes para controlo sobre as receitas e despesas de todos os ministérios e afirmando na tomada de posse: "sei muito bem o que quero e para onde vou". Passado um ano o milagre financeiro estava conseguido, as contas públicas apresentavam saldo positivo à custa de rigor e austeridade levados aos limites com uma enorme mão de ferro. Salazar sabia o que queria e para onde ia. Os portugueses arcaram 48 anos com as consequências ditatoriais do seu querer e sofrem ainda hoje os efeitos da pobreza e do obscurantismo em que foram feitos viver.

 

A irreversibilidade que "os três mosqueteiros ultraneoliberais" colocaram de novo na ordem do dia, para que seja feita "a adequação do Estado às nossas possibilidades financeiras", constitui um mais do que evidente sinal de alarme. Não chegam os efeitos económica e socialmente devastadores da austeridade resultante das medidas contempladas no memorando assinado com "FMI+BCE+UE", e da sua aplicação de forma violenta, cega, e para além  do compromisso assumido; agora temos o famigerado "relatório" encomendado aos tecnocratas do "amigo FMI" para justificar (mal e com erros grosseiros) o "corte" de quatro mil milhões de euros no OE e assim dar a estocada final no "Estado Social". Porque temos de "refundar" seja lá o que fôr, para...  criar um "Estado Novo".

Mas atenção, a coisa é feita com requinte, vem acompanhada de um doce para apanhar os crédulos e os incautos: regressámos ao financiamento nos "mercados" mais cedo do que o previsto, já somos de novo um país "credível" mesmo não cumprindo as metas do deficit, tendo um nível de desemprego socialmente insuportável, um declínio económico dificilmente recuperável, uma dívida record de 120% do PIB, e a coesão nacional cada vez mais fragilizada. Uau!!!

 

Dito isto e com o saber de experiência feito, nosso e de tantos outros países que caíram nas mãos de uma qualquer "troika", há que tomar consciência que as ditaduras financeiras precedem regimes ditatoriais porque de outra forma não conseguem impor e manter o empobrecimento das classes médias e o completo sufoco dos mais desfavorecidos. Sucede que no mundo agora globalizado, o polvo que comanda este ataque à soberania dos Estados e à liberdade dos povos, não tem rosto, não habita em local certo e, não tendo nome, usa chamar-se "mercados". Actuam como negociantes de droga, têm ao seu serviço "grandes intermediários" e "pequenos passadores", e depois de criado o apetite e a facilidade no consumo agem como "gang financeiro".

 

Fazer uma verdadeira reforma do Estado sem prejuízo do respeito pela democracia e pelo "Estado Social", juntar esforços a nível internacional - e na União Europeia em particular - para asssumir o poder sobre os "mercados", é responsabilidade que compete e trabalho que se exige a políticos competentes e honestos; que os há, como em qualquer outro tipo de actividade, mas que têm de se assumir com energia e que actuar com transparência e credibilidade.

Não há tempo a perder. Não nos iludamos com o aparente alívio da pressão dos "mercados". Se nada for feito, a aplicação da "receita" prescrita no "Relatório (?) FMI" empobrecerá o país ainda mais e, brevemente, as "aves de rapina" voltarão a atacar, num círculo vicioso que não augura nada de bom.

Rui Beja

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publicado às 16:11

Um segundo memorando por interposto FMI

Artigo de opinião da autoria de António Bagão Félix, no Público de 12 de Janeiro de 2013 

 

Como afirmou o Presidente da República, “precisamos de recuperar a confiança dos portugueses. Não basta recuperar a confiança externa dos nossos credores”. Esta é sempre uma condição necessária, mas insuficiente. A confiança dos portugueses precisa de uma gramática política que potencie a esperança e o bem comum.

Custa-me apreciar um documento oriundo de uma respeitável organização internacional como se quase se tratasse de um diktat sobre um país em regime de ocupação. Custa-me perceber que o início da discussão pública sobre a “refundação do Estado” comece por um exercício calculatório, sem alma, sem história, ignorando a nossa idiossincrasia, feito para aqui como poderia ser desenhado para acolá.

Afinal qual a natureza deste documento? Uma proposta de segundo memorando, com tudo o que isso transporta de reconhecimento de insuficiência ou até de fracasso do primeiro? Um documento não oficial embora oficiosamente já com o selo do Governo? Um contributo apenas interno, mas que se “deixou” sair para ver no que dá?

Este não é o método adequado para fortalecer a unidade da coligação e favorecer o consenso social possível. É, aliás, um “cardápio” que tornaria como definitivas medidas do mesmo ou maior calibre das que o Governo tem defendido como constitucionais, argumentando com o seu carácter transitório.

Neste repertório de indistintos “cortes de talho” na despesa, há, naturalmente, pontos que merecem ser adoptados. Outros são bem mais controversos. Limito-me aqui à Segurança Social (SS) e ao volume de pessoal.

Parte-se da premissa de que a despesa com pensões é igual a qualquer outra despesa. Não é verdade. Uma pensão é uma transferência operada por via de leis e resultante de um contrato de confiança em que as pessoas transferem para a SS parte das suas poupanças para as receber mais tarde.

O regime previdencial é submergido num sistema social opaco, assistencial, unilateral. Fala-se do seu desequilíbrio, o que é falso. Compara-se o nível de despesa face à UE usando valores de 2010 e ignorando dois anos de forte austeridade. Minimizam-se os impactos das reformas já feitas, mais do que lá fora (consideração de toda a carreira contributiva, convergência dos regimes da função pública e privada, introdução de um factor de ajustamento automático da idade de reforma, etc.). Critica-se o caracter de menor redistribuição entre rendimentos no sistema contributivo de pensões, como se fosse esse o seu objectivo. Não perceberam (ou não lhes foi explicado) que na SS não se devem misturar realidades com funções distintas: o regime previdencial que confere direitos em função de uma lógica contratual e os regimes assistenciais e não contributivos onde, aí sim, se faz uma redistribuição em favor dos mais fragilizados. Se acham que o Seguro Social é uma “excrescência” digam-no claramente: acabava-se com a TSU, tudo seria financiado por impostos e todos os benefícios seriam sujeitos a condição de recursos. Agora não culpem os actuais pensionistas das regras que existiam e existem e não queiram retroagir efeitos devastadores sobre pessoas que já não têm alternativa de mudança nas suas vidas. O Seguro Social não é uma guerra entre ricos e pobres, como agora alguns iniciados na matéria dizem. Essa “guerra” deve fazer-se na progressividade fiscal e nas prestações sociais de carácter não contributivo.

Bom seria que estudos como o do FMI descessem da macro visão para as consequências na vida das pessoas. Por exemplo, um pensionista de 1000 € mensais poderia, no fim de tudo o que já foi feito nestes últimos anos e do que agora é ventilado, ter uma redução nominal da sua pensão de 50%! Há limites em nome da dignidade humana. Como no desemprego, em que se quer passar de um regime de protecção (passível de aperfeiçoamento) para a quase indigência.

Há, porém, outras medidas sugeridas que são meritórias: a proibição da antecipação da reforma por velhice salvo em situações de carreiras completas, a consideração global de prestações assistenciais dispersas, ou a definição mais restritiva de acesso à pensão de sobrevivência. Mas o que se sugere quanto às prestações familiares, é praticamente transformar o abono de família num benefício residual, paradoxalmente no país com a 2ª mais baixa taxa de natalidade no mundo!

Já quanto ao volume de pessoal no SPA, é iniludível a necessidade de o reduzir. A questão é como, quando e onde e sobre isso o relatório pouco adianta. É preciso fazer um trabalho de filigrana que não afecte as competências que o Estado deve ter e que não desertifique o capital humano do Estado. Sou favorável a um programa acordado de rescisões, com recurso a um fundo gerado por receitas de privatizações, que assim não afectaria o défice.

No relatório nada se diz sobre empresas públicas, financiamento das estruturas rodoviárias e os “Estados paralelos”. Afinal o problema não está nas recorrentemente citadas “gorduras”. Está no osso e nos músculos. Chegamos à conclusão que o único Estado a definhar é o que diz directamente respeito às pessoas. Às comuns. Às que pagam impostos. Às que descontam e descontaram.

O relatório ignora, ainda, que parte do problema se agravou pela espiral recessiva do remédio e que se o Estado Social (a redistribuição) é função da economia (a criação de riqueza), o contrário também é verdadeiro. Ao retirar-se rendimento disponível às classes média e baixa, diminui-se drasticamente o consumo (a sua propensão marginal ao consumo é elevada) de bens quase todos cá produzidos e não importados. Logo agrava-se a recessão e o desemprego. E também nada se escreve sobre juros, o que é lógico num relatório de um credor privilegiado. Mas sabendo-se que a quase totalidade do défice coincide com o valor dos juros, bom seria que o nosso Governo tivesse uma atitude mais activa de maneira a tentar baixar o custo implícito da dívida soberana. Por exemplo, negociando a possibilidade de trocar dívida possuída por credores a taxas mais altas por dívida a custos inferiores, como fez a quase proscrita Grécia. O próprio presidente do Eurogrupo acaba de defender a alteração das condições do ajustamento financeiro português como recompensa por ter cumprido as metas da troika.

Por fim, apesar do estado de emergência, não há mandato político para este putativo segundo memorando. Sob pena de os escrutínios eleitorais serem cada vez mais uma treta.

 

António Bagão Félix

Público, Janeiro de 2013

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publicado às 09:49


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José Cardoso Pires escreveu, em adenda de Outubro de 1979 ao seu «Dinossauro Excelentíssimo»: "Mas há desmemória e mentira a larvar por entre nós e forças interessadas em desdizer a terrível experiência do passado, transformando-a numa calúnia ou em algo já obscuro e improvável. É por isso e só por isso que retomei o Dinossauro Excelentíssimo e o registo como uma descrição incómoda de qualquer coisa que oxalá se nos vá tornando cada vez mais fabular e delirante." Desafortunadamente, a premunição e os receios de José Cardoso Pires confirmam-se a cada dia que passa. Tendo como génese os valores do socialismo democrático e da social democracia europeia, este Blog tem como objectivo, sem pretensão de ser exaustivo, alertar, com o desejável rigor ético, para teorias e práticas que visem conduzir ao indesejável retrocesso civilizacional da sociedade portuguesa.

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