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Manuela Ferreira Leite e Mota Amaral

Destacados militantes do partido que lidera o Governo opinam, no Expresso de 2 de Março de 2013

 

Contra argumentos não há factos

Manuela Ferreira Leite

  Há precisamente um ano, em 3 de março de 2012, nesta mesma coluna, escrevi um texto que, na sua essência, hoje poderia reproduzir porque as alterações a introduzir para o tornar atual seriam de tom e não de conteúdo.

  Há um ano, referia-me à "terceira" avaliação da troika, que hoje teria de ser corrigida para "sétima", mas as preocupações e as dúvidas quanto às consequências das políticas seguidas ganharam uma dimensão dramática.

  Há uma ano, achei que a posição de responsáveis da troika, nomeadamente do FMI, lançava alguma esperança sobre o futuro porque parecia ter "muito maior consistência a ideia de que sem crescimento económico não seria possível alcançar a necesssária consolidação orçamental, num espaço de tempo como o que normalmente é exigido aos países endividados".

  Passou um ano e nada de substancial se alterou na política que nos foi imposta e, por isso, a esperança, hoje, transformou-se em necessidade.

  Há um ano, lastimava que "infelizmente parece serem os números do desemprego que estão a fazer despertar os responsáveis europeus para encarar com urgência a questão do crescimento".

  Hoje, os números impensáveis que esse drama atingiu, não só em Portugal em outros países do Sul da Europa, batem com toda a força à porta dos decisores que parece terem finalmente despertado para o desastre das terapias prescritas pelas troikas nos diversos países em que intervieram.

  Há um ano, esperava-se muito da "redução estrutural da despesa resultante da renegocição de contratos com margens de lucro previamente asseguradas, bem com as relacionadas com as energias renováveis". Além disso, considerava-se inadiável "avaliar a possibilidade e o caminho da renegociação das parcerias público-privadas".

  Ninguém duvidava da complexidade destes dossiês e todos pressentiam que a redução da despesa com origem nestas alterações teria efeitos recessivos na economia muitíssimo menores do que os provocados pela redução dos salários e pensões.

  Hoje, pouco se fala do assunto, mas ele mantém-se atual.

  Há um ano, o título que dei ao texto - "Correção da estratégia?" - traduzia a esperança de que a troika poderia alterar a política que tinha desenvolvido para o país.

  Sabe-se que nada disto ocorreu e, nessa medida, hoje, pode ser feita a mesma pergunta com redobrada premência quando está em curso a sétima avaliação.

  Sempre defendi que o acerto ou desacerto de uma política se mede e avalia pelos resultados alcançados e não pela fama das teorias económicas, quaisquer que elas sejam, que alicerçam as medidas adotadas e desprezam as consequências que delas resultam.

  Há um ano, esta última posição fazia o seu caminho, numa cegueira e teimosia cujas consequências hoje são indesfarçáveis.

  Foi a época do princípio "contra argumentos não há factos".

  Hoje os resultados económicos e o das eleições em Itália não deixam dúvidas sobre a perceção que os cidadãos têm das políticas que lhes têm imposto.

Esperemos ter entrado na fase de "contra factos não há argumentos".

 

Mudança de rumo

João Bosco Mota Amaral

  A anunciada inflexão da política do Governo, encoberta com as habituais juras de que tudo se mantém igual, é motivo de moderada esperança para a comunidade nacional. Foi, por fim, oficialmente reconhecida a necessidade de mais tempo e mais dinheiro para superar a crise em que Portugal tem vindo a afundar-se. E mesmo assim não vai ser fácil sair dela, tanto se agravaram situações como o desemprego e a própria dívida pública, atingindo já números assustadores.

 Sempre me pareceu imprudente decretar, num quadro recessivo prolongado, a incapacidade do Estado para manter os serviços públicos essenciais, com destaque para a saúde e a educação, mas incluindo a segurança social e até a defesa e a segurança pública. Com a economia sufocando e o desemprego a disparar, as receitas do Estado tombam. Se se conseguir impulsionar o crescimento haverá mais gente a trabalhar e a pagar impostos, mais consumo e investimento e a receita pública aumentará, melhorando as condições de sustentabilidade das despesas sociais e outras. Se porventura no imediato é preciso fazer sacrifícios - e eles estão a ser feitos, com heróica tenacidade pelo povo português mais avisado é remeter para dias melhores as modificações da estrutura da despesa pública e das próprias funções do Estado.

  Portugal enfrenta um sério problema de competitividade da economia nacional. Mas a única via de solução não é decerto baixar os salários, como se está fazendo, porque haverá sempre países onde são inferiores. Na Finlândia, que é apenas o terceiro país mais competitivo do mundo, o salário nínimo é cinco vezes superior ao nosso; mas o que aqui não anda e amarra a iniciativa privada e inferniza a vida dos cidadãos, lá funciona.

  Sendo o nosso país um dos membros fundadores da zona euro, os nossos problemas revestem uma óbvia dimensão europeia. Requer-se por isso um discurso político renovado com os nossos parceiros, que ponha em evidência os problemas aqui sentidos e propugne pelas respostas solidárias que reclamam. Aliás, não faltam, infelizmente, situações parecidas com as nossas, algumas ainda disfarçadas, de modo que se afigura viável gerir em conjunto o esforço de inflexão da política europeia de austeridade. Se nos limitarmos a repetir que não precisamos de mais ajuda, ninguém obviamentente irá tomar a iniciativa de nos ajudar. Arvorar suficiência permite ficar bem na fotografia; mas a realidade subjacente é que não se recomenda e está a desalinhar das previsões governamentais.

  O momento é difícil e exige, dos responsáveis do Estado, cabeça fria e decisões prudentes. Nas hodiernas democracias participativas e de opinião, fortemente mediatizadas, a legitimidade eleitoral dos governos está constantemente desafiada a confrontar-se com a eficácia das políticas adotadas e a satisfação e confiança dos cidadãos. Não se deve, por isso, desvalorizar os sinais de rejeição e desrespeito que por aí vão lavrando como fogo em pradaia. Fortalecer a honra e a credibilidade das instituições democráticas - é preciso!

 

Desafortunadamente, não parece crível que estas palavras avisadas sejam tomadas em conta por quem está a (des)governar o país e, muito menos, por uma troika que  se limita a obedecer cegamente aos interesses da Alemanha, de mais uns quantos "falcões" do Norte da Europa e, clarissimamente, do apátrida  e ganancioso capitalismo financeiro.

O debate quinzenal hoje ocorrido na Assembleia da República evidenciou que os sinais de inflexão não terão consumação prática adequada e suficiente. As notícias vindas da troika prenunciam "mais do mesmo" em termos de austeridade, e um "pequenito doce" nos prazos de ajustamento do déficit e de pagamento da dívida que em nada resolverão o "amargo de boca" que nos vai alastrando.

Para "ajudar à festa", ficámos também hoje a saber que o Presidente da República, depois de semanas de silêncio, nada tem a acrescentar ao que disse em Janeiro sobre o mau caminho que estamos a tomar; a não ser que trabalha 10 horas por dia de segunda a sexta e às vezes também trabalha ao fim-de-semana.

Tudo razões para perspectivarmos com muita apreensão as cenas dos próximos capítulos.

Rui Beja

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publicado às 23:45

 O Chico da Terrugem

Reflexões políticas com sabor a Alentejo - 5

Rui,                           

Lembrar-te-ás, muito provavelmente, da minha 2ª morada em Lisboa, na rua da Boavista, no princípio dos já longínquos anos 60 do século passado. Na dedicatória do livro que a Aninhas e eu te oferecemos pelos teus 60 anos tive ocasião de recordar esses tempos ingénuos e calorosos em que o nosso pequeno grupo de jovens sonhadores cultivava a Amizade e ambicionava conquistar o Mundo; acabámos por não conquistar o Mundo – ficou só a Amizade.

Eu trabalhava, ao tempo, na avenida 24 de Julho, por isso apanhava, todas as manhãs, o elétrico da carreira 18 no largo do Conde-Barão. Conde-Barão sempre me soou a combinação esquisita, mais parecendo nome de revista do Parque Mayer do que título nobiliárquico. Numa daquelas noites infindáveis, no Palladium, em que muito discutíamos, pouco estudávamos e, sobretudo, convivíamos, o Chico teve a paciência de nos explicar, a mim e à restante maralha, o significado de tão singular nome:

Barão de Alvito, o primeiro título de Barão concedido em Portugal, foi criado por D. Afonso V a favor de D. João Fernandes da Silveira, marido de D. Maria de Sousa Lobo, 5ª senhora de Alvito. No século XIX o 14º Barão, por ser também Conde de Oriola, solicitou e foi autorizado a usar o título de Conde-Barão de Alvito. O Largo chama-se assim por causa do palácio que ainda ali existe, morada dos Condes-Barões até ao terramoto de 1755.

 

Não sei bem porquê lembrei-me, há uns dias, desta estória, e liguei ao Chico para saber se ele e a Rita de Cássia nos acompanhavam num almoço na Pousada de Alvito. Obtive um sim imediato, mas sub conditione: após o almoço teríamos que nos deslocar, os quatro, a um determinado local, muito do agrado do Chico, mas que ele não visitava há sensivelmente um ano; tal como nos rally papers o nome do local só seria conhecido após o almoço. Concordei.

Foi extremamente agradável conduzir por entre um extenso manto verde, ligeiramente ondulado, aqui e ali salpicado por maiores ou menores manchas brancas ou amarelas constituídas por milhares de minúsculas flores, guarda avançada da primavera que já se adivinha.  

Marcáramos encontro na Igreja Matriz, por volta do meio-dia. Chegámos praticamente ao mesmo tempo e aproveitámos para percorrer calmamente as três naves do templo, maravilhados, sobretudo, com a policromia dos belos azulejos de tapete, uns azuis sobre fundo branco, outros amarelos ocre. Detivemo-nos junto ao túmulo do 1º Barão de Alvito e de sua esposa.

- Emociono-me sempre que estou diante do túmulo de uma grande figura do passado -comentei.

- Como se, por artes de perlimpimpim, te fosse autorizado ultrapassar, ainda que por breves instantes, a impenetrável barreira do tempo e ficasses, face-to-face, com um daqueles que, por obras valerosas, da lei da morte se libertaram – acrescentou o Chico.

- Precisamente.

- Imagina só que, neste preciso instante, não te encontravas aqui, na Igreja Matriz de Alvito mas sim em Coimbra, no Mosteiro de Santa Cruz, diante do túmulo de D. Afonso Henriques.

- Mas porquê Coimbra e o túmulo de D. Afonso Henriques?

- Se não se importam, vamos saindo. Os templos são lugares de oração e de introspeção, não de divagação. Conversemos enquanto nos dirigimos para a Pousada.

 

Portugal chegou a esta situação de sufoco, a este beco sem saída, porquê? Foi uma raspadinha que se comprou, e, coitados, tivemos azar? Claro que não. Devem existir responsáveis, onde quer que estejam, quem quer que sejam. Enquanto não formos capazes de exorcizar o passado nunca conseguiremos construir as necessárias defesas que nos possam vir a proteger no futuro. Somos, infelizmente, um país de empatas. Reparem na morosidade da Justiça: qualquer caso que envolva um nadinha de complexidade são anos e anos, nunca menos de uma dezena, consumidos em investigações e mais investigações, e audiências, e recursos. E as Comissões Parlamentares? Sabemos quando se iniciam, as televisões encarregam-se de nos noticiar com a devida pompa e circunstância, quase nunca sabemos quando terminam, se acaso chegam a terminar, nem quais são as suas eventuais conclusões.

- E que tem tudo isto a ver com o túmulo de D. Afonso Henriques?

- Portugal, este nosso país chamado Portugal existe desde quando? Desde D. Afonso Henriques, não é? E Coimbra, a bela Coimbra foi sua capital, a sua primeira capital. Além do mais Coimbra também é capital do Saber desde D. Dinis e da sua Universidade e capital do Amor desde D. Pedro I e  D. Inês e da sua paixão.

Pois muito recentemente, precisamente em Coimbra, realizou-se um Congresso do PS e uma das suas teses diz mais ou menos que querer assacar a um qualquer Governo a responsabilidade pela crise não é sério, e que justo será reconhecer que todos os Governos tiveram a sua responsabilidade na situação do país. Reparem, o texto é bem explícito: todos os Governos. O atual é muito mau, isso toda a gente já sabe, mas, de acordo com o documento, todos os que o antecederam foram igualmente maus, são todos responsáveis. E o próximo, como será? A acreditar na tese que acabei de vos referir, a mais elementar das leis das probabilidades não deixa qualquer margem para sequer podermos duvidar de que também será mau. A não ser que nos seja prodigalizado o singular milagre de virmos a ser os felizes contemplados com uma meia-dúzia de garrafões de deutsche Wasser previamente abençoados por Frau Merkl e que o Sr. Prof. Cavaco Silva utilizará para aspergir cada um dos membros do novo Governo aquando da respetiva tomada de posse.

 

Regredindo no tempo, Governo a Governo, onde é que se faz stop? Quem é o primeiro responsável por todo o mal que se tem vindo a fazer a este Povo? D. Afonso Henriques, obviamente! Imaginem só o seu atual estado de espírito, praticamente votado ao esquecimento, condenado a permanecer encerrado até à eternidade no meio de uma meia dúzia de lajes.

‘- Sou eu o primeiro responsável? – começaria ele a desabafar – Para Portugal conquistar a sua independência tive que me zangar com a senhora minha Mãe, tive que me bater heroicamente contra o meu primo Afonso e contra o meu genro Fernando, tive que lutar contra os Mouros infiéis para lhes sacar território e até tive que enfrentar um poderoso Papa. E tudo isto para quê? Para chegarmos a este estado de coisas? Não me tivesse eu ferido na coxa quando tentava sair à pressa de Badajoz e ainda era homem para pegar numa espada e enfrentar os inimigos de Portugal. Assim, aleijado, é que não. Que posso eu fazer? Já o decidi: vou deixar de usar como assinatura Ego Alfonsus Portugalliae Rex, vou enviar um emissário ao Papa solicitando-lhe que anule a bula Manifestatis Probatum e vou devolver esta terra ao Reino de Leão, de cuja jurisdição nunca deveria ter saído.

Uma última nota gostaria de acrescentar: Quando abandonei este vosso mundo o Garb ainda estava em poder dos Mouros infiéis, foi o meu bisneto Afonso III que o conquistou. Quem vos mandou a vocês, muitos séculos depois, depositar os destinos de Portugal precisamente nas mãos de um Mouro, todavia cristianizado, mas oriundo do Garb? Porque ele vos iludiu afirmando repetidamente que estava a transformar Portugal num oásis? E vocês, pobres ingénuos, foram na conversa. Ignoravam, porventura, que nos oásis não se pesca nem se faz agricultura? E quando ele decidiu mandar vender os barcos e as alfaias agrícolas, por desnecessários, vocês, hipnotizados, não se cansaram de aplaudir, e de aplaudir. E eu é que sou o culpado?’

Esta seria certamente a fala de D. Afonso Henriques.

 

Saltando para este nosso tempo, o Sr. Dr. Álvaro, o Sr. Ministro da Economia, reconheceu, durante uma sessão para militantes do PSD, que o Governo assumia com humildade o facto de ter falhado no tocante à Economia e ao Emprego. Será que este homem não tem vergonha na cara? O que é que ele tem estado lá a fazer?

 E não foi o Sr. Dr. Relvas que afirmou, sem se rir, que o Desemprego jovem lhe tira o sono? Não acham que é de ter pena do pobre coitado do Sr. Dr. Relvas? É que ele, pobrezito, com tanto dossiê para analisar, com tanta reunião a que presidir, além de não descansar convenientemente durante a noite, como muito bem merece, ainda tem que perder um ror de horas durante o dia, mal acomodado nas cadeiras desconfortáveis do Centro de Saúde da área da sua residência, ansiando pela receita de uma qualquer nova droga milagrosa que o consiga pôr de novo a dormir. 

Confiança, meus amigos, confiança, devemos ter confiança! O Sr. Dr. Relvas, qualquer dia já poderá dormir descansado, como um anjo. Pois o Sr. Dr. Gaspar, o nosso insigne Ministro das Finanças afirmou, um destes dias, durante uma reunião no PSD, que tudo se está a encaminhar para virmos a ter um Estado Social ainda melhor do que o atual. E também não se riu.

Falou-se muito do Titanic em abril passado, pelos 100 anos da bem conhecida tragédia. Imaginem o Sr. Dr. Passos Coelho investido nas funções de Comandante. Após o embate contra o iceberg, quando tudo já está irremediavelmente perdido, o navio a afundar-se rapidamente, ele, com a sua bem colocada voz de barítono, far-se-ia fazer ouvir através do sistema de altifalantes: ’Recomendo-vos toda a acalma. Tudo está a decorrer conforme previsto. Estamos no bom caminho. É certo que não existem salva-vidas para todos, mas não há qualquer problema. Eu e os meus oficiais é que necessitamos sair muito rapidamente, nos primeiros salva-vidas disponíveis, temos um encontro inadiável com a troika de armadores. Quanto a vós, meus queridos passageiros, continuem a agitar fortemente os braços tal como têm vindo a treinar, assim mesmo, para cima, para baixo, para cima, para baixo, cada vez mais rápido, cada vez mais rápido, vão ver que não se afundam como o navio, que vão conseguir sair daqui a voar, que vão cruzar os céus como bandos elegantes de aves migratórias, que vão todos chegar sãos e salvos ao vosso destino; e não é de mais precisar que tudo isto acontece sem o recurso a qualquer intervenção divina, graças tão somente à subida competência do vosso Comandante, que sou eu, e dos meus oficiais.’  

Eu não sei se existirá um qualquer Sindicato ou Ordem ou Associação dos Humoristas deste país; se acaso existir terá toda a legitimidade para apresentar queixa na ERC contra este bando de indivíduos: é que se trata de uma intolerável concorrência desleal.  

 

- Referiste-te há pouco ao Dr. Relvas. Não achas que o facto de o terem impedido de falar foi um atentado à liberdade de expressão? 

- Uma treta, meu amigo. O Sr. Dr. Relvas que se apresentou para falar não era o Sr. Dr. Relvas, um cidadão que acaso pretendesse expressar-se livremente, era o Sr. Ministro Relvas, que pretendia falar na sua qualidade de Ministro. E o Sr. Dr. Relvas é Ministro porquê? Tão somente porque o Povo, o único, o verdadeiro detentor da Soberania, delegou o seu exercício no Sr. Dr. Relvas e no seu Grupo, mas por um tempo determinado e baseado em certos pressupostos. E quais eram esses pressupostos? Aquilo a que o Sr. Dr. Relvas e o seu Grupo solenemente se vincularam quando, livremente, apresentaram as suas propostas eleitorais. O Povo escolheu-os, porquê? Porque as suas propostas eleitorais lhe pareceram melhores do que as dos restantes concorrentes. No momento em que esses senhores violaram liminarmente o contratualmente estipulado perderam toda a legitimidade para continuarem a exercer o poder delegado. Estão a mais, são meros zombies. Se se persiste em aceitar que continuam a ter legitimidade para governar, quem é que, no futuro, acreditará mais em promessas eleitorais? Os comícios, as conferências de imprensa, os debates, servirão para quê? Qual a sua utilidade pratica? É só toda a gente a perder tempo e a gastar dinheiro inutilmente. É por isso que calar o Sr. Ministro Relvas e os outros é prestar um serviço cívico, que deveria ser entusiasticamente aplaudido por todos.

Se for entendido, como muito honestamente me parece que deveria ser, que as promessas eleitorais não servem para nada, então para que se continuam a fazer promessas eleitorais? Para que se gastam uns fartos milhões do já muito desgastado erário público com a montagem desnecessária do triste espetáculo de folclore que são as Campanhas Eleitorais? Não seria muito mais honesto, mais económico, mais racional transformar as Eleições numa espécie de Totoloto? Supondo que havia 10 Partidos: colocavam-se em cada uma de 10 tômbolas 10 bolas numeradas de um a 10; a quantidade de vezes que saísse um determinado número referente a um determinado Partido representaria a percentagem de votação nesse Partido. É simples, é eficaz, é barato. E eliminavam-se, assim, de uma vez por todas, os inconsequentes cantos de sereia que são as falsas promessas eleitorais. 

 

Almoçar numa Pousada num vulgar dia de semana na época baixa pode tornar-se algo frustrante para quem fica incomodado quando tem que saborear uma bela refeição numa sala praticamente vazia. Embora, além da nossa, só houvesse mais uma mesa ocupada, esta por dois casais de     holandeses (revelou-nos a empregada), o ambiente, o requinte do serviço, a qualidade da confeção, ultrapassaram qualquer eventual desconforto gerado pela ausência de companheiros de repaste.

No fim do almoço o Chico revelou-nos então qual o local a visitar: tratava-se do Santuário de Nossa Senhora de Aires, que fica nas imediações de Viana do Alentejo, a cerca de 11 km de Alvito. É um templo magnífico, barroco, erigido no século XVIII e dedicado ao culto mariano, cujo isolamento no meio da planície sobreleva ainda mais a sua imponência, a cúpula lembrando a da Basílica da Estrela. Antepassados do Chico terão estado na origem da sua construção. O interior do templo tem uma série de salas onde se exibem inúmeros ex-votos. O Chico conduziu-nos até junto de uma enorme fotografia emoldurada onde estão retratadas cerca de umas vinte pessoas com todo o aspeto de estarem posando durante a realização de uma Ação de Graças. O Chico quase que me obrigou a copiar a legenda. Aqui vai ela:

 ‘Viana do Alentejo 21 de janeiro de 1918 em honra de Nossa Senhora de Ayres por esta miraculosa virgem debelar, com rapidez, a grava pneumónica esse terrível flagelo que, assustadoramente, grassava na aludida vila.´

 

- Repara naquele senhor, ali no lado esquerdo, com um ar perfeitamente compenetrado – apontou o Chico – É meu bisavô, avô de minha mãe. Não o cheguei a conhecer mas acho que era um tipo fantástico, profundamente devoto da Senhora de Aires. E esta tradição tem-se mantido na família. Eu próprio costumo deslocar-me aqui pelo menos uma vez por ano, para Lhe confessar os meus deslizes e para Lhe solicitar proteção, não só para mim mas também para os meus concidadãos. Se, por acaso, a Senhora de Aires conseguir que nos livremos deste bando de malfeitores que, bem falantes e bem engravatados, nos invadem as casas e nos saqueiam os bolsos, prometo-te que será ali colocada mais uma fotografia, com uma legenda apropriada, e que tu também farás parte dela. Mas hoje estou bastante pessimista, não acredito no que quer que seja.

 - O que nos pode, de certa maneira, confortar, é que, felizmente, dispomos sempre de um último recurso, que é o Presidente da República.

- O Sr. Prof. Cavaco Silva? A ele ajusta-se na perfeição a conhecida frase muito usada nas audiências em tribunal: E aos costumes disse nada.

 

Com um forte abraço do

               Zé

                                                                                      Gaeiras, 24 de fevereiro de 2013.

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publicado às 16:34

O meu amigo Zé

15.01.13

O Chico da Terrugem

Reflexões políticas com sabor a Alentejo - 1 

Rui

Creio não estar enganado quando julgo que não conheces o meu amigo Chico da Terrugem.

Convivi bastante com o Chico nos já longínquos anos 60 quando gastávamos grande parte da noite no café Palladium fingindo que estudávamos. Conheci-o através do Leandro, um ex-colega do Liceu de Faro que, tal como o Chico, cursava Direito. O Chico aparecia ali uma ou duas vezes por semana mas mostrava-se sempre muito mais interessado em combinar uma ida ao teatro ou aos fados do que consumir as pestanas a decorar textos sem sentido exibidos pelas sebentas ou a clarificar uma qualquer proposição menos bem apreendida nas aulas teóricas. Era, constava, muito rico, segundo filho de uma das famílias mais conhecidas da região de Elvas. Gostava de referir, com manifesto orgulho, que um seu antepassado fazia parte do círculo restrito de D. Sancho Manuel e que teria desempenhado, em janeiro de 1659, um papel fundamental na batalha das Linhas de Elvas. Era vagamente monárquico, vestia muito bem, era delicadíssimo no trato.

Cumpriu o serviço militar na Guiné (não tivera o aproveitamento escolar necessário e, por isso, foi incorporado) nos Serviços de Intendência.. Como virá a afirmar mais tarde o Leandro que, jovem advogado, foi obrigado a palmilhar, em Angola, quilómetros e quilómetros de mato, as mais das vezes debaixo de fogo intenso, uma cunha do tamanho de um prédio de 9 andares (nunca cheguei a perceber porquê 9 e não 8 ou 10) proporcionou ao Chico, não a guerra das emboscadas ou das minas, mas a guerra do arroz e do feijão.

 

Regressado do Ultramar o Chico, embora se voltasse a matricular em Direito, muito raramente frequentava as aulas. Um dia soubemos que tinha desertado para Londres, arrastado pela paixão que nutria por uma jovem cantora e bailarina que havia conquistado um pequeno papel no musical Hair. A paixão não tardou a arrefecer e o Chico converteu-se então num globe-trotter.

Anos depois acabou por casar com uma brasileira, divorciada, que conhecera num cruzeiro pelos rios da Rússia. Não têm filhos, vivem entre Lisboa, numa casa de família, para as bandas do Lumiar e em Elvas, num pequeno palacete que lhe coube em herança pela morte de um tio, irmão do pai.

O Chico é o típico segundo filho de uma família rica: o irmão mais velho gere os negócios, enfrenta os obstáculos, celebra as vitórias … e manda creditar-lhe a mesada.

 

Tinha visto o Chico pela última vez numa manhã de dezembro passado, em Lisboa, no Olivais Shopping. Ontem, enquanto a Aninhas se deliciava com um filme, daqueles muito férteis em encontros e desencontros que as televisões nos costumam oferecer nas tardes de fim-de-semana a troco de lhes permitirmos que nos moam o juízo com injeções de publicidades idiotas, e eu, muito lentamente, quase sem dar por isso, me aninhava gostosamente nos braços de Morfina (Morfina não é a mulher de Morfeu, pois não? Que tentativa tão desastrada de tentar fazer uma graça onde não há graça nenhuma!) tocou-me o telemóvel. Era o Chico.

- Olá, Zé, vocês como é que estão? Ótimo. Vamos almoçar amanhã ao restaurante da Amieira? Preciso desabafar. Tens que me aturar. À uma e meia está bem? Um abraço. Até amanhã.

O telefone, sempre mo afirmou o Chico, não é para namorar é para transmitir recados, marcar encontros, nada mais.

 

Almoçámos muito bem. Durante o repasto a conversa do costume: a saúde, o tempo, os festejos de Natal, a Passagem do Ano. Após o café o Chico levantou-se e saiu para o exterior para poder saborear a sua costumada cigarrilha. Segui-o.

- Então, Chico, a tua aflição? Que tinhas tanta necessidade de desabafar?

- Conheces o Orçamento Geral do Estado? Tens plena consciência do assalto à mão armada que ele representa?

- Sei, Chico. Tens toda a razão. Por isso mesmo, e na parte que mais me diz respeito, que é a dos Reformados e dos Pensionistas, fiquei satisfeito ao tomar agora conhecimento dos termos em que o Cavaco solicitou ao Tribunal Constitucional a sua fiscalização sucessiva.

- E acreditaste?

- Acreditei em quê?

- No que leste nos jornais, no que ouviste na televisão. Meu caro, eu, como bem sabes, não faço nada, nunca fiz nada, nunca logrei obter um cêntimo que fosse pelo produto do meu trabalho, tenho a minha mesada, a Rita de Cássia também é bastante rica, não tenho filhos, nunca virei a ser reformado ou pensionista, sou o que se pode apelidar de um tipo verdadeiramente independente. E isto leva a que a minha visão crítica do mundo e das coisas tenha muito poucas hipóteses de vir a ficar distorcida por quaisquer lentes côncavas ou convexas. Há um livro do Erico Veríssimo, será Caminhos Cruzados?, em que ele tenta antecipar as conclusões a que chegaria um marciano se, de repente, livre de qualquer contágio, se dispusesse a observar este nosso planeta, desgastado e poluído. Às vezes sinto-me o tal marciano.

 

Voltando ao Orçamento, o Sr. Presidente da República devia tê-lo vetado, como lhe competia, invocando precisamente os mesmos argumentos agora publicitados.

(Agora um aparte meu. O Chico, desde sempre, quando se refere a qualquer individualidade, nunca diz o Fulano ou o Sicrano, como acontece com qualquer um de nós. O Chico diz sempre o Sr. Fulano ou o Sr. Sicrano. É um senhor à antiga! – como o qualifica o meu amigo José Sacadura, que já teve o privilégio de almoçar com o Chico umas duas ou três vezes no Centro Comercial Colombo.)

Não o fez, porem. Porquê? Não o fez porque nunca pretendeu que o Orçamento fosse rejeitado.

- OK. Chico. Mas, então, explica-me lá porque é que ele solicitou a fiscalização sucessiva?

- O Sr. Presidente e o Sr. Primeiro-Ministro reúnem-se, regulamentarmente, todas as quintas-feiras. Durante as reuniões não falarão certamente nem de futebol nem de telenovelas, falarão, obviamente, da chamada coisa pública, da gestão deste país. É bem claro, para mim, que, na proximidade da apresentação, pelo Governo, da proposta de Orçamento, o Sr. Presidente tenha manifestado alguma curiosidade em conhecer, pelos menos, as suas linhas mestras, ou, como alguém também diz, as suas linhas de força. O Sr. Primeiro-Ministro não lhas terá, certamente, ocultado. E o Sr. Presidente tê-las-á aceite? Temo bem que sim.

- Porque estás tão certo disso Chico?

- Pelo ar descontraído, direi mesmo, pelo ar de gozo com que o Sr. Primeiro- Ministro ofendeu, publicamente, os Reformados e os Pensionistas ao apregoar que muitos deles andam a receber chorudas pensões sem terem descontado nem os montantes nem os anos devidos. A que Reformados e Pensionistas se estaria ele a referir? Como chegou a esta conclusão? Baseado em que dados? Nada especificando o Sr. Primeiro-Ministro meteu num mesmo saco todos os Reformados e Pensionistas e, intencionalmente, estigmatizou-os perante as gerações mais novas, levando-as a concluir que as moléstias que as afligem, (desemprego, salários baixos), se devem muito particularmente a este bando de velhos inúteis e parasitas, que lhes sugam, sem um mínimo de legitimidade, uma importante fatia dos recursos financeiros disponíveis. Achas que ele se atrevia a tomar esta iniciativa se não tivesse tido conhecimento prévio da passividade do Sr. Presidente?

- Mas, Chico, independentemente de tudo o que tu acabaste de afirmar, o Sr. Presidente acabou por solicitar a fiscalização sucessiva.

- Elementar, meu caro Watson. Era o mínimo que podia fazer para não sair excessivamente chamuscado. O que é que vai, com toda a certeza, acontecer? O Tribunal Constitucional, tal como no ano passado, irá declarar inconstitucionais as disposições que se referem aos Reformados e aos Pensionistas. Mas, também como aconteceu no ano passado, blá, blá, blá, ficará tudo na mesma: a inconstitucionalidade só se irá aplicar em 2014. E o Sr. Presidente fica na maior.

- Chegaste a prestar alguma atenção à terminologia usada pelo Sr. Presidente na apreciação às disposições que se referem aos Reformados e aos Pensionistas?

- Oh, se prestei. Lembras-te do Sr. Presidente, umas duas ou três vezes, perante a insistência dos jornalistas, ter afirmado que não cedia a pressões, que não lhes ia dizer o que pensava, que esperassem pelas suas Memórias? Essa adjetivação estava toda destinada a constar, exclusivamente, nas Memórias.

- O Sr. Presidente, Chico, enquanto Pensionista, também não lhe ficava muito bem se acabasse por vetar um Orçamento em benefício próprio.

- Balelas, meu caro. De acordo com o que foi amplamente divulgado pela comunicação social o Sr. Presidente ficou muito rico com o negócio das ações do B.P.N. Ele tem que lhe chegue e mais ou menos corte na pensão não o aquece nem arrefece. O que, verdadeiramente, lhe importa, é o julgamento da História. Por isso mesmo ele referiu aos jornalistas que esperassem pelas suas Memórias, que muito provavelmente fará publicar aí por 2017/2018, onde tenciona escarrapachar toda aquela adjetivação a que há pouco te referiste. Ora, o que acontece, é que, às tantas, terá começado a aperceber-se, muito provavelmente não só ele, mas também a Fada Madrinha, a Srª. Drª. Maria Cavaco, que, da edição das Memórias não logrará vender mais do que uns 50 ou 60 exemplares e que, o que a História reterá, será tão somente o que vier a ser transmitido pelos avós aos netos. Percebes agora esta bem conseguida operação de marketing? Tadinho do Sr. Presidente, ele bem tentou, até chamou aqueles nomes feios todos, mas os mauzões dos Juízes é que não permitiram que fosse feita justiça. A maquillage, assim, não esperou por 2017/2018: começou neste preciso instante.

 

- Que pensas do comportamento do Dr. Moedas no outro dia na conferência de imprensa?

- Porque é que o Sr. Dr. Moedas se riu? Por ser novo, por ser inexperiente, por ser idiota? Nada disso, meu amigo. O Sr. Dr. Moedas é novo, sim, mas está longe de ser inexperiente e de ser idiota. O único animal que se ri sem razão aparente é a hiena, que se está sempre a rir, embora se alimente de merda e só faça sexo uma vez ao ano. O Sr. Dr. Moedas, quando se riu na televisão, estava-se a rir de nós todos. O Sr. Dr. Moedas foi tão simplesmente um péssimo ator.

Lembras-te da peça de Shakespeare ‘Como quiserdes’ onde um ator, às tantas, declama ‘Todo o mundo é um palco e todos os homens e mulheres não passam de simples atores; todos têm as suas entradas e as suas saídas…’? O Sr. Dr. Moedas estava a representar o papel de mensageiro da desgraça, competia-lhe afivelar um ar sóbrio durante toda a leitura do monólogo e sair de cena com lágrimas furtivas riscando-lhe a face; rir, sim, mas só quando o pano tivesse descido e as luzes do palco extintas. O Sr. Dr. Moedas sabia que o que dizia não fazia qualquer sentido, que era só para assustar os ouvintes, por isso não lhe competia rir-se, pois, assim, estava a gozar com quem lhe paga o ordenado e as revisões do carro.

Muito melhor foi o senhor que anunciou a TSU dos 7,5%; esse, sabendo muito bem que era teatro ficcionado, nunca se riu: é muito melhor ator que o Sr. Dr. Moedas.

 

Um ditado antigo alerta-nos: É muito mau, mas podia ser muito pior. É esta a peça que o Sr. Dr. Moedas e seus companheiros de troupe se habituaram a nos representar: Tão a ver meninos, nós não somos tão maus como poderíamos ser, até ainda temos um bocadinho de pena de vocês.

- Diz-me lá, Chico, o que é que tu achas que se deveria fazer?

- No outro tempo, lá na Terrugem, quando, nas casas antigas, aparecia uma meia dúzia de baratas, ou mais, as pessoas começavam por se preocupar em matá-las, e só depois é que iam investigar qual a sua origem, qual o buraco ou buracos por onde teriam entrado. Já fizeste as contas a quantas Comissões, a não sei quantos Assessores pagos a peso de ouro, à legião de Consultores Externos que, em cada segundo vão cobrando milhões e milhões…e para fazer o quê? O pobão (como diz o Estebes) tem sido, regularmente, informado do que essa gentalha toda anda a fazer?

Com as baratas a passearem, incólumes, pela casa, saqueando as provisões da despensa e largando fezes em todo o lado, constitui um erro crasso deitarmo-nos a adivinhar qual, ou quais, as suas prováveis origens. Enquanto teorizamos, as baratas continuam a reproduzir-se e, além de se multiplicarem, também se tornam mais resistentes. Serão até, eventualmente, muito capazes de construir séria argumentação com vista a justificar a sua imprescindibilidade.

 

Está uma linda tarde. Está frio mas sabe bem estar cá fora. Repara que há um único barquito lá em baixo, nem um só daqueles insonsos barcos de turismo, com esta delícia de luz, com este azul maravilhoso. Ninguém está virado para prestar homenagem às ninfas do Guadiana! E ainda há quem teime em afirmar que nós somos um país de marinheiros. Alinhas num Cardhu com duas pedras de gelo?

 

Foram estas as últimas palavras do Chico cuja transcrição se justifica.

 

Um forte abraço do amigo

 

Vila Viçosa, 13 de janeiro de 2013

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publicado às 17:34

Vozes Avisadas

13.01.13

Perca de "legitimidade" do Governo e papel mais interventivo do Presidente da República 

Preocupações e alertas de Adriano Moreira e Alfredo José de Sousa, no Público Online

 

Adriano Moreira avisa que o Governo está a perder “legitimidade” (11-1-2013)

O antigo líder do CDS-PP, Adriano Moreira, considera que o Governo de Passos Coelho está a perder “legitimidade” por estar a aplicar um programa “bem diferente” daquele que com que se apresentou a eleições.

Em entrevista à Antena 1 nesta sexta-feira, Adriano Moreira afirmou que é “absolutamente evidente que entre o programa oferecido e o programa que está a ser executado não há coincidência e aí começa a perda da legitimidade do exercício”.

Reconhecendo que o memorando da troika é “uma condicionante” para o Executivo, realçou, no entanto, que o documento já existia quando o PSD foi a eleições. E admitiu mesmo que o se Tribunal Constitucional decidir pela inconstitucionalidade de algumas normas do Orçamento do Estado essa legitimidade ainda ficará mais frágil. Nesse caso, o Governo terá que “encontrar soluções de emergência e de urgência para colmatar os vazios” provocados pelo chumbo dessas normas.

Adriano Moreira também disse duvidar se “o país aguenta mais dois anos esta situação de tensão”. “Dentro do próprio Governo e da representação parlamentar da maioria, na consciência e inteligência das pessoas, há divergências”, e só se conseguem convergências pela pressão a que o país e o Governo estão sujeitos para cumprir o acordo com a troika.

Esta situação de condicionamento devido à troika “tem reflexos preocupantes”, observa Adriano Moreira, nomeadamente na “tendência que há em alguns lugares e intervenções para tratar a Constituição como se fosse uma lei ordinária”. Ora, o antigo líder centrista diz que este é o cenário dos “protectorados”, e no caso de Portugal quem dá as orientações são as instituições internacionais.

Instituições internacionais que, afirma Adriano Moreira, dão ao Governo orientações neoliberais acompanhadas de uma “atitude repressiva” e que o PSD praticamente assume como suas, aponta.

“Esse partido [PSD], tendo ele tido sempre uma pluralidade de orientações - foi sempre um partido bastante plural -, o acento tónico é [agora] neo-liberal. É um neo-liberalismo implacável nas circunstâncias em que nós estamos e essa ideologia liberal é acompanhada de uma atitude repressiva”, criticou Adriano Moreira, adiantando que o Governo e o principal partido que o suporta funcionam tendo por base estratégica unicamente o orçamento e não se preocupam com o cumprimento dos preceitos constitucionais.

Por isso, o antigo líder do CDS-PP defende que há quem, no seu partido, embora participe na coligação governamental, não concorde com a orientação que está a ser seguida pelo executivo. E diz mesmo que as sugestões e imposições da troika vão contra a concepção que o CDS-PP tem do Estado social, mas o partido liderado por Paulo Portas não se rebela porque é responsável e tem consciência de que “qualquer crise política seria muito grave para o país”.

 

Provedor de Justiça quer que Cavaco tenha um papel mais interventivo (13-1-2013)

O Provedor de Justiça considera que se algumas normas do Orçamento do Estado para 2013 forem inconstitucionais isso implicará uma renegociação do memorando de entendimento com a troika. Alfredo José de Sousa quer também que o Presidente da República tenha um papel mais interventivo.

O provedor, que falava numa entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, defendeu que “o Presidente da República terá de ser mais interventivo, fazer uso dos seus poderes constitucionais, ainda que só tendo direito à palavra, ou ao exercício da palavra”. Alfredo José de Sousa referia-se, concretamente, à necessidade de fazer ajustamentos ao programa de ajuda externa e à falta de entendimento entre os partidos no que diz respeito aos cortes nas funções do Estado, para justificar a importância de Cavaco Silva ter um papel mais activo.

Sobre os cortes nos rendimentos dos reformados inscritos no Orçamento para este, o provedor classificou-os como “brutais” e relevou que já recebeu mais de 1000 queixas relacionadas com este assunto. “O direito dos reformados é um direito adquirido, depois de ser um direito em construção na medida em que vão fazendo descontos ao longo da sua carreira. E há até quem faça equivaler esse direito a um direito de propriedade”, justificou o também juiz, na mesma entrevista.

Esta foi aliás, explicou Alfredo José de Sousa, uma das principais razões que estiveram na base do envio do documento para o Tribunal Constitucional para fiscalização sucessiva. O provedor anunciou nesta semana que pediu a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de dois artigos do Orçamento do Estado, relativos à suspensão do pagamento do subsídio de férias de aposentados e reformados e à contribuição extraordinária de solidariedade de reformados e aposentados.

Em causa estão os artigos 77.º e 78.º, que, na perspectiva de Alfredo José de Sousa, “violam os princípios da igualdade, protecção da confiança e proibição do excesso, pondo em causa o disposto nos artigos 13.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa”.

Quanto a não ter feito nenhum pedido de fiscalização no ano passado, o provedor justificou que na altura pensou que a situação fosse única e irrepetível. Mas perante a reincidência decidiu dar seguimento às queixas que recebeu. “Os cortes deste ano, apesar de algum equilíbrio, dando seguimento às razões de inconstitucionalidade relativamente ao Orçamento de 2012, são brutais, sobretudo os cortes nos rendimentos dos aposentados”, acrescentou. E lembrou que os pensionistas e reformados, ao contrário dos trabalhadores no activo, não têm um poder importante nas suas mãos: o direito à greve.

Rui Beja

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publicado às 16:14

Aposentados e Reformados pedem intervenção do Presidente da República

Petição para o PR requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade do OE para 2013.

 

A indignação relativa às medidas fiscais de carácter discriminatório, para não dizer persecutório, previstas no OE 2013 relativamente a aposentados, pensionistas e reformados, não pode, conforme já antes aqui afirmei, ficar-se pelas palavras.

Sendo certo que o Provedor de Justiça determinou a abertura de processo para estudo de eventual iniciativa sobre as várias questões de constitucionalidade levantadas pelo Orçamento de Estado para 2013, é sabido que esta relevante iniciativa, embora confirme a percepção de existência de insconstitucionalidades, tem um caminho processual a percorrer e apenas poderá levar ao requerimento da fiscalização sucessiva do OE 2013 pelo Tribunal Constitucional.

Por estas razões, e conforme tem sido publicamente opinado pelos mais diversos e prestigiados constitucionalistas, é da maior importância que o sehor Presidente da República requeira a fiscalização preventiva; para que não se cumpra o destino penunciado no discurso e nas decisões governamentais, desta forma caracterizado em Carta Aberta ao Primeiro-Ministro, subscrita pelo escritor e intelectual Eugénio Lisboa, : "querem mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós".

 

A Petição Pública cujo texto abaixo se transcreve, está disponível para assinatura em http://www.peticaopublica.com/?pi=P2012N32741

 

PETIÇÃO
Resumo. Os cidadãos aposentados não são “gorduras do Estado”. Não são sequer “despesa” que o governo teria de cortar para não sobrecarregar, ainda mais, os impostos dos portugueses que trabalham. É o Estado que está em dívida para com os aposentados que lhe confiaram, durante a sua vida activa, com as suas quotizações mensais, as receitas destinadas ao pagamento das suas pensões de aposentação. Compete ao governo, no exercício das suas competências admnistrativas, tomar as providências necessárias ao respeito por este contrato legal do Estado com os aposentados. Mas o governo, em vez disso, pretende confiscar novamente parte das pensões que lhes são devidas. Por isso se vem pedir uma intervenção qualificada, nos termos abaixo indicados, do Presidente da República que, no seu acto de posse, jurou «defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa» (art.127º, 3º).
-------------------------------------------------------------------------------

Senhor Presidente da República
Excelência

1. Os cidadãos aposentados da função pública (Caixa Geral de Aposentações) e do sector privado (Segurança Social) têm direito a remunerações mensais designadas ora por pensões de aposentação (na função pública), ora por pensões de reforma (no caso dos militares e equiparados), ora por pensões de velhice (no sector privado). Para simplificar, chamaremos a todas «pensões de aposentação».

2. A pensão de aposentação não é uma benesse do Estado português, muito menos do governo ou dos demais orgãos de soberania — actuais, pretéritos ou vindouros. É um direito fundamental que a maioria esmagadora dos aposentados adquiriu através dos “descontos” mensais que efectuaram, ao longo da sua vida activa, sobre a totalidade dos seus salários, vencimentos ou ordenados, incluindo os chamados subsídios de férias e de Natal, em vigor desde Agosto de 1974. Esses subsídios são parte integrante da remuneração de base anual que é paga em 14 mensalidades (art. 70º, nº3, da lei nº12-A/2008). Daí que sejam 14, e não 12, o número das pensões mensais a que têm direito anualmente os aposentados que descontaram sobre 14 salários por ano. O valor mensal da pensão que auferem é o que foi fixado por lei, e varia de acordo com os descontos correspondentes aos seus salários, vencimentos ou ordenados e o número de anos da sua carreira contributiva.

3. O sistema previdencial das pensões de aposentação é autofinanciado. Quer isto dizer que o dinheiro com o qual são pagas as pensões de aposentação, não provém dos impostos pagos pelo conjunto dos contribuintes. Provém, sim, da capitalização da receita obtida com as quotizações mensais (os referidos “descontos”) que os cidadãos agora aposentados — e as suas entidades empregadoras no caso dos trabalhadores por conta de outrem — confiaram ao Estado para esse fim exclusivo. Isto é, estes cidadãos, durante a sua vida activa, entregaram ao Estado essa receita, confiando que os seus organismos competentes, sob a supervisão do governo e demais orgãos de soberania, a admnistrariam bem, a fim de que, chegada a hora da sua aposentação, lhes fosse devolvida sob a forma de pensões de aposentação proporcionais às quotizações que pagaram à taxa de esforço fixada na lei.

4. Ora, no Orçamento de Estado (OE) de 2012, o governo actual rasgou este contrato bilateral estabelecido na Lei de Bases da Segurança Social (artigo 54º), ao cortar ilegalmente 2 meses de pensão, dos 14 meses a que os trabalhadores aposentados da Caixa Geral de Aposentações e outros mais têm direito.

5. Agora, o mesmo governo prepara-se para fazer o mesmo, indo ainda mais longe. No OE para 2013, pretende cortar uma parte substancial de uma pensão mensal aos aposentados que auferem entre 600 e 1100 euros brutos. Essa parte sobe para 90% de uma pensão mensal para todos os aposentados que auferem pensões superiores a 1100 euros brutos. Aos que auferem pensões entre 1350 e 1800 euros brutos, ser-lhes-á ainda cortado 3,5% das restantes pensões mensais. Aos que auferem pensões entre 1800 e 3750 euros brutos, acresce um corte adicional que pode ir até 10%. Os que auferem pensões superiores a 5031 euros brutos sofrem um corte adicional entre 15% a 50%.

6. Tem-se feito muita demagogia à pala das pensões superiores a 5000 euros, qualificadas de “pensões milionárias” por alguma imprensa. Mas das duas uma: ou as pessoas que auferem essas pensões efectuaram os descontos legais correspondentes aos elevadíssimos salários ou vencimentos que auferiam (merecida ou imerecidamente), e nesse caso auferem a pensão a que têm direito, ou então não o fizeram por terem burlado o Estado, e nesse caso são um caso de polícia, um crime que compete à Procuradoria-Geral da República investigar. Seja como for, não confundamos a árvore com a floresta. As pessoas com pensões chorudas são uma pequena minoria (0,3%) entre mais de 2 milhões de aposentados. Os aposentados com pensões superiores a 5000 euros são 907 na Segurança Social e os aposentados com pensões superiores a 4000 euros são 5236 na Caixa Geral de Aposentações (dados de 2011, www.pordata.pt).

7. Note-se que os cortes descritos no ponto 5 são exclusivamente feitos aos aposentados e (em menor grau) aos funcionários públicos. A eles se vêm acrescentar, entre outras, as medidas que estão previstas em sede de IRS para todos os trabalhadores no activo, da função pública e do sector privado, e também para todos os trabalhadores aposentados: uma sobretaxa de 3,5%, acrescida de um aumento brutal do IRS por via da diminuição da progressividade dos seus escalões. Por isso, de todos os contribuintes, são os aposentados, especialmente os que auferem pensões entre 1100 e 3000 euros brutos (cerca de 300 mil pessoas), os mais penalizados pela chamada política de ajustamento.

8. Fica pois claro que os cortes feitos aos aposentados (ponto 5) nada têm que ver com a justiça social. Não são sequer mais um imposto geral, porque um imposto geral (como, por exemplo, o IRS), aplica-se a todas as pessoas com capacidade contributiva, seja qual for o seu estatuto e tipo de rendimento, não a um grupo específico. Que são então? Parece que não há outros termos que convenham senão os de «confisco» e «esbulho», como frizou um conselheiro de Estado, o dr. Bagão Félix, ex-ministro das finanças de um governo com a mesma composição partidária do que o actual (cf. entrevista na RTP,12-07-2012, www.rtp.pt/noticias/index.php?article= 570245&tm =layout=122&visual=61, e entrevista na Rádio Renascença,13-09-2012, http://rr.sapo.pt/ informacao_detalhe.aspx?fid=1288&did =77235).

9. Para esconder esta realidade dos portugueses que ainda não chegaram à idade de aposentação — e todos lá chegarão um dia, se tiverem saúde e sorte bastantes — o governo deu nomes enganadores a estas medidas ilegais que pretente aplicar aos aposentados. À primeira chama “suspensão do subsídio de férias” (como se a situação de aposentação fosse a de férias permanentes e ainda por cima subsidiadas à custa do erário público e ele viesse, justiceiro, corrigir esse “escandaloso abuso”) e à segunda chama “contribuição extraordinária de solidariedade” (como se os aposentados merecessem pagar um imposto “especial” como castigo…por terem trabalhado uma vida inteira). Não se coíbindo de comportar-se como se fosse ele o dono e senhor do dinheiro das suas pensões de aposentação, o governo quer também apresentar os aposentados como parasitas, cigarras a viver à custa das formigas.

10. Compreende-se por isso que uma ex-ministra das finanças, a dra. Manuela Ferreira Leite, tenha qualificado as medidas do governo contra os aposentados como «um logro, um verdadeiro conto do vigário» (cf. entrevista à TVI, 13-10-2012, http://www.tvi.iol.pt/videos/13697333). Não se pode dizer que disse isto por ser de um partido de oposição ao governo, porque se trata de uma pessoa que pertence há muitos anos, e foi aliás recentemente dirigente máxima, do partido que é o esteio principal do governo actual.

11. Em face do exposto, não parece haver quaisquer dúvidas do seguinte: as medidas descritas no ponto 5 (sem prejuízo de outras que poderão suscitar juízos semelhantes) são ilegais por violarem a lei de bases da segurança social em vigor (em especial os seus artigos 14º e 100º). São também inconstitucionais, por violarem o princípio da igualdade, na dimensão da igualdade na repartição dos encargos públicos, consagrado no artigo 13º da Constituição; o princípio da segurança social, consagrado no artigo 63º da Constituição, em especial o seu nº 4, e o princípio da confiança no Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º.

12. Na verdade, chamado a pronunciar-se, a pedido de um grupo de deputados, sobre medidas semelhantes do OE de 2012 (ver ponto 4 desta petição), o Tribunal Constitucional decretou a sua inconstitucionalidade por violarem o princípio da igualdade na distribuição dos encargos públicos. No entanto, daí não advieram quaisquer consequências práticas para as vítimas dessas medidas. O Tribunal Constitucional alegou que era tarde demais para se conseguir anular os efeitos gravosos dessas medidas inconstitucionais. Importa, por isso, que tal não torne a suceder por idênticos motivos.

13. Acresce que Tribunal Constitucional reconheceu no seu acordão nº353/2012 que a situação específica dos aposentados se diferencia da dos trabalhadores da admnistração pública no activo e suscita, pelo seu melindre, diferentes ordens de considerações no plano constitucional. No entanto, o Tribunal decidiu não considerar essa questão no seu acordão, por entender que tal seria desnessário. Tudo indica que terá julgado que ao ter declarado inconstitucionais, pelo motivo apontado, as medidas do governo já citadas, isso bastaria para proteger os aposentados (e os funcionários públicos) de novas agressões. Como se vê, isso não aconteceu. O governo prepara-se para repetir, em dose agravada, as mesmas medidas.

Por isso, nós, abaixo-assinados, ao abrigo dos artigos 48º e 52º da Constituição, vimos requerer-lhe, senhor Presidente da República, na sua qualidade de mais alto magistrado da nação e primeiro garante do cumprimento da Constituição da República Portuguesa, que utilize os poderes que a Constituição lhe confere (nos seus artigos 134º, alínea g, e 278º, 1º) para requerer, junto do Tribunal Constitucional, a fiscalização preventiva da constitucionalidade do OE para 2013.

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José Cardoso Pires escreveu, em adenda de Outubro de 1979 ao seu «Dinossauro Excelentíssimo»: "Mas há desmemória e mentira a larvar por entre nós e forças interessadas em desdizer a terrível experiência do passado, transformando-a numa calúnia ou em algo já obscuro e improvável. É por isso e só por isso que retomei o Dinossauro Excelentíssimo e o registo como uma descrição incómoda de qualquer coisa que oxalá se nos vá tornando cada vez mais fabular e delirante." Desafortunadamente, a premunição e os receios de José Cardoso Pires confirmam-se a cada dia que passa. Tendo como génese os valores do socialismo democrático e da social democracia europeia, este Blog tem como objectivo, sem pretensão de ser exaustivo, alertar, com o desejável rigor ético, para teorias e práticas que visem conduzir ao indesejável retrocesso civilizacional da sociedade portuguesa.

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