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Cadilhe diz que pensionistas são alvo de "injustiça de bradar  aos céus"

 

Publicado em 2014-01-28

O antigo ministro das Finanças Miguel Cadilhe afirmou que está a ser cometida uma "injustiça de bradar aos céus" sobre os pensionistas portugueses, que têm um direito equiparado a um título de dívida sobre o Estado.

 

Miguel Cadilhe participou num debate no Palácio da Bolsa

 

"Quanto aos pensionistas, atenção, há aí uma injustiça de bradar aos céus. Porque os pensionistas que estão no regime contributivo, isto é, que passaram a sua vida ativa a contribuir, têm um verdadeiro direito sobre a República, são titulares de uma espécie de divida pública da República", disse Miguel Cadilhe durante um debate com o conselheiro de Estado Vítor Bento no Palácio da Bolsa, no Porto, esta terça-feira à noite.

 

O antigo ministro das Finanças do atual presidente da República, Aníbal Cavaco Silva (PSD), questionou como pode o Estado cumprir "toda a dívida pública perante os credores externos e internos, mas perante os pensionistas não cumprir essa outra espécie de dívida pública que advém de eles terem contribuído toda a vida".

 

"Contribuíram não para pagar despesas públicas, mas para assegurar a sua previdência", disse Miguel Cadilhe, elogiando o fator de sustentabilidade introduzido pelo antigo ministro do PS Vieira da Silva.

 

Para Miguel Cadilhe, o facto de o Estado português ter optado por um regime de "receita-despesa, isto é, as contribuições que entram serem para pagar as pensões correntes", não o dispensa de cumprir "essa espécie de dívida pública que tem perante os pensionistas".

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publicado às 21:37

 Carta aberta a João Vieira Pereira

     Poderia escrever-lhe um e-mail comentando este seu insensato texto como fiz em 15 de Setembro de 2011 relativamente ao também seu despudorado artigo 'Deixem os técnicos trabalhar', ao qual me respondeu com um desprezível "...Águas passadas não movem moinhos. Está na altura de libertarmo-nos dos fantasmas do passado que tiveram o seu papel...". Poderia igualmente escrever uma carta ao director do Expresso, que não seria a primeira, mas que teria o tratamento habitual: caixote do lixo.
     Por isso optei por esta carta aberta. Não porque o seu comportamento de 'menino snob' alcandorado não sei devido a que engenho e arte a director-adjunto do Expresso e director da Exame me mereça o mínimo dos mínimos de consideração, mas porque me sinto compelido a expressar pública e abertamente o desprezo que merece quem utiliza meios de comunicação alegadamente respeitáveis, e que face às funções que exerce lhe deveriam merecer respeito, para induzir as suas teorias ultraneoliberais arregimentando e confundindo os seus concidadão mais novos por via da deturpaçãoo dos factos e da ofensa à honorabilidade dos mais velhos, e seguramente mais respeitáveis do que um imberbe jornalista que não há muito deixou de usar cueiros.
     Neste seu texto, argumentando em favor do genocídio administrativo da geração que aguentou o peso da ditadura, sofreu os horrores da guerra colonial, e abriu caminho para a liberdade e o desenvolvimeto económico e sociocultural conquistados em Abril de 1974, tem o desconcerto de escrever com o mais provocador cinismo: "Esta semana um ex-funcionário público, reformado, gente boa e muito bem reformado gritava por justiça nas televisões. Ele que recebeu o seu salário durante 35 anos pago pelo Estado diz agora que é credor desse mesmo Estado porque durante anos descontou para isso. Diz que é credor dos impostos que vão ser pagos no futuro. Pela sua lógica talvez até seja credor dos investimentos internacionais que durante décadas emprestaram dinheiro ao Estado, dinheiro esse que muito possivelmente foi usado para pagar o seu salário. E mais. Esse professor universitário reformado estava indignado por lhe tirarem dinheiro que era dele por direito para que o entregassem aos credores internacionais. Só faltou acrescentar: esses bandidos que nos exploram!"
     Tenha decoro, João Vieira Pereira. Você tem obrigação de saber, mesmo que seja um economista de aviário, que os reformados têm direito à reforma corespondente aos descontos que fizeram. Você sabe, mesmo que seja um economista de trazer por casa, que os impostos pagos e o dinheiro emprestado ao Estado não se esgotam no pagamento de salários dos funcionários públicos e dos pensionistas, são também investidos em infraestruturas e equipamentos imprescindíveis para o desenvolvimento futuro. Você sabe, por mais que queira esquecer-se, que muitos dos credores que agora nos apertam o garrote usaram, e continuam a usar, práticas financeiras reprováveis e violadoras dos mais elementares princípios éticos e legais. Você sabe, por mais que o sapato lhe descaia para a chinela, que ao ofender os mais velhos está a ofender os seus ascendentes e a criar um anátema insuportável sobre tantos e tantos reformados que são o amparo de filhos e netos neste momento de crise.
     Este seu texto, João Vieira Pereira, é simplesmente LIXO ENBRULHADO EM LIXO!
Rui Beja

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publicado às 02:20

Cortar nas 'PPP'

31.01.14

 

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publicado às 23:43

Descalibrados!

12.01.14

Opinião

Há um país onde a lei diz que todos são iguais, mas onde há uns menos iguais do que os outros.
Estes ajudaram a erguer o país, e muitos até foram à guerra em nome desse mesmo país.
Mas agora são gente pacífica, de físico debilitado e cujas vozes não chegam ao céu.
Não ameaçam ninguém, não paralisam o trabalho e já não cumprem os padrões de produtividade exigidos.
Adoecem mais do que os outros, e são considerados um fardo para a sociedade pelo que custam em tratamentos.
Não trabalham para pagar o que gastam, embora já antes tivessem trabalhado para pagar o que recebem.
O poder político desse país entende que vivem acima das suas possibilidades e que por isso são uma dor de cabeça.
Acha mesmo que seria mais fácil governar se eles não existissem.
Conclui assim pela sua inutilidade, que estão a mais, que são descartáveis.
Não se importa de lhes dificultar o acesso à saúde, porque é indiferente que morram mais cedo.
Talvez seja até preferível, porque morrendo mais cedo ajudam a melhorar o exercício orçamental.
Sendo alvos fáceis e dóceis, sem capacidade contestatária e sem instrumentos de pressão, nada custa retirar-lhes direitos e regalias antes julgados vitalícios.
Sendo solidários e ajudando os familiares mais carenciados, não recebem em troca a solidariedade do poderes públicos.
Pelo contrário, são os primeiros na linha de fogo, e quando o poder sente alguma aflição financeira é a eles, e muitas vezes só a eles, que começa por retirar as verbas necessárias.
Mesmo que a suprema autoridade judicial se interponha, declarando ilegal tal prática, os governantes não se sentem na obrigação de acatar a restrição, antes a contornam e insistem no mesmo.
E insistem retirando-lhes ainda mais verbas, e retirando a mais vítimas do que antes tinham feito.
Não dizem que aumentam o confisco, mas que estão a recalibrar.
Dizem também que não é um imposto, quando tem toda a forma de um imposto – e um imposto agravado.
Um imposto que se aplica apenas ao tal grupo, e não a todos os contribuintes do país.
Esse grupo são os velhos, e o país, onde não há lugar para velhos, chama-se Portugal.
É um país descalibrado, onde manda muita gente sem calibre.
Joaquim Vieira Escritor e Jornalista
(no Blog da APRe!, em 5/1/2014)

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publicado às 19:01

Humor Negro

08.01.14

"Plano C" para corte nos custos do Estado

Parabéns pela criatividade assertiva expressa em http://www.imprensafalsa.com/786147.html 

Rui Beja

                                  Imprensa Falsa

               Qualquer semelhança com a coincidência é pura realidade

  Mau tempo: Governo pede aos portugueses para se manterem longe da costa,

menos os pensionistas        

               

O Governo acaba de lançar um apelo a todos os portugueses, menos aos pensionistas: «Mantenham-se longa de costa, porque aquilo está muito perigoso.»
Relativamente aos pensionistas, o comunicado do executivo esclarece que: «Não há qualquer motivo para deixar de ir até à orla marítima, admirar de perto as maravilhas da natureza.»

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publicado às 10:59

A grande falácia!

Contributos para desmistificar histórias mal contadas sobre a falta de sustentabilidade  dos sistemas de Segurança Social e Caixa Nacional de Aposentações

 

Volto a este tema quente, procurando manter a cabeça fria. O que não é tarefa fácil de cumprir face ao caudal de ataques soezes e chantagens inadmissíveis que o Governo e os seus infiltrados têm vindo a levar a cabo, na comunicação social e nas redes sociais, tendo em vista desinformar os cidadãos, dividir os portugueses, e condicionar o Tribunal Constitucional. Mas, por outro lado, são essas mesmas razões que me incentivam a reafirmar que mentem, consubstanciando a minha afirmação com factos e dados objectivos que sendo públicos se encontram dispersos, o que justifica que a respectiva divulgação seja tão exaustivamente replicada quanto possível, para que a mentira reiterada pelo Governo e pelos seus apaniguados não ganhe foros de verdade.

Não é de ânimo leve que apelido de "grande falácia" a narrativa de terror que tem acompanhado as iníquas decisões do Governo nesta matéria e as queixas lamechas de uns quantos "jovens turcos" que vêem nos reformados os grandes inimigos do seu futuro próximo e do futuro longíquo das gerações vindouras. Ou seja, a ameaça que, segundo eles entendem, os reformados constituem para os seus próprios filhos e netos, ou melhor dito, para aqueles a quem os reformados mais querem e por quem mais fazem o que podem e, quantas vezes, o que não podem. Vejamos porquê:

  1. Os reformados de hoje que cumpriram escrupulosamente as suas obrigações perante a Segurança Social e/ou a Caixa Geral de Aposentações, e que constituem a larga maioria de quantos recebem as suas pensões daquelas duas instituições, não podem ser confundidos com meia dúzia de privilegiados a quem o Estado atribuiu pensões de favor, nem com outra meia dúzia que se tenha auto-atribuído pensões de luxo ou encontrado formas ilícitas de ludribiar a legislação que, ao longo dos anos, foi regulamentando esta matéria; de qualquer forma, as entidades oficiais envolvidas no cálculo e atribuição de pensões têm, garanto que têm, meios ao seu dispor para "separar o trigo do joio" e, se houver razão para tal, penalizar selectivamente quem usufrua de pensões para as quais não tenha contribuído em conformidade com o espírito e a letra da lei, sem atingir de forma cega, injusta e ilegal todos os reformados e pensionistas, fazendo pagar os justos pelos pecadores.
  2. Os reformados de hoje pagaram em devido tempo as contribuições fixadas, as quais permitiram a obtenção continuada de elevados saldos positivos na Segurança Social, até 2010, apesar de terem sido utilizadas, até 1984, para pagamento de pensões atribuídas em regimes não contributivos; sendo ainda que de acordo com o «Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social», promulgado em 31 de Agosto de 2009 e entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2011, as pensões são determinadas com base em cálculos actuariais que garantem a cobertura das respectivas despesas (artigo 51º).
  3. O Factor de Sustentabilidade criado pelo Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 de Maio, (regime geral da Segurança Social) e pela Lei nº 52/2007, de 31 de Agosto, (adapta o regime da Caixa Geral de Aposentações ao regime geral da Segurança Social em matéria de aposentação e cálculo de pensões) veio alterar significativamente a fórmula de cálculo das pensões, dado que este Factor é fixado com base nos dados publicados anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística que determinam a esperança média de vida (EMV) aos 65 anos verificada em 2006 e a EMV aos 65 anos verificada no ano anterior ao da reforma/aposentação.
  4. Segundo o Livro Branco da Segurança Social (publicado em 1998), entre 1985 e 1995 as transferências do Orçamento de Estado em dívida à Segurança Social ascendiam a 1.206,4 milhões de contos, o que corresponde actualmente a 11.721,5 milhões de euros de dívida ao regime contributivo.
  5. As dívidas não cobradas pela Segurança Social relativas ao período 2005-2011, parte das quais resultam de descontos feitos nos salários dos trabalhadores e não entregues pelas respectivas entidades patronais, atingiam 7.142 milhões de euros no final de 2011; note-se que, de acordo com dados do INE, do Centro Nacional de Pensões e do Orçamento do Estado, o regime contributivo da Segurança Social é penalizado pela evasão e fraude contributiva num valor estimado entre 3 e 6 mil milhões de euros por ano, sem que o Estado introduza esquemas eficazes de controlo e cobrança.
  6. Apesar das dívidas antes referidas e do custo relativo ao nível excepcional de desemprego provocado pelas medidas de austeridade decorrentes da actual política governamental (escudada no acordo estabelecido com a troika), o valor acumulado do Fundo de Estabilidade da Segurança Social era, em Outubro de 2012, segundo dados do Ministério da Solidariedade e Segurança Social, de 10.676 milhões de euros.
  7. A Caixa Geral de Aposentações tem sido descapitalizada pelo Estado, tanto pelo facto de os funcionários admitidos a partir de 2005 terem passado a contribuir para a Segurança Social, como por o próprio Estado não ter contribuído com a sua parte para capitalização do sistema; dados relativos exclusivamente ao período 1993-2003, apontam para uma sub-capitalização de 12.623 milhões de euros em  2012, correspondententes à contribuição não efectuada (23,75% dos salários) actualizada a uma taxa de rentabilidade de 4%.
  8. A transferência de Fundos de Pensões (ANA, CGD, PT, Marconi), efectuadas para resolver (artificialmente) excessos de défices orçamentais, está a criar um "buraco financeiro" na Caixa Geral de Aposentações, com as consequentes implicações  negativas no Orçamento do Estado: no final de 2011, as percas acumuladas dos activos transferidos estava avaliada em 1.324,5 milhões de euros.
  9. Sendo certo que o impacto demográfico, resultante do envelhecimento da população mas também do fraco índice de natalidade (a que os reformados são obviamente alheios), tem impacto negativo na adequada sustentabilidade, a prazo, dos actuais sistemas de pensões, não é menos verdade que segundo a Comissão Europeia (Statistical Appendix of European Economy- 19 de Outubro de 2012) a riqueza criada por empregado em Portugal, a preços de 2005, aumentou 5,37 vezes entre 1961 e 2010; ou seja, não se pode falar de demografia sem se falar de produtividade, o que implica a adopção de novos modelos de financiamento da Segurança Social.
  10. Todo este historial e o muito que ainda poderia ser acrescentado, demonstra que o Estado não só não tem cumprido  com as obrigações que assumiu por via do contrato social estabelecido com os contribuintes da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações, como não tem sabido zelar pela gestão eficaz do valor contributivo que recebeu ao longo de décadas e, ainda mais grave, usou para outros fins parte das contribuições de que era tão-somente fiel depositário, configurando crime de abuso de confiança; escusado será dizer que as iníquas e confiscatórias penalizações que o Governo agora pretende fazer incidir exclusivamente sobre os reformados, servirão exclusivamente para tapar os "buracos financeiros" que ele próprio criou e, nunca, para assegurar a sustentabilidade futura dos sistemas de reforma.

 

Dito isto, deixo algumas interrogações para os governantes deste país e para quantos, com ingenuidade, ignorância ou má-fé, defendem o indefensável, ofendem despudoradamente os seus ancestrais, e põem em causa a solidariedade intergeracional.

Digam: qual a razão para que o plano "troikano" de ajustamento financeiro não contemple o ressarcimento das dívidas do Estado à Segurança Social e à Caixa Nacional de Pensões, nos mesmos termos que o faz em relação a outros credores nacionais e estrangeiros, nomeadamente os bancos, onde também se financiaram mas neste caso com o pagamento dos respectivos juros?

Esclareçam: por que motivo estarão os capitalistas financeiros tão interessados em "apanhar" para as suas Seguradoras e Fundos de Pensões os valores e responsabilidades actualmente geridos por entidades públicas sem fins lucarativos?

Questiono: o que esperam os futuros pensionistas beneficiar com essa transferência, sabendo-se que a crise financeira que "rebentou" nos Estados Unidos em 2008 se deve, largamente, à má gestão e consequente estado de falência técnica da generalidade dos Fundos de Pensões norte-americanos?

Pergunto: acreditam, um bocadinho que seja, que se o "assalto" que está a ser perpetrado contra os reformados de hoje merecer acolhimento pelo Tribunal Constitucional, não se escancara a porta para que um "assalto" ainda maior esteja reservado para os reformados do futuro?

 

Finalmente, coloco a dúvida que mais choca os reformados de hoje: não acreditam que as soluções já apontadas para reequilíbrio dos sistemas de pensões

 - inversão do insustentável declínio da economia do país e consequente decréscimo do desemprego; combate eficaz à evasão e fraude contributiva; cobrança coerciva das dívidas à Segurança Social; contribuição das empresas com base no Valor Acrescentado Líquido e não na Massa Salarial, aumentando assim a base global de cálculo e equilibrando o esforço entre empresas tecnológicas e empresas de mão-de-obra intensiva; estabelecimento progressivo de um plafond para contribuições e respectivos benefícios, deixando a gestão do valor remanescente ao critério do empregado -,

constituem, para além de outras hipóteses, formas viáveis de começar desde já a criar sustentabilidade para os reformados do futuro, ou o que querem mesmo é verem-se livres dos reformados de hoje para que não lhes pesem na vida e, se vier a calhar, ainda tirarem algum benefício do seu desaparecimento precoce?

Rui Beja

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publicado às 17:43

O infalível reino da Gasparlândia

Nicolau Santos denuncia sem rodeios o desastroso desempenho técnico-político do ministro das Finanças, no Expresso de 23 de Fevereiro de 2013

 

Um excelente texto do credenciado jornalista, economista de formação, que com a sua reconhecida competência, frontalidade, e bem doseada ironia, ilustra a total falência do modelo ultraneoliberal preconizado e seguido por Vítor Gaspar, com o apoio cego de Passos Coelho, sem o mínimo rebuço em utilizar a mentira, persistir no erro, e desprezar os lesados pela cartilha técnico-política de que não abdica. 

 

 E ao vigésimo dia do segundo mês do ano da graça de dois mil e treze, o senhor absoluto do reino científico da Gasparlândia veio dizer aos fiéis que as suas reais previsões falharam mas que tal não se deve ao seu infalível modelo científico e sim à realidade que teimosamente se recusa a colaborar -, além de que previsões são previsões e valem o que valem. Em particular, para quem está no desemprego, as previsões sobre desemprego não acrescentam absolutamente nada, como disse o senhor da Gasparlândia, o que é do mais elementar bom senso reconhecer.

 E assim a recessão, que seria de 1% este ano, vai ficar em 2%. E assim a recessão acumulada durante o período de ajustamento, que não deveria ultrapassar os 4%, estará no final deste ano em 7%. E assim a economia, que deveria começar a crescer no segundo semestre do ano passado, ou no segundo semestre deste ano, passa a crescer em 2014. E assim o desemprego, que deveria ficar em 16,5%, já vai em 16,9% e ainda falta, meu Deus, tanto mês a este ano da graçaria resolve. E assim o ajustamento, que não necessitava de mais tempo, terá direito a pelo menos mais um anito.

 E assim com a mesma voz arrastada própria das grandes certezas científicas, o senhor da Gasparlândia veio agora explicar aos seus fiéis que sim, claro, temos de olhar para esse problema do desemprego, que tanto nos surpreendeu ao crescer muito além do que se esperava, mas vamos já resolver isso com a revisão do código do IRC e obrigando a banca a conceder crédito à economia, algo que obviamente muito lhe faz doer a alma, porque a última coisa que deseja é obrigar os banqueiros a fazer o que quer que seja porque são pessoas de bem e a grande mão invisível deveria resolver todos estes problemas e Malthus trataria dos outros, nomeadamente do excesso de velhos reformados e pensionistas, bem como dos trabalhadores desqualifiados, que só atrapalham uma economia moderna e desviam recursos públicos que poderiam ser muito macos negrosais bem aplicados noutras áreas com mais glamour.

 

 A aura de infalibilidade do senhor da Gasparlândia mantém-se, contudo, intocável, interna e externamente. Fosse uma alma terrena que estivesse à frente do reino e seria zurzido na praça pública, tendo de fugir da multidão em fúria, O senhor da Gasparlândia, contudo, nunca falha. A realidade tem falhas terríveis, twilight zones, buracos negros, por ondem desaparecem as mais sólidas e credíveis previsões do senhor da Gasparlândia.

 Nada disso, contudo, o fará recuar. Se não vai a bem vai a mal. Para este ano mandou um dilúvio fiscal para arrasar a realidade, já que pelo lado da despesa não conseguiu atingir os seus objectivos. Agora, havendo o risco de as forças do mal inviabilizarem alguma das medidas que tomou, o senhor da Gasparlândia já se precaveu e com a sua enorme tesoura cortará mais 800 milhões de desperdícios (nomeadamente desperdícios com desempregados, pensionistas e, em geral, com as funções sociais do Estado).

 

Para atingir o reino dos céus com a sua receita, o senhor da Gasparlândia conta com os seus santos protetores, sediados no centro da Europa e que, com regularidade, pedem aos fiéis que acreditem em quem os guia e lhes pedem paciência, uma infinita paciência, porque se não for este ano é para o próximo, e se não for para o próximo será no seguinte, mas que não haja dúvidas de que este é o caminho para o reino dos céus e o senhor da Gasparlândia o nosso pastor.

Rui Beja

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publicado às 22:45

Peste Grisalha

A palavra incisiva e revoltada de quem, depois de 44 anos de trabalho, não aceita a insultuosa desfaçatez de um emproado "aprendiz de feiticeiro" que se arroga ares de gente sabida, para opinar afrontando, e assina como advogado e deputado do PSD.

 

Do Blog da APRe! - Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados, respigo o seguinte texto, ontem publicado, cujo conteúdo fala por si, só me restando solidarizar-me e congratular a sua autora:

A propósito do Deputado do PSD que diz que a nossa Pátria sofre de Peste Grisalha nao consegui conter a raiva e a seguir transcrevo o mail que lhe enviei que é para alguém me defender se criarem uma nova prisão de alta segurança ou me mandarem internar num hospício.

Segundo o seu comentário que transcrevo a seguir gostaria de lhe fazer algumas perguntas:

A propósito de demografia escreveu: "A nossa pátria foi contaminada com a já conhecida peste grisalha."

Ora bem:

1º - Deduzo que o Sr. Deputado que nasceu a 13 de Fevereiro de 1968 foi por obra e graça do Espírito Santo e como tal deve achar-se um filho de Deus que desceu à Terra.

2º - Portanto cresceu sem pai, sem mãe, sem avós e sem berço.

3º - Apesar de tudo isso nasceu feliz porque hoje não tem ninguém na sua família a quem possa dizer que faz parte da peste grisalha

4º - Também não tem que agradecer a ninguém os estudos que tem. Chegou a advogado também por obra do Espírito Santo!

E agora vamos a conclusões. Pois fique sabendo que eu tenho na minha família e eu própria pertenço à peste grisalha. E fique sabendo também que quando o Sr. Deputado nasceu já eu trabalhava. E assim foi durante 44 anos, não devo nada a ninguém, tenho educação, princípios e moral coisa que lhe falta a si e muito!

A si falta-lhe tudo o que eu tenho, amor, amizade, convicções, solidariedade, determinação. Tive pai, mãe, avós, berço, mesmo que tudo tenha sido modesto.

Sabe que se não morrer cedo e espero que não, terá que engolir as palavras que disse ou então pintar o seu cabelo porque a peste também lhe chegará e alguém poderá lembrar-se do que disse. Alguém obviamente mais novo porque o Sr. Deputado poderia ser meu filho hipoteticamente falando. Felizmente não é porque para seu mal seria diferente ou então não se livrava de um bom par de estalos. Fique bem no meio dos seus e não se esqueça de todas as noites agradecer ao Espírito Santo!

Maria Virgínia Machado

 

Subscrito por Carlos Peixoto e publicado no Jornal I em 10 de Janeiro de 2013, aqui deixo registo do "douto e brilhante" pensamento do "novel" advogado e "promissor" deputado da Nação: 

Um Portugal de cabelos brancos

Os portugueses estão a desaparecer. O envelhecimento da população portuguesa é uma evidência incontornável.

Portugal é o país da União Europeia que mais sofre com esta tragédia social.

Segundo estimativa do INE, em 2050 cerca de 80% da população do país apresentar-se-á envelhecida e dependente e a idade média pode situar-se perto dos 50 anos. A nossa pátria foi contaminada com a já conhecida peste grisalha.

Pela primeira vez na nossa história a fasquia dos 100 mil nascimentos ano não foi este ano atingida. Ficámo-nos pelos 90 206, o que representa um decréscimo alarmante.

Além de ser o pior da Europa, Portugal é um dos três ou quatro países piores do mundo em taxa de natalidade (1,2 filhos por mulher, sendo a taxa de reposição geracional de 2,1). O último ano em que houve substituição de gerações foi em 1982 (já lá vão 20 anos).

A este cenário dantesco deve agora acrescentar-se a onda de emigração, que nos últimos e nos próximos anos vai fazer-se sentir no nosso território.

O resultado só pode ser assustador. Assustador porque desafia a nacionalidade portuguesa. Assustador porque estamos a uma distância mais curta do que se julga de uma desertificação galopante (já quase irremediável no interior do país), que só é possível combater com fluxos migratórios e com a ocupação do nosso país por parte de imigrantes que tenderão a substituir as populações autóctones.

Assustador porque o envelhecimento dos portugueses e o incremento do seu índice de dependência provocam um aumento penoso dos encargos sociais com reformas, pensões e assistência médica.

Assustador porque se torna quase impossível que esses encargos sejam suportados pelo cada vez menor número de contribuintes activos.

Assustador porque já temos enormíssimas dificuldades em manter a sustentabilidade do sistema de segurança social, do Serviço Nacional de Saúde ou a educação tendencialmente gratuita, de defesa e de segurança interna.

Engane-se quem pensa que a nossa sobrevivência enquanto país soberano depende prioritária e exclusivamente do crescimento económico.

Não há crescimento económico que vença o envelhecimento populacional.

Pode suavizá-lo ou adiá-lo, mas o país caminhará sempre para uma espécie de eutanásia preanunciada.

Em anos de fogosidade e crescimento, o défice da Segurança Social não parou de aumentar, tornando-a já insustentável, porque as contribuições não chegam para pagar as pensões.

Em apenas 20 anos (de 1990 a 2010), a despesa da Segurança Social quase duplicou, passando de 9,7% do PIB para 18%.

Se bem que devido a um factor extraordinário (integração do fundo de pensões da banca no regime da Segurança Social), o ano de 2012 foi o primeiro dos últimos dez em que a Segurança Social registou um défice ou saldo negativo, com 384 milhões de euros a mais de despesa do que de receita.

Já todos sabemos que não é viável admitir mais agravamentos de impostos e de contribuições que permitam combater ou inverter a situação, mas todos os responsáveis políticos têm o dever patriótico e geracional de pensar responsavelmente em medidas de choque para o país.

O governo esteve envolvido em muitas tarefas urgentes. Esteve a discutir em Bruxelas o défice deste ano, esteve a discutir na AR o Orçamento e ainda está a tentar convencer os mercados de que a nossa dívida pode chegar a níveis sustentáveis depois de 2014.

Mas como a guerra contra o envelhecimento é assunto pouco dado a protocolos e como os problemas estão todos ligados, o governo está também a pensar uma reforma do Estado que já há muito tempo se impunha.

O facto de estarmos resgatados não nos deve inibir de reflectir e decidir sobre outros problemas sérios do país.

É por isso que se deve convocar toda a esquerda a abandonar a populista e até agora eternamente irresponsável tese de que tudo se resolve com aumento de pensões e dos salários dos funcionários públicos e com a manutenção dos direitos adquiridos e dos privilégios instalados. O dinheiro não é elástico e não aparece de todo o lado.

Ao maior partido da oposição, como alternativa tendencial de poder, não basta manifestar uma qualquer birra por não ter sido chamado à discussão sobre a reforma das funções do Estado antes de outros.

Um partido com ideias e com preocupações governativas não deve andar a reboque nem escudar-se em questões de forma ou de provincianismo político.

O PS deve ter iniciativa e dizer agora o que não disse nos últimos anos. Deve explicar, como explicará o governo, qual o Estado que quer e pode manter para as gerações seguintes.

Os portugueses não podem esperar que a oposição finja que está tudo bem, que proclame que a peçonha vem da troika e que o que está em jogo ou não teve importância ou se resolve com mezinhas ou com tacticismo político- -partidários.

O país não aprecia que quem teve e pode vir a ter responsabilidades governativas se deleite ou se regale com a deterioração geracional de Portugal.

Antes de disputarem eleições para governar o país os partidos têm de querer ter país para governar.

É por isso vital que ninguém se demita de procurar novas políticas de apoio à natalidade e novas formas de encarar o papel de um Estado que já quase não consegue desempenhar as missões fundamentais que esta vetusta Constituição lhe confere.

Tenho para mim que o verdadeiro problema da nossa envelhecida sociedade não está no envelhecimento da sua população. Está no que os sucessivos governos não mudaram desde que a sociedade começou a envelhecer.

Precisamos, todos, de mudar a nossa mentalidade, de a renovar, de apostar no incremento da natalidade. Se assim não for, envelhecemos e apodrecemos com o país.

Advogado e deputado do PSD

Rui Beja

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publicado às 00:39

Um segundo memorando por interposto FMI

Artigo de opinião da autoria de António Bagão Félix, no Público de 12 de Janeiro de 2013 

 

Como afirmou o Presidente da República, “precisamos de recuperar a confiança dos portugueses. Não basta recuperar a confiança externa dos nossos credores”. Esta é sempre uma condição necessária, mas insuficiente. A confiança dos portugueses precisa de uma gramática política que potencie a esperança e o bem comum.

Custa-me apreciar um documento oriundo de uma respeitável organização internacional como se quase se tratasse de um diktat sobre um país em regime de ocupação. Custa-me perceber que o início da discussão pública sobre a “refundação do Estado” comece por um exercício calculatório, sem alma, sem história, ignorando a nossa idiossincrasia, feito para aqui como poderia ser desenhado para acolá.

Afinal qual a natureza deste documento? Uma proposta de segundo memorando, com tudo o que isso transporta de reconhecimento de insuficiência ou até de fracasso do primeiro? Um documento não oficial embora oficiosamente já com o selo do Governo? Um contributo apenas interno, mas que se “deixou” sair para ver no que dá?

Este não é o método adequado para fortalecer a unidade da coligação e favorecer o consenso social possível. É, aliás, um “cardápio” que tornaria como definitivas medidas do mesmo ou maior calibre das que o Governo tem defendido como constitucionais, argumentando com o seu carácter transitório.

Neste repertório de indistintos “cortes de talho” na despesa, há, naturalmente, pontos que merecem ser adoptados. Outros são bem mais controversos. Limito-me aqui à Segurança Social (SS) e ao volume de pessoal.

Parte-se da premissa de que a despesa com pensões é igual a qualquer outra despesa. Não é verdade. Uma pensão é uma transferência operada por via de leis e resultante de um contrato de confiança em que as pessoas transferem para a SS parte das suas poupanças para as receber mais tarde.

O regime previdencial é submergido num sistema social opaco, assistencial, unilateral. Fala-se do seu desequilíbrio, o que é falso. Compara-se o nível de despesa face à UE usando valores de 2010 e ignorando dois anos de forte austeridade. Minimizam-se os impactos das reformas já feitas, mais do que lá fora (consideração de toda a carreira contributiva, convergência dos regimes da função pública e privada, introdução de um factor de ajustamento automático da idade de reforma, etc.). Critica-se o caracter de menor redistribuição entre rendimentos no sistema contributivo de pensões, como se fosse esse o seu objectivo. Não perceberam (ou não lhes foi explicado) que na SS não se devem misturar realidades com funções distintas: o regime previdencial que confere direitos em função de uma lógica contratual e os regimes assistenciais e não contributivos onde, aí sim, se faz uma redistribuição em favor dos mais fragilizados. Se acham que o Seguro Social é uma “excrescência” digam-no claramente: acabava-se com a TSU, tudo seria financiado por impostos e todos os benefícios seriam sujeitos a condição de recursos. Agora não culpem os actuais pensionistas das regras que existiam e existem e não queiram retroagir efeitos devastadores sobre pessoas que já não têm alternativa de mudança nas suas vidas. O Seguro Social não é uma guerra entre ricos e pobres, como agora alguns iniciados na matéria dizem. Essa “guerra” deve fazer-se na progressividade fiscal e nas prestações sociais de carácter não contributivo.

Bom seria que estudos como o do FMI descessem da macro visão para as consequências na vida das pessoas. Por exemplo, um pensionista de 1000 € mensais poderia, no fim de tudo o que já foi feito nestes últimos anos e do que agora é ventilado, ter uma redução nominal da sua pensão de 50%! Há limites em nome da dignidade humana. Como no desemprego, em que se quer passar de um regime de protecção (passível de aperfeiçoamento) para a quase indigência.

Há, porém, outras medidas sugeridas que são meritórias: a proibição da antecipação da reforma por velhice salvo em situações de carreiras completas, a consideração global de prestações assistenciais dispersas, ou a definição mais restritiva de acesso à pensão de sobrevivência. Mas o que se sugere quanto às prestações familiares, é praticamente transformar o abono de família num benefício residual, paradoxalmente no país com a 2ª mais baixa taxa de natalidade no mundo!

Já quanto ao volume de pessoal no SPA, é iniludível a necessidade de o reduzir. A questão é como, quando e onde e sobre isso o relatório pouco adianta. É preciso fazer um trabalho de filigrana que não afecte as competências que o Estado deve ter e que não desertifique o capital humano do Estado. Sou favorável a um programa acordado de rescisões, com recurso a um fundo gerado por receitas de privatizações, que assim não afectaria o défice.

No relatório nada se diz sobre empresas públicas, financiamento das estruturas rodoviárias e os “Estados paralelos”. Afinal o problema não está nas recorrentemente citadas “gorduras”. Está no osso e nos músculos. Chegamos à conclusão que o único Estado a definhar é o que diz directamente respeito às pessoas. Às comuns. Às que pagam impostos. Às que descontam e descontaram.

O relatório ignora, ainda, que parte do problema se agravou pela espiral recessiva do remédio e que se o Estado Social (a redistribuição) é função da economia (a criação de riqueza), o contrário também é verdadeiro. Ao retirar-se rendimento disponível às classes média e baixa, diminui-se drasticamente o consumo (a sua propensão marginal ao consumo é elevada) de bens quase todos cá produzidos e não importados. Logo agrava-se a recessão e o desemprego. E também nada se escreve sobre juros, o que é lógico num relatório de um credor privilegiado. Mas sabendo-se que a quase totalidade do défice coincide com o valor dos juros, bom seria que o nosso Governo tivesse uma atitude mais activa de maneira a tentar baixar o custo implícito da dívida soberana. Por exemplo, negociando a possibilidade de trocar dívida possuída por credores a taxas mais altas por dívida a custos inferiores, como fez a quase proscrita Grécia. O próprio presidente do Eurogrupo acaba de defender a alteração das condições do ajustamento financeiro português como recompensa por ter cumprido as metas da troika.

Por fim, apesar do estado de emergência, não há mandato político para este putativo segundo memorando. Sob pena de os escrutínios eleitorais serem cada vez mais uma treta.

 

António Bagão Félix

Público, Janeiro de 2013

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publicado às 09:49

O meu amigo Zé

15.01.13

O Chico da Terrugem

Reflexões políticas com sabor a Alentejo - 1 

Rui

Creio não estar enganado quando julgo que não conheces o meu amigo Chico da Terrugem.

Convivi bastante com o Chico nos já longínquos anos 60 quando gastávamos grande parte da noite no café Palladium fingindo que estudávamos. Conheci-o através do Leandro, um ex-colega do Liceu de Faro que, tal como o Chico, cursava Direito. O Chico aparecia ali uma ou duas vezes por semana mas mostrava-se sempre muito mais interessado em combinar uma ida ao teatro ou aos fados do que consumir as pestanas a decorar textos sem sentido exibidos pelas sebentas ou a clarificar uma qualquer proposição menos bem apreendida nas aulas teóricas. Era, constava, muito rico, segundo filho de uma das famílias mais conhecidas da região de Elvas. Gostava de referir, com manifesto orgulho, que um seu antepassado fazia parte do círculo restrito de D. Sancho Manuel e que teria desempenhado, em janeiro de 1659, um papel fundamental na batalha das Linhas de Elvas. Era vagamente monárquico, vestia muito bem, era delicadíssimo no trato.

Cumpriu o serviço militar na Guiné (não tivera o aproveitamento escolar necessário e, por isso, foi incorporado) nos Serviços de Intendência.. Como virá a afirmar mais tarde o Leandro que, jovem advogado, foi obrigado a palmilhar, em Angola, quilómetros e quilómetros de mato, as mais das vezes debaixo de fogo intenso, uma cunha do tamanho de um prédio de 9 andares (nunca cheguei a perceber porquê 9 e não 8 ou 10) proporcionou ao Chico, não a guerra das emboscadas ou das minas, mas a guerra do arroz e do feijão.

 

Regressado do Ultramar o Chico, embora se voltasse a matricular em Direito, muito raramente frequentava as aulas. Um dia soubemos que tinha desertado para Londres, arrastado pela paixão que nutria por uma jovem cantora e bailarina que havia conquistado um pequeno papel no musical Hair. A paixão não tardou a arrefecer e o Chico converteu-se então num globe-trotter.

Anos depois acabou por casar com uma brasileira, divorciada, que conhecera num cruzeiro pelos rios da Rússia. Não têm filhos, vivem entre Lisboa, numa casa de família, para as bandas do Lumiar e em Elvas, num pequeno palacete que lhe coube em herança pela morte de um tio, irmão do pai.

O Chico é o típico segundo filho de uma família rica: o irmão mais velho gere os negócios, enfrenta os obstáculos, celebra as vitórias … e manda creditar-lhe a mesada.

 

Tinha visto o Chico pela última vez numa manhã de dezembro passado, em Lisboa, no Olivais Shopping. Ontem, enquanto a Aninhas se deliciava com um filme, daqueles muito férteis em encontros e desencontros que as televisões nos costumam oferecer nas tardes de fim-de-semana a troco de lhes permitirmos que nos moam o juízo com injeções de publicidades idiotas, e eu, muito lentamente, quase sem dar por isso, me aninhava gostosamente nos braços de Morfina (Morfina não é a mulher de Morfeu, pois não? Que tentativa tão desastrada de tentar fazer uma graça onde não há graça nenhuma!) tocou-me o telemóvel. Era o Chico.

- Olá, Zé, vocês como é que estão? Ótimo. Vamos almoçar amanhã ao restaurante da Amieira? Preciso desabafar. Tens que me aturar. À uma e meia está bem? Um abraço. Até amanhã.

O telefone, sempre mo afirmou o Chico, não é para namorar é para transmitir recados, marcar encontros, nada mais.

 

Almoçámos muito bem. Durante o repasto a conversa do costume: a saúde, o tempo, os festejos de Natal, a Passagem do Ano. Após o café o Chico levantou-se e saiu para o exterior para poder saborear a sua costumada cigarrilha. Segui-o.

- Então, Chico, a tua aflição? Que tinhas tanta necessidade de desabafar?

- Conheces o Orçamento Geral do Estado? Tens plena consciência do assalto à mão armada que ele representa?

- Sei, Chico. Tens toda a razão. Por isso mesmo, e na parte que mais me diz respeito, que é a dos Reformados e dos Pensionistas, fiquei satisfeito ao tomar agora conhecimento dos termos em que o Cavaco solicitou ao Tribunal Constitucional a sua fiscalização sucessiva.

- E acreditaste?

- Acreditei em quê?

- No que leste nos jornais, no que ouviste na televisão. Meu caro, eu, como bem sabes, não faço nada, nunca fiz nada, nunca logrei obter um cêntimo que fosse pelo produto do meu trabalho, tenho a minha mesada, a Rita de Cássia também é bastante rica, não tenho filhos, nunca virei a ser reformado ou pensionista, sou o que se pode apelidar de um tipo verdadeiramente independente. E isto leva a que a minha visão crítica do mundo e das coisas tenha muito poucas hipóteses de vir a ficar distorcida por quaisquer lentes côncavas ou convexas. Há um livro do Erico Veríssimo, será Caminhos Cruzados?, em que ele tenta antecipar as conclusões a que chegaria um marciano se, de repente, livre de qualquer contágio, se dispusesse a observar este nosso planeta, desgastado e poluído. Às vezes sinto-me o tal marciano.

 

Voltando ao Orçamento, o Sr. Presidente da República devia tê-lo vetado, como lhe competia, invocando precisamente os mesmos argumentos agora publicitados.

(Agora um aparte meu. O Chico, desde sempre, quando se refere a qualquer individualidade, nunca diz o Fulano ou o Sicrano, como acontece com qualquer um de nós. O Chico diz sempre o Sr. Fulano ou o Sr. Sicrano. É um senhor à antiga! – como o qualifica o meu amigo José Sacadura, que já teve o privilégio de almoçar com o Chico umas duas ou três vezes no Centro Comercial Colombo.)

Não o fez, porem. Porquê? Não o fez porque nunca pretendeu que o Orçamento fosse rejeitado.

- OK. Chico. Mas, então, explica-me lá porque é que ele solicitou a fiscalização sucessiva?

- O Sr. Presidente e o Sr. Primeiro-Ministro reúnem-se, regulamentarmente, todas as quintas-feiras. Durante as reuniões não falarão certamente nem de futebol nem de telenovelas, falarão, obviamente, da chamada coisa pública, da gestão deste país. É bem claro, para mim, que, na proximidade da apresentação, pelo Governo, da proposta de Orçamento, o Sr. Presidente tenha manifestado alguma curiosidade em conhecer, pelos menos, as suas linhas mestras, ou, como alguém também diz, as suas linhas de força. O Sr. Primeiro-Ministro não lhas terá, certamente, ocultado. E o Sr. Presidente tê-las-á aceite? Temo bem que sim.

- Porque estás tão certo disso Chico?

- Pelo ar descontraído, direi mesmo, pelo ar de gozo com que o Sr. Primeiro- Ministro ofendeu, publicamente, os Reformados e os Pensionistas ao apregoar que muitos deles andam a receber chorudas pensões sem terem descontado nem os montantes nem os anos devidos. A que Reformados e Pensionistas se estaria ele a referir? Como chegou a esta conclusão? Baseado em que dados? Nada especificando o Sr. Primeiro-Ministro meteu num mesmo saco todos os Reformados e Pensionistas e, intencionalmente, estigmatizou-os perante as gerações mais novas, levando-as a concluir que as moléstias que as afligem, (desemprego, salários baixos), se devem muito particularmente a este bando de velhos inúteis e parasitas, que lhes sugam, sem um mínimo de legitimidade, uma importante fatia dos recursos financeiros disponíveis. Achas que ele se atrevia a tomar esta iniciativa se não tivesse tido conhecimento prévio da passividade do Sr. Presidente?

- Mas, Chico, independentemente de tudo o que tu acabaste de afirmar, o Sr. Presidente acabou por solicitar a fiscalização sucessiva.

- Elementar, meu caro Watson. Era o mínimo que podia fazer para não sair excessivamente chamuscado. O que é que vai, com toda a certeza, acontecer? O Tribunal Constitucional, tal como no ano passado, irá declarar inconstitucionais as disposições que se referem aos Reformados e aos Pensionistas. Mas, também como aconteceu no ano passado, blá, blá, blá, ficará tudo na mesma: a inconstitucionalidade só se irá aplicar em 2014. E o Sr. Presidente fica na maior.

- Chegaste a prestar alguma atenção à terminologia usada pelo Sr. Presidente na apreciação às disposições que se referem aos Reformados e aos Pensionistas?

- Oh, se prestei. Lembras-te do Sr. Presidente, umas duas ou três vezes, perante a insistência dos jornalistas, ter afirmado que não cedia a pressões, que não lhes ia dizer o que pensava, que esperassem pelas suas Memórias? Essa adjetivação estava toda destinada a constar, exclusivamente, nas Memórias.

- O Sr. Presidente, Chico, enquanto Pensionista, também não lhe ficava muito bem se acabasse por vetar um Orçamento em benefício próprio.

- Balelas, meu caro. De acordo com o que foi amplamente divulgado pela comunicação social o Sr. Presidente ficou muito rico com o negócio das ações do B.P.N. Ele tem que lhe chegue e mais ou menos corte na pensão não o aquece nem arrefece. O que, verdadeiramente, lhe importa, é o julgamento da História. Por isso mesmo ele referiu aos jornalistas que esperassem pelas suas Memórias, que muito provavelmente fará publicar aí por 2017/2018, onde tenciona escarrapachar toda aquela adjetivação a que há pouco te referiste. Ora, o que acontece, é que, às tantas, terá começado a aperceber-se, muito provavelmente não só ele, mas também a Fada Madrinha, a Srª. Drª. Maria Cavaco, que, da edição das Memórias não logrará vender mais do que uns 50 ou 60 exemplares e que, o que a História reterá, será tão somente o que vier a ser transmitido pelos avós aos netos. Percebes agora esta bem conseguida operação de marketing? Tadinho do Sr. Presidente, ele bem tentou, até chamou aqueles nomes feios todos, mas os mauzões dos Juízes é que não permitiram que fosse feita justiça. A maquillage, assim, não esperou por 2017/2018: começou neste preciso instante.

 

- Que pensas do comportamento do Dr. Moedas no outro dia na conferência de imprensa?

- Porque é que o Sr. Dr. Moedas se riu? Por ser novo, por ser inexperiente, por ser idiota? Nada disso, meu amigo. O Sr. Dr. Moedas é novo, sim, mas está longe de ser inexperiente e de ser idiota. O único animal que se ri sem razão aparente é a hiena, que se está sempre a rir, embora se alimente de merda e só faça sexo uma vez ao ano. O Sr. Dr. Moedas, quando se riu na televisão, estava-se a rir de nós todos. O Sr. Dr. Moedas foi tão simplesmente um péssimo ator.

Lembras-te da peça de Shakespeare ‘Como quiserdes’ onde um ator, às tantas, declama ‘Todo o mundo é um palco e todos os homens e mulheres não passam de simples atores; todos têm as suas entradas e as suas saídas…’? O Sr. Dr. Moedas estava a representar o papel de mensageiro da desgraça, competia-lhe afivelar um ar sóbrio durante toda a leitura do monólogo e sair de cena com lágrimas furtivas riscando-lhe a face; rir, sim, mas só quando o pano tivesse descido e as luzes do palco extintas. O Sr. Dr. Moedas sabia que o que dizia não fazia qualquer sentido, que era só para assustar os ouvintes, por isso não lhe competia rir-se, pois, assim, estava a gozar com quem lhe paga o ordenado e as revisões do carro.

Muito melhor foi o senhor que anunciou a TSU dos 7,5%; esse, sabendo muito bem que era teatro ficcionado, nunca se riu: é muito melhor ator que o Sr. Dr. Moedas.

 

Um ditado antigo alerta-nos: É muito mau, mas podia ser muito pior. É esta a peça que o Sr. Dr. Moedas e seus companheiros de troupe se habituaram a nos representar: Tão a ver meninos, nós não somos tão maus como poderíamos ser, até ainda temos um bocadinho de pena de vocês.

- Diz-me lá, Chico, o que é que tu achas que se deveria fazer?

- No outro tempo, lá na Terrugem, quando, nas casas antigas, aparecia uma meia dúzia de baratas, ou mais, as pessoas começavam por se preocupar em matá-las, e só depois é que iam investigar qual a sua origem, qual o buraco ou buracos por onde teriam entrado. Já fizeste as contas a quantas Comissões, a não sei quantos Assessores pagos a peso de ouro, à legião de Consultores Externos que, em cada segundo vão cobrando milhões e milhões…e para fazer o quê? O pobão (como diz o Estebes) tem sido, regularmente, informado do que essa gentalha toda anda a fazer?

Com as baratas a passearem, incólumes, pela casa, saqueando as provisões da despensa e largando fezes em todo o lado, constitui um erro crasso deitarmo-nos a adivinhar qual, ou quais, as suas prováveis origens. Enquanto teorizamos, as baratas continuam a reproduzir-se e, além de se multiplicarem, também se tornam mais resistentes. Serão até, eventualmente, muito capazes de construir séria argumentação com vista a justificar a sua imprescindibilidade.

 

Está uma linda tarde. Está frio mas sabe bem estar cá fora. Repara que há um único barquito lá em baixo, nem um só daqueles insonsos barcos de turismo, com esta delícia de luz, com este azul maravilhoso. Ninguém está virado para prestar homenagem às ninfas do Guadiana! E ainda há quem teime em afirmar que nós somos um país de marinheiros. Alinhas num Cardhu com duas pedras de gelo?

 

Foram estas as últimas palavras do Chico cuja transcrição se justifica.

 

Um forte abraço do amigo

 

Vila Viçosa, 13 de janeiro de 2013

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publicado às 17:34

Vozes Avisadas

13.01.13

Perca de "legitimidade" do Governo e papel mais interventivo do Presidente da República 

Preocupações e alertas de Adriano Moreira e Alfredo José de Sousa, no Público Online

 

Adriano Moreira avisa que o Governo está a perder “legitimidade” (11-1-2013)

O antigo líder do CDS-PP, Adriano Moreira, considera que o Governo de Passos Coelho está a perder “legitimidade” por estar a aplicar um programa “bem diferente” daquele que com que se apresentou a eleições.

Em entrevista à Antena 1 nesta sexta-feira, Adriano Moreira afirmou que é “absolutamente evidente que entre o programa oferecido e o programa que está a ser executado não há coincidência e aí começa a perda da legitimidade do exercício”.

Reconhecendo que o memorando da troika é “uma condicionante” para o Executivo, realçou, no entanto, que o documento já existia quando o PSD foi a eleições. E admitiu mesmo que o se Tribunal Constitucional decidir pela inconstitucionalidade de algumas normas do Orçamento do Estado essa legitimidade ainda ficará mais frágil. Nesse caso, o Governo terá que “encontrar soluções de emergência e de urgência para colmatar os vazios” provocados pelo chumbo dessas normas.

Adriano Moreira também disse duvidar se “o país aguenta mais dois anos esta situação de tensão”. “Dentro do próprio Governo e da representação parlamentar da maioria, na consciência e inteligência das pessoas, há divergências”, e só se conseguem convergências pela pressão a que o país e o Governo estão sujeitos para cumprir o acordo com a troika.

Esta situação de condicionamento devido à troika “tem reflexos preocupantes”, observa Adriano Moreira, nomeadamente na “tendência que há em alguns lugares e intervenções para tratar a Constituição como se fosse uma lei ordinária”. Ora, o antigo líder centrista diz que este é o cenário dos “protectorados”, e no caso de Portugal quem dá as orientações são as instituições internacionais.

Instituições internacionais que, afirma Adriano Moreira, dão ao Governo orientações neoliberais acompanhadas de uma “atitude repressiva” e que o PSD praticamente assume como suas, aponta.

“Esse partido [PSD], tendo ele tido sempre uma pluralidade de orientações - foi sempre um partido bastante plural -, o acento tónico é [agora] neo-liberal. É um neo-liberalismo implacável nas circunstâncias em que nós estamos e essa ideologia liberal é acompanhada de uma atitude repressiva”, criticou Adriano Moreira, adiantando que o Governo e o principal partido que o suporta funcionam tendo por base estratégica unicamente o orçamento e não se preocupam com o cumprimento dos preceitos constitucionais.

Por isso, o antigo líder do CDS-PP defende que há quem, no seu partido, embora participe na coligação governamental, não concorde com a orientação que está a ser seguida pelo executivo. E diz mesmo que as sugestões e imposições da troika vão contra a concepção que o CDS-PP tem do Estado social, mas o partido liderado por Paulo Portas não se rebela porque é responsável e tem consciência de que “qualquer crise política seria muito grave para o país”.

 

Provedor de Justiça quer que Cavaco tenha um papel mais interventivo (13-1-2013)

O Provedor de Justiça considera que se algumas normas do Orçamento do Estado para 2013 forem inconstitucionais isso implicará uma renegociação do memorando de entendimento com a troika. Alfredo José de Sousa quer também que o Presidente da República tenha um papel mais interventivo.

O provedor, que falava numa entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, defendeu que “o Presidente da República terá de ser mais interventivo, fazer uso dos seus poderes constitucionais, ainda que só tendo direito à palavra, ou ao exercício da palavra”. Alfredo José de Sousa referia-se, concretamente, à necessidade de fazer ajustamentos ao programa de ajuda externa e à falta de entendimento entre os partidos no que diz respeito aos cortes nas funções do Estado, para justificar a importância de Cavaco Silva ter um papel mais activo.

Sobre os cortes nos rendimentos dos reformados inscritos no Orçamento para este, o provedor classificou-os como “brutais” e relevou que já recebeu mais de 1000 queixas relacionadas com este assunto. “O direito dos reformados é um direito adquirido, depois de ser um direito em construção na medida em que vão fazendo descontos ao longo da sua carreira. E há até quem faça equivaler esse direito a um direito de propriedade”, justificou o também juiz, na mesma entrevista.

Esta foi aliás, explicou Alfredo José de Sousa, uma das principais razões que estiveram na base do envio do documento para o Tribunal Constitucional para fiscalização sucessiva. O provedor anunciou nesta semana que pediu a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de dois artigos do Orçamento do Estado, relativos à suspensão do pagamento do subsídio de férias de aposentados e reformados e à contribuição extraordinária de solidariedade de reformados e aposentados.

Em causa estão os artigos 77.º e 78.º, que, na perspectiva de Alfredo José de Sousa, “violam os princípios da igualdade, protecção da confiança e proibição do excesso, pondo em causa o disposto nos artigos 13.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa”.

Quanto a não ter feito nenhum pedido de fiscalização no ano passado, o provedor justificou que na altura pensou que a situação fosse única e irrepetível. Mas perante a reincidência decidiu dar seguimento às queixas que recebeu. “Os cortes deste ano, apesar de algum equilíbrio, dando seguimento às razões de inconstitucionalidade relativamente ao Orçamento de 2012, são brutais, sobretudo os cortes nos rendimentos dos aposentados”, acrescentou. E lembrou que os pensionistas e reformados, ao contrário dos trabalhadores no activo, não têm um poder importante nas suas mãos: o direito à greve.

Rui Beja

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publicado às 16:14

A Insegurança Social

 Mira Amaral critica medidas aplicadas aos pensionistas, no Expresso de 8 de Dezembro de 2012

 

Com o conhecimento de causa que lhe advém de, como ministro do Trabalho e Segurança Social, ter criado a Taxa Social Única (TSU), que então "passou a cobrir os subsídios de desemprego e de doença e a assegurar as pensões", Luís Mira Amaral descreve as bases do sistema e pronuncia-se sobre a sua evolução até se chegar à situação que o OE 2013 reflecte.

 

Começa por realçar que "as pensões sociais não têm base contributiva e são fornecidas pelo Estado social enquanto as do regime contributivo são de um Estado segurador que nos obriga a fazer esse seguro de velhice, sendo pagas pelo beneficiário", para enfatizar que "no regime distributivo o trabalhador (e a sua empresa) ao contribuirem para a TSU estão a pagar a sua reforma mas estão a financiar a da geração anterior na esperança de que a geração futura lhes financie a sua.".

 

Prossegue escrevendo que "Com Marcello Caetano começaram a pagar-se pensões sociais sem base contributiva. O Estado nem sempre transferiu para o orçamento da Segurança Social as verbas correspondentes, descapitalizando esta e fazendo com que os que contribuem estivessem, na parcela que financiava o buraco dos regimes não contributivos, a pagar um IRS não explícito.".

 

Termina referindo a situação a que se chegou, e as normas contidas no OE 2013, nos termos abaixo transcritos na íntegra:

 

"Quando Sócrates começou a baixar vencimentos na função pública, Teixeira dos Santos resistiu e bem num primeiro momento a cortar as pensões pois elas não têm a ver com os salários actuais mas sim com os passados, sobre os quais se descontou.

 

Mas depois abriu-se a Caixa de Pandora e este jovem Governo pôs os reformados sempre na primeira linha dos cortes, ao contrário do espanhol Rajoy que afirmou que as pensões seriam a última coisa a cortar.

 

Chegou-se agora à situação chocante de se cortarem pensões de 1350 euros. Por outro lado, Passos Coelho que entende que o salário máximo deve ser 5000 euros (no outro PREC, o da esquerda, Vasco Gonçalves tinha fixado o salário máximo em 50 contos...) teve um especial carinho pelas pensões acima de 5000 euros, esquecendo que se não houve plafonamento nos descontos (havia descontos milionários) também não pode haver plafonamento nas pensões... Chegou a chamar privilegiados aos pensionistas de 7000 euros.

 

Criou-se um imposto extraordinário de solidariedade sobre as pensões que faz com que os pensionistas paguem mais impostos do que os outros contribuintes, o que me parece claramente inconstitucional! A solidariedade e o financiamento à pátria faz-se nos impostos, não na TSU... Se se entende que há pensões elevadas, o IRS fortemente progressivo já resolvia isto!

 

O sistema transformou-se pois numa fonte de insegurança social e o que se está a fazer aos pensionistas atuais mostra que o Estado segurador não se porta bem, coisa em que as novas gerações que pagam a TSU devem refletir..."

 

Face ao conteúdo esclarecedor deste artigo de opinião, aliás na linha do que tem sido dito pelos mais reputados constitucionalistas e por reconhecidos especialistas na matéria, que mais será preciso conhecer para que se conclua que o veto presidencial ou a suscitação da verificação preventiva da constitucionalidade do OE 2013, pelo menos no que a este tema diz respeito, serão sempre solução menos má do que a inevitável suscitação de análise consecutiva? A Troika não gostará e o Governo sairá ainda mais enfraquecido. Certo. Mas tudo o que de negativo possa acontecer é de sua inteira responsabilidade e, como refere o ditado popular: nada se come tão quente como se cozinha!

Rui Beja

 

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publicado às 23:26

Um mau passo

Vítor Bento arrasa ataque aos reformados, no Diário Económido de 12 de Dezembro de 2012

 

O economista e Conselheiro de Estado Vítor Bento, próximo da área do PSD, critica duramente a medida prevista no OE 2013, de exigir aos reformados, e só aos reformados, o pagamento de uma “Contribuição Extraordinária de Solidariedade”. Refere que, em termos marginais, esta contribuição pode ir até aos 50%, para além do corte de 90% de um subsídio e dos impostos a que as pensões já estão sujeitas, nomeadamente o IRS progressivo, o que viola vários princípios da justiça distributiva. Afirma ainda que a norma pode ser vista como um confisco de património privado, ao estar previsto que seja extensível às pensões oriundas de fundos de pensões e às rendas vitalícias:

 

“Uma das histórias contadas na minha infância – creio que integrava um dos livros de leitura – falava de uma terra onde os filhos costumavam levar os pais velhos, que já não podiam trabalhar, para o cimo de um monte, onde ficavam sozinhos, à espera do fim.

 

Certa vez, quando um dos filhos dessa terra cumpria o ritual, colocando o velho pai no tal monte e deixando-lhe uma manta para se abrigar do frio enquanto sobrevivesse, o ancião perguntou-lhe se não teria por acaso uma faca consigo.

 

Ao que o filho respondeu: "Tenho, sim senhor. Para que a quer?". "Para que cortes esta manta ao meio e guardes metade para ti, para quando o teu filho te trouxer para este lugar!".

 

Como estas histórias eram destinadas a retirar uma consequência moralizadora, o rapaz percebeu o alcance do pedido, levou o pai de volta para casa e com isso se acabou o terrível costume.

 

Lembrei-me da história a propósito do artigo 76º do OE 2013 (versão da proposta) e, muito em particular, em particular do seu número 2. Este preceito exige dos reformados - e só deles! - o pagamento de uma "contribuição extraordinária de solidariedade", que, em termos marginais, pode ir até aos 50%, para além do corte de 90% de um subsidio e dos impostos a que as pensões já estão sujeitas - nomeadamente o IRS, progressivo. Isto provoca, em muitos casos, uma drástica redução de rendimento para quem, tendo planeado a fase final do seu ciclo de vida com base numa promessa do contrato social, nuns casos, ou de puros contratos, noutros casos, já não dispõe de condições nem de tempo para reajustar o seu plano de vida à violenta quebra dessa promessa e ao consequente desmoronamento da fase final desse seu plano.

 

Por isso - e a não ser que me esteja a escapar qualquer coisa que torne este meu raciocínio num grave erro - me parece que aquela norma viola tantos princípios da justiça distributiva - da justiça intergeracional, à equidade, à igualdade, à proporcionalidade,…-, que não vejo como tal manta possa escapar à faca da vigilância constitucional. E, se não escapar, será um risco desnecessário para a execução orçamental.

 

E não é apenas a justiça distributiva que está em jogo. É que, ao estender-se às pensões oriundas de fundos de pensões e às rendas vitalícias - que não constituem uma redistribuição contemporânea de rendimento, como é o caso das pensões da Segurança Social ou da Caixa Geral de Aposentações, mas são a distribuição de património já acumulado e que, por direito, pertence aos beneficiários dessas pensões -, a norma pode ainda ser vista como um verdadeiro confisco de património privado.

 

É pena que tal zelo nunca tenha sido aplicado às rendas no sector não transaccionável. Não só por questões suscitáveis em sede de equidade na distribuição dos imperativos de solidariedade, mas porque aquelas constituem um factor de erosão da competitividade do sector transaccionável, de que depende a recuperação e a sustentabilidade do crescimento da economia.

 

Enfim, tal como uma andorinha não faz a primavera, uma medida injusta não contamina todo um programa, nem define, só por si, a justiça global desse programa. Embora possa contribuir, desnecessariamente, para a erosão do consenso social e político de que depende o seu sucesso. Preserve-se, pois, o essencial - em que é preciso perseverar, com paciência e estoicismo -, porque ele é indispensável.

Vitor Bento, Economista 

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publicado às 00:59

Aposentados e Reformados pedem intervenção do Presidente da República

Petição para o PR requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade do OE para 2013.

 

A indignação relativa às medidas fiscais de carácter discriminatório, para não dizer persecutório, previstas no OE 2013 relativamente a aposentados, pensionistas e reformados, não pode, conforme já antes aqui afirmei, ficar-se pelas palavras.

Sendo certo que o Provedor de Justiça determinou a abertura de processo para estudo de eventual iniciativa sobre as várias questões de constitucionalidade levantadas pelo Orçamento de Estado para 2013, é sabido que esta relevante iniciativa, embora confirme a percepção de existência de insconstitucionalidades, tem um caminho processual a percorrer e apenas poderá levar ao requerimento da fiscalização sucessiva do OE 2013 pelo Tribunal Constitucional.

Por estas razões, e conforme tem sido publicamente opinado pelos mais diversos e prestigiados constitucionalistas, é da maior importância que o sehor Presidente da República requeira a fiscalização preventiva; para que não se cumpra o destino penunciado no discurso e nas decisões governamentais, desta forma caracterizado em Carta Aberta ao Primeiro-Ministro, subscrita pelo escritor e intelectual Eugénio Lisboa, : "querem mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós".

 

A Petição Pública cujo texto abaixo se transcreve, está disponível para assinatura em http://www.peticaopublica.com/?pi=P2012N32741

 

PETIÇÃO
Resumo. Os cidadãos aposentados não são “gorduras do Estado”. Não são sequer “despesa” que o governo teria de cortar para não sobrecarregar, ainda mais, os impostos dos portugueses que trabalham. É o Estado que está em dívida para com os aposentados que lhe confiaram, durante a sua vida activa, com as suas quotizações mensais, as receitas destinadas ao pagamento das suas pensões de aposentação. Compete ao governo, no exercício das suas competências admnistrativas, tomar as providências necessárias ao respeito por este contrato legal do Estado com os aposentados. Mas o governo, em vez disso, pretende confiscar novamente parte das pensões que lhes são devidas. Por isso se vem pedir uma intervenção qualificada, nos termos abaixo indicados, do Presidente da República que, no seu acto de posse, jurou «defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa» (art.127º, 3º).
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Senhor Presidente da República
Excelência

1. Os cidadãos aposentados da função pública (Caixa Geral de Aposentações) e do sector privado (Segurança Social) têm direito a remunerações mensais designadas ora por pensões de aposentação (na função pública), ora por pensões de reforma (no caso dos militares e equiparados), ora por pensões de velhice (no sector privado). Para simplificar, chamaremos a todas «pensões de aposentação».

2. A pensão de aposentação não é uma benesse do Estado português, muito menos do governo ou dos demais orgãos de soberania — actuais, pretéritos ou vindouros. É um direito fundamental que a maioria esmagadora dos aposentados adquiriu através dos “descontos” mensais que efectuaram, ao longo da sua vida activa, sobre a totalidade dos seus salários, vencimentos ou ordenados, incluindo os chamados subsídios de férias e de Natal, em vigor desde Agosto de 1974. Esses subsídios são parte integrante da remuneração de base anual que é paga em 14 mensalidades (art. 70º, nº3, da lei nº12-A/2008). Daí que sejam 14, e não 12, o número das pensões mensais a que têm direito anualmente os aposentados que descontaram sobre 14 salários por ano. O valor mensal da pensão que auferem é o que foi fixado por lei, e varia de acordo com os descontos correspondentes aos seus salários, vencimentos ou ordenados e o número de anos da sua carreira contributiva.

3. O sistema previdencial das pensões de aposentação é autofinanciado. Quer isto dizer que o dinheiro com o qual são pagas as pensões de aposentação, não provém dos impostos pagos pelo conjunto dos contribuintes. Provém, sim, da capitalização da receita obtida com as quotizações mensais (os referidos “descontos”) que os cidadãos agora aposentados — e as suas entidades empregadoras no caso dos trabalhadores por conta de outrem — confiaram ao Estado para esse fim exclusivo. Isto é, estes cidadãos, durante a sua vida activa, entregaram ao Estado essa receita, confiando que os seus organismos competentes, sob a supervisão do governo e demais orgãos de soberania, a admnistrariam bem, a fim de que, chegada a hora da sua aposentação, lhes fosse devolvida sob a forma de pensões de aposentação proporcionais às quotizações que pagaram à taxa de esforço fixada na lei.

4. Ora, no Orçamento de Estado (OE) de 2012, o governo actual rasgou este contrato bilateral estabelecido na Lei de Bases da Segurança Social (artigo 54º), ao cortar ilegalmente 2 meses de pensão, dos 14 meses a que os trabalhadores aposentados da Caixa Geral de Aposentações e outros mais têm direito.

5. Agora, o mesmo governo prepara-se para fazer o mesmo, indo ainda mais longe. No OE para 2013, pretende cortar uma parte substancial de uma pensão mensal aos aposentados que auferem entre 600 e 1100 euros brutos. Essa parte sobe para 90% de uma pensão mensal para todos os aposentados que auferem pensões superiores a 1100 euros brutos. Aos que auferem pensões entre 1350 e 1800 euros brutos, ser-lhes-á ainda cortado 3,5% das restantes pensões mensais. Aos que auferem pensões entre 1800 e 3750 euros brutos, acresce um corte adicional que pode ir até 10%. Os que auferem pensões superiores a 5031 euros brutos sofrem um corte adicional entre 15% a 50%.

6. Tem-se feito muita demagogia à pala das pensões superiores a 5000 euros, qualificadas de “pensões milionárias” por alguma imprensa. Mas das duas uma: ou as pessoas que auferem essas pensões efectuaram os descontos legais correspondentes aos elevadíssimos salários ou vencimentos que auferiam (merecida ou imerecidamente), e nesse caso auferem a pensão a que têm direito, ou então não o fizeram por terem burlado o Estado, e nesse caso são um caso de polícia, um crime que compete à Procuradoria-Geral da República investigar. Seja como for, não confundamos a árvore com a floresta. As pessoas com pensões chorudas são uma pequena minoria (0,3%) entre mais de 2 milhões de aposentados. Os aposentados com pensões superiores a 5000 euros são 907 na Segurança Social e os aposentados com pensões superiores a 4000 euros são 5236 na Caixa Geral de Aposentações (dados de 2011, www.pordata.pt).

7. Note-se que os cortes descritos no ponto 5 são exclusivamente feitos aos aposentados e (em menor grau) aos funcionários públicos. A eles se vêm acrescentar, entre outras, as medidas que estão previstas em sede de IRS para todos os trabalhadores no activo, da função pública e do sector privado, e também para todos os trabalhadores aposentados: uma sobretaxa de 3,5%, acrescida de um aumento brutal do IRS por via da diminuição da progressividade dos seus escalões. Por isso, de todos os contribuintes, são os aposentados, especialmente os que auferem pensões entre 1100 e 3000 euros brutos (cerca de 300 mil pessoas), os mais penalizados pela chamada política de ajustamento.

8. Fica pois claro que os cortes feitos aos aposentados (ponto 5) nada têm que ver com a justiça social. Não são sequer mais um imposto geral, porque um imposto geral (como, por exemplo, o IRS), aplica-se a todas as pessoas com capacidade contributiva, seja qual for o seu estatuto e tipo de rendimento, não a um grupo específico. Que são então? Parece que não há outros termos que convenham senão os de «confisco» e «esbulho», como frizou um conselheiro de Estado, o dr. Bagão Félix, ex-ministro das finanças de um governo com a mesma composição partidária do que o actual (cf. entrevista na RTP,12-07-2012, www.rtp.pt/noticias/index.php?article= 570245&tm =layout=122&visual=61, e entrevista na Rádio Renascença,13-09-2012, http://rr.sapo.pt/ informacao_detalhe.aspx?fid=1288&did =77235).

9. Para esconder esta realidade dos portugueses que ainda não chegaram à idade de aposentação — e todos lá chegarão um dia, se tiverem saúde e sorte bastantes — o governo deu nomes enganadores a estas medidas ilegais que pretente aplicar aos aposentados. À primeira chama “suspensão do subsídio de férias” (como se a situação de aposentação fosse a de férias permanentes e ainda por cima subsidiadas à custa do erário público e ele viesse, justiceiro, corrigir esse “escandaloso abuso”) e à segunda chama “contribuição extraordinária de solidariedade” (como se os aposentados merecessem pagar um imposto “especial” como castigo…por terem trabalhado uma vida inteira). Não se coíbindo de comportar-se como se fosse ele o dono e senhor do dinheiro das suas pensões de aposentação, o governo quer também apresentar os aposentados como parasitas, cigarras a viver à custa das formigas.

10. Compreende-se por isso que uma ex-ministra das finanças, a dra. Manuela Ferreira Leite, tenha qualificado as medidas do governo contra os aposentados como «um logro, um verdadeiro conto do vigário» (cf. entrevista à TVI, 13-10-2012, http://www.tvi.iol.pt/videos/13697333). Não se pode dizer que disse isto por ser de um partido de oposição ao governo, porque se trata de uma pessoa que pertence há muitos anos, e foi aliás recentemente dirigente máxima, do partido que é o esteio principal do governo actual.

11. Em face do exposto, não parece haver quaisquer dúvidas do seguinte: as medidas descritas no ponto 5 (sem prejuízo de outras que poderão suscitar juízos semelhantes) são ilegais por violarem a lei de bases da segurança social em vigor (em especial os seus artigos 14º e 100º). São também inconstitucionais, por violarem o princípio da igualdade, na dimensão da igualdade na repartição dos encargos públicos, consagrado no artigo 13º da Constituição; o princípio da segurança social, consagrado no artigo 63º da Constituição, em especial o seu nº 4, e o princípio da confiança no Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º.

12. Na verdade, chamado a pronunciar-se, a pedido de um grupo de deputados, sobre medidas semelhantes do OE de 2012 (ver ponto 4 desta petição), o Tribunal Constitucional decretou a sua inconstitucionalidade por violarem o princípio da igualdade na distribuição dos encargos públicos. No entanto, daí não advieram quaisquer consequências práticas para as vítimas dessas medidas. O Tribunal Constitucional alegou que era tarde demais para se conseguir anular os efeitos gravosos dessas medidas inconstitucionais. Importa, por isso, que tal não torne a suceder por idênticos motivos.

13. Acresce que Tribunal Constitucional reconheceu no seu acordão nº353/2012 que a situação específica dos aposentados se diferencia da dos trabalhadores da admnistração pública no activo e suscita, pelo seu melindre, diferentes ordens de considerações no plano constitucional. No entanto, o Tribunal decidiu não considerar essa questão no seu acordão, por entender que tal seria desnessário. Tudo indica que terá julgado que ao ter declarado inconstitucionais, pelo motivo apontado, as medidas do governo já citadas, isso bastaria para proteger os aposentados (e os funcionários públicos) de novas agressões. Como se vê, isso não aconteceu. O governo prepara-se para repetir, em dose agravada, as mesmas medidas.

Por isso, nós, abaixo-assinados, ao abrigo dos artigos 48º e 52º da Constituição, vimos requerer-lhe, senhor Presidente da República, na sua qualidade de mais alto magistrado da nação e primeiro garante do cumprimento da Constituição da República Portuguesa, que utilize os poderes que a Constituição lhe confere (nos seus artigos 134º, alínea g, e 278º, 1º) para requerer, junto do Tribunal Constitucional, a fiscalização preventiva da constitucionalidade do OE para 2013.

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publicado às 18:19

Sr. Deputado!

02.12.12

Consegue dormir descansado, Sr. Deputado?!!!

Grito de alma de Rosário Gama*, no jornal Público de 2 de Dezembro de 21012

 

Consegue dormir descansado, Sr. Deputado da maioria, depois de ter levantado o braço para aprovar a lei do Orçamento de Estado para 2013? Não sentiu o braço pesado? E a sua consciência, não lhe pesou? É que a mim pesam e muito as medidas que os senhores acabaram de aprovar claramente discriminatórias dos "cidadãos" aposentados, pensionistas e reformados, grupo em que me incluo, em grosseira colisão do O.E. com o princípio da Igualdade, da confiança e da boa-fé.

No círculo familiar próximo do Sr. Deputado, não há “idosos” pertencentes à classe média, aquela que V. Ex.ªs querem exterminar? Ou são todos da classe alta?

Não vos disseram que a partir das medidas que os senhores aprovaram os vossos familiares também estão a ser roubados, relativamente ao compromisso assumido pela Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações no momento em que se reformaram?

Não foram estes 270 mil, que os senhores consideram “privilegiados” que contribuíram para a economia, cultura e bem social deste país? E que dizer dos restantes, que perfazem os 2 milhões e 600 mil que, já agora vivem abaixo do “limiar da pobreza” tendo há muito ultrapassado este limiar para um nível negativo?

Não conhecem os senhores deputados da maioria que muitos destes cidadãos viveram toda a vida honestamente, descontaram o que o Estado exigiu para que tivessem direito a uma pensão de reforma calculada com base no valor desses descontos, e agora os senhores aprovam a redução dos escalões do IRS colocando pessoas com ordenados de 600 euros a fazer descontos de 14,5% para o IRS? E aumentam brutalmente os descontos para este imposto das pessoas que já não usufruem rendimentos do trabalho? Não conhecem o agravamento que a sobretaxa de 3,5% aplicada aos aposentados, pensionistas e reformados vem trazer às pensões de reforma deste grupo social?

Tiveram a coragem de aprovar uma contribuição extraordinária de “solidariedade” para vencimentos superiores a 1350 Euros, sabendo que isso é um imposto encapotado? Sabem que os aposentados, pensionistas e reformados assumiram compromissos que seriamente vinham cumprindo e que as medidas que os senhores aprovaram vão pôr em causa esse cumprimento? Querem ver os reformados a viver debaixo das pontes, depois de entregarem as casas por não cumprimento do seu contrato com os bancos? Querem ver os reformados a ter que ficar sem água, luz e gás devido às medidas agora aprovadas? Querem ver os reformados a “vasculhar” nos caixotes do lixo para recolher restos de comida? Os senhores sabem que muitos reformados ainda têm pais a seu cargo, filhos desempregados e netos para apoiar? Os senhores estão a ser coniventes com as medidas que o Sistema de Saúde está a preconizar para os “não utilitários”, prestando a estes só os serviços mínimos e acredito que sejam dos que pensam “que os nossos velhos já estão mortos e que, no fim de contas, estamos todos mal enterrados...”como diz Joaquim Letria, Eu se estivesse na situação dos Senhores Deputados, já não conseguia dormir com tanto peso na consciência e dor no braço que se levantou para apoiar estas medidas. É que eu já não consigo dormir a fazer contas ao que está para vir, mais ainda o que, fria e cruelmente, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou na entrevista que deu à TVI relativamente às pensões de reforma, e dói-me não o braço, apesar de me apetecer dar muitos urros…na mesa, mas a Alma, esta coisa que parece faltar a quem nos (des)governa e aos senhores que votaram este orçamento que irá empobrecer o país.

Já agora, uma palavra para os senhores deputados do Partido Socialista: Se existe a convicção que uma determinada lei, e ainda mais a lei do Orçamento, viola a lei fundamental, é obrigação dos deputados pedir a verificação dessa constitucionalidade. Assim garantem que não vivemos numa república onde a lei constitucional é um mero adereço e a oposição uma mera sala de espera para o governo seguinte.

Maria do Rosário Gama

*Coordenadora da Pró-Associação APRe! - Aposentados, Pensionistas e Reformados

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publicado às 12:44

A grosseira inconstitucionalidade da tributação sobre pensões

Palavras esclarecidas e desassombradas de Bagão Félix, no jornal Público de 18 de Novembro de 2012

 

Aprovado o OE 2013, Portugal arrisca-se a entrar no "Guinness Fiscal" por força de um muito provavelmente caso único no planeta: a partir de um certo valor (1350 euros mensais), os pensionistas vão passar a pagar mais impostos do que outro qualquer tipo de rendimento, incluindo o de um salário de igual montante! Um atropelo fiscal inconstitucional, pois que o imposto pessoal é progressivo em função dos rendimentos do agregado familiar [art.º 104.º da CRP], mas não em função da situação activa ou inactiva do sujeito passivo e uma grosseira violação do princípio da igualdade [art.º 13.º da CRP].

Por exemplo, um reformado com uma pensão mensal de 2200 euros pagará mais 1045 € de impostos do que se estivesse a trabalhar com igual salário (já agora, em termos comparativos com 2009, este pensionista viu aumentado em 90% o montante dos seus impostos e taxas!).
Tudo isto por causa de uma falaciosamente denominada "contribuição extraordinária de solidariedade" (CES), que começa em 3,5% e pode chegar aos 50%. Um tributo que incidirá exclusivamente sobre as pensões. Da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações. Públicas e privadas. Obrigatórias ou resultantes de poupanças voluntárias. De base contributiva ou não, tratando-se por igual as que resultam de muitos e longos descontos e as que, sem esse esforço contributivo, advêm de bónus ou remunerações indirectas e diferidas.
Nas pensões, o Governo resolveu que tudo o que mexe leva! Indiscriminadamente. Mesmo - como é o caso - que não esteja previsto no memorando da troika.

Esta obsessão pelos reformados assume, nalguns casos, situações grotescas, para não lhes chamar outra coisa. Por exemplo, há poucos anos, a Segurança Social disponibilizou a oferta dos chamados "certificados de reforma" que dão origem a pensões complementares públicas para quem livremente tenha optado por descontar mais 2% ou 4% do seu salário. Com a CES, o Governo decide fazer incidir mais impostos sobre esta poupança do que sobre outra qualquer opção de aforro que as pessoas pudessem fazer com o mesmo valor... Ou seja, o Estado incentiva a procura de um regime público de capitalização (sublinho, público) e logo a seguir dá-lhe o golpe mortal. Noutros casos, trata-se - não há outra maneira de o dizer - de um desvio de fundos através de uma lei: refiro-me às prestações que resultam de planos de pensões contributivos em que já estão actuarialmente assegurados os activos que caucionam as responsabilidades com os beneficiários. Neste caso, o que se está a tributar é um valor que já pertence ao beneficiário, embora este o esteja a receber diferidamente ao longo da sua vida restante. Ora, o que vai acontecer é o desplante legal de parte desses valores serem transferidos (desviados), através da dita CES, para a Caixa Geral de Aposentações ou para o Instituto de Gestão Financeira da S. Social! O curioso é que, nos planos de pensões com a opção pelo pagamento da totalidade do montante capitalizado em vez de uma renda ou pensão ao longo do tempo, quem resolveu confiar recebendo prudente e mensalmente o valor a que tem direito verá a sua escolha ser penalizada. Um castigo acrescido para quem poupa.
Haverá casos em que a soma de todos os tributos numa cascata sem decoro (IRS com novos escalões, sobretaxa de 3,5%, taxa adicional de solidariedade de 2,5% em IRS, contribuição extraordinária de solidariedade (CES), suspensão de 9/10 de um dos subsídios que começa gradualmente por ser aplicado a partir de 600 euros de pensão mensal!) poderá representar uma taxa marginal de impostos de cerca de 80%! Um cataclismo tributário que só atinge reformados e não rendimentos de trabalho, de capital ou de outra qualquer natureza! Sendo confiscatório, é também claramente inconstitucional. Aliás, a própria CES não é uma contribuição. É pura e simplesmente um imposto. Chamar-lhe contribuição é um ardil mentiroso. Uma contribuição ou taxa pressupõe uma contrapartida, tem uma natureza sinalagmática ou comutativa. Por isso, está ferida de uma outra inconstitucionalidade. É que o já citado art.º 104.º da CRP diz que o imposto sobre o rendimento pessoal é único.

Estranhamente, os partidos e as forças sindicais secundarizaram ou omitiram esta situação de flagrante iniquidade. Por um lado, porque acham que lhes fica mal defender reformados ou pensionistas desde que as suas pensões (ainda que contributivas) ultrapassem o limiar da pobreza. Por outro, porque tem a ver com pessoas que já não fazem greves, não agitam os media, não têm lobbies organizados.


Pela mesma lógica, quando se fala em redução da despesa pública há uma concentração da discussão sempre em torno da sustentabilidade do Estado social (como se tudo o resto fosse auto-sustentável...). Porque, afinal, os seus beneficiários são os velhos, os desempregados, os doentes, os pobres, os inválidos, os deficientes... os que não têm voz nem fazem grandiosas manifestações. E porque aqui não há embaraços ou condicionantes como há com parcerias público-privadas, escritórios de advogados, banqueiros, grupos de pressão, estivadores. É fácil ser corajoso com quem não se pode defender.

Foi lamentável que os deputados da maioria (na qual votei) tenham deixado passar normas fiscais deste jaez mais próprias de um socialismo fiscal absoluto e produto de obsessão fundamentalista, insensibilidade, descontextualização social e estrita visão de curto prazo do ministro das Finanças. E pena é que também o ministro da Segurança Social não tenha dito uma palavra sobre tudo isto, permitindo a consagração de uma medida que prejudica seriamente uma visão estratégica para o futuro da Segurança Social. Quem vai a partir de agora acreditar na bondade de regimes complementares ou da introdução do "plafonamento", depois de ter sido ferida de morte a confiança como sua base indissociável? Confiança que agora é violada grosseiramente por ditames fiscais aos ziguezagues sem consistência, alterando pelo abuso do poder as regras de jogo e defraudando irreversivelmente expectativas legitimamente construídas com esforço e renúncia ao consumo.

Depois da abortada tentativa de destruir o contributivismo com o aumento da TSU em 7%, eis nova tentativa de o fazer por via desta nova avalanche fiscal. E logo agora, num tempo em que o Governo diz querer "refundar" o Estado Social, certamente pensando (?) numa cultura previdencial de partilha de riscos que complemente a protecção pública. Não há rumo, tudo é medido pela única bitola de mais e mais impostos de um Estado insaciável.
Há ainda outro efeito colateral que não pode ser ignorado, antes deve ser prevenido: é que foram oferecidos poderosos argumentos para "legitimar" a evasão contributiva no financiamento das pensões. "Afinal, contribuir para quê?", dirão os mais afoitos e atentos.
Este é mais um resultado de uma política de receitas "custe o que custar" e não de uma política fiscal com pés e cabeça. Um abuso de poder sobre pessoas quase tratadas como párias e que, na sua larga maioria, já não têm qualquer possibilidade de reverter a situação. Uma vergonha imprópria de um Estado de Direito. Um grosseiro conjunto de inconstitucionalidades que pode e deve ser endereçado ao Tribunal Constitucional.


PS1: Com a antecipação em "cima da hora" da passagem da idade de aposentação dos 64 para os 65 anos na função pública já em 2013 (até agora prevista para 2014), o Governo evidencia uma enorme falta de respeito pela vida das pessoas. Basta imaginar alguém que completa 64 anos em Janeiro do próximo ano e que preparou a sua vida pessoal e familiar para se aposentar nessa altura. No dia 31 de Dezembro, o Estado, através do OE, vai dizer-lhe que, afinal, não pode aposentar-se. Ou melhor, em alguns casos até poderá fazê-lo, só que com penalização, que é, de facto, o que cinicamente se pretende com a alteração da lei. Uma esperteza que fica mal a um Governo que se quer dar ao respeito.

PS2: Noutro ponto, não posso deixar de relevar uma anedota fiscal para 2013: uma larga maioria das famílias da classe média tornadas fiscalmente ricas pelos novos escalões do IRS não poderá deduzir um cêntimo que seja de despesas com saúde (que não escolhem, evidentemente). Mas, por estimada consideração fiscal, poderão deduzir uns míseros euros pelo IVA relativo à saúde... dos seus automóveis pago às oficinas e à saúde... capilar nos cabeleireiros. É comovente...

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publicado às 22:46

Queixa ao Provedor de Justiça

Um instrumento a utilizar pelos reformados em defesa do contrato social estabelecido com o Estado

 

Inúmeras personalidades de prestigiado relevo nos mais diversos meios da sociedade portuguesa, têm-se manifestado expressivamente contra a redução do valor das reformas aplicada em 2012 e prevista no Orçamento de Estado para 2013.

Conforme refere o jornal «Público» de 7 de Julho de 2012, o reputado constitucionalista, Prof. Doutor Jorge Miranda, entendeu "profundamente injusto o tratamento dado aos pensionistas", que considera estarem a ser tratados "como pessoas de segunda classe em relação aos trabalhadores no activo".

Em «Carta Aberta ao Primeiro-Ministro», tornada pública em 10 de Setembro de 2012, o conceituado escritor e intelectual, Prof. Doutor Eugénio Lisboa, referindo-se à situação dos reformados, escreve: "Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós".

Conforme publicado em 18 de Setembro de 2012, no «Jornal de Negócios Online, o senhor Provedor de Justiça, juiz-conselheiro Alfredo José de Sousa, disse, em entrevista ao «Diário Económico», quando questionado sobre o que poderia fazer o Provedor de Justiça face às queixas recebidas após o anúncio de mais austeridade: "darei especial atenção aos cortes dos rendimentos dos reformados e à violação sinalagmática que estabeleceram ao longo dos anos com o Estado".

Neste contexto, parece de toda a justiça e adequação ao exercício dos direitos e responsabilidades cívicas, apresentar queixa-electrónica ao senhor Provedor de Justiça, face ao que, segundo tem sido noticiado, são as perspectivas de renovadas e acrescidas iniquidades previstas no Orçamento de Estado para 2013. Foi o que hoje fiz, expressando-me conforme texto que transcrevo:

  

Exmo. Senhor Provedor de Justiça,

Na qualidade de cidadão reformado da Segurança Social, actualmente com 68 anos de idade, venho formalmente apresentar queixa a V. Ex.ª contra o Estado português, representado pelo Governo da República, relativamente às propostas do Orçamento de Estado (OE) para 2013 que dizem respeito aos aposentados, pensionistas e reformados em geral e à minha pessoa em particular. Como aspectos mais relevantes refiro:

1 - Conforme é do conhecimento público, na proposta do OE 2013 consta a reposição de apenas 1,1 dos 2 subsídios (Férias Natal) retirados este ano, contrariando a decisão do Tribunal Constitucional que, aquando da apreciação sucessiva sobre a constitucionalidade do OE 2012 mandou repor os dois subsídios a partir de 2013.

2 - Está prevista no OE de 2013 a “...aplicação de uma «contribuição extraordinária de solidariedade», com natureza progressiva, às pensões de reforma mensais de valor igual ou superior a 1350€”, o que, para além de representar uma indiscutível redução unilateral e arbitrária das condições estabelecidas, configura uma forma artificial e gravosa de tornear artificialmente a decisão do Tribunal Constitucional.

3 -A iniquidade que desta forma se mantém (e nalguns casos se agrava) assume a forma de um indisfarçável confisco, podendo inclusivamente atingir foros de verdadeiro crime caso venha a ser confirmado que pensões vitalícias dos reformados, incluindo as que resultam de poupança privada (como seguros de vida, planos de poupança reforma e fundos de pensões das empresas) recebidas por cada titular, sejam somadas às reformas e pensões para efeitos de aplicação da «contribuição extraordinária».

4 - Trata-se, pois, de uma redução ilegal do valor anual das pensões contratualmente atribuídas, que contraria os princípios básicos da confiança e da equidade, conforme já anteriormente afirmado pelo Tribunal Constitucional.

5 - Porque a reforma consiste na contrapartida das contribuições entregues ao Estado ao longo da carreira contributiva, de acordo com as regras por este estabelecidas, o mesmo não é o proprietário deste valor mas tão-somente o seu fiel depositário e gestor da respectiva aplicação (e retribuição) financeira. Está pois em causa a quebra abusiva do princípio da confiança.

6 - Está igualmente em causa o princípio da justiça, bem como a segregação socioeconómica de um grupo etário consabidamente dos mais carentes que, para além da quebra de nível de vida resultante da inflação em bens de primeira necessidade, e do exorbitante aumento de impostos, tem de suportar custos elevados com cuidados de saúde, e está em muitos casos a apoiar os seus descendentes e outros familiares, face à crise que o país atravessa.

É neste contexto que solicito ao Senhor Provedor de Justiça que suscite a apreciação preventiva do Tribunal Constitucional sobre as matérias que mencionei. Em nome do valor primeiro da solidariedade intergeracional e para que os reformados de hoje, que em tantos casos foram o amparo dos seus ascendentes e são-no agora dos seus descendentes, não sejam vistos e tratados como «o cancro da sociedade».

Rui Beja

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publicado às 18:29

Desinformação sobre os direitos dos Reformados

Resposta da Pró-Associação APRe! - Aposentados, Pensionista e Reformados, a articulista do Expresso

 

O jornal Expresso publicou, em 10 de Novembro de 2012, um artigo de opinião subscrito pelo jornalista Miguel Sousa Tavares, intitulado «Contra argumentos não há factos», que se iniciava assim:

"Pela segunda ou terceira vez em pouco tempo, sou abordado na rua por uma senhora que protesta porque lhe baixaram a pensão de reforma. O argumento de razão para o seu protesto é igual ao das antecessoras:

 - O dinheiro não é deles, é meu, que descontei durante quarenta anos.

Ao fim de vários minutos em tom exaltado, permitiu que finalmente lhe fizesse uma pergunta: Há quanto tempo está reformada?

- Há catorze anos.

- Muito bem, isso quer dizer que a senhora descontou durante quarenta anos uma média de 10% do seu ordenado e há catorze anos que recebe uma pensão de reforma...

- Iso mesmo.

- Então, vamos fazer contas. O que a senhora descontava todos os meses servia para cobrir os seus gastos de saúde pagos pelo Estado, e o resto, se sobrou, para acumular para a sua pensão de reforma. Certo?

- Certo - concedeu ela olhando para mim com um ar desconfiado.

- Vamos admitir que a senhora nunca custou ao Estado um euro que fosse com a sua saúde: nunca foi operada, nunca fez um tratamento num hospital público, nunca foi a nenhuma consulta, nunca comprou um medicamento comparticipado. Que tudo o que descontou foi inteiramente para a sua reforma...

- Sim...

- Ora bem, se acha que a sua pensão é paga com dinheiro que é só seu, o dinheiro que descontou ao longo da vida, então teria direito a só quatro anos de reforma paga.

- Quatro anos?

- Sim, 10% dos quarenta anos em que descontou: esse é o seu dinheiro, se não contarmos com as despesas de saúde. Mas, como está reformada há catorze anos, isso quer dizer que nos últimos dez anos a sua reforma foi paga com dinheiro que já não era seu. E de quem era, sabe?

-Deles.

- Deles?

- Sim, do Estado.

- Não, minha senhora, não há dinheiro deles nem dinheiro do Estado.O dinheiro do Estado é dos portugueses que pagam impostos. Nõ vem de mais lado nenhum.

- Entáo subam os impostos!

- Já subiram: uma, duas, três, várias vezes. Mesmo assim o dinheiro não chega para o que o Estado gasta - e, por isso, é que tivemos de pedir dinheiro emprestado.

- E o que quer o senhor que se faça? Que se matem os velhos?

Excelente pergunta, É a resposta a ela que temos de encontrar, sob pena de esta ser a última geração que recebe pensões de reforma."

 

Direito de resposta exercido pela APRe!, publicado no Expresso de 17 de Novembro de 2012

"Em nome da Pró-Associação APRe! – Aposentados, Pensionistas e Reformados, solicito a V. Exª o direito de resposta relativamente ao conteúdo do artigo de opinião de Miguel Sousa Tavares no Expresso, no sábado, dia 10 de Novembro:

 Pelo teor do artigo de opinião “Contra Argumentos Não Há Factos”, Miguel Sousa Tavares demonstra ignorância na  matéria respeitante aos descontos para Segurança Social, Caixa Geral de Aposentações, entre outros, pois desconhece as percentagens que servem de cálculo ás contribuições bem como desconhece que os dinheiros descontados foram entregues às instituições não apenas para serem armazenados, mas  para serem aplicados em investimentos seguros ao longo dos anos. Em termos de matemática, o jornalista apenas sabe fazer um cálculo ou seja: 40 a dividir por 10 tem como resultado 4, o que faz supor que a senhora que o aborda na rua, protestando contra o abaixamento da sua pensão, só teria direito a 4 anos de reforma. Muito pouco, para quem quer escrever sobre reformas ou reformados.

Esquece aquele mesmo articulista que o desconto da trabalhadora com que enceta o diálogo no texto de opinião, esteve durante 40 anos entregue às competentes Instituições, sem qualquer retribuição, rendendo juros!!!

Os reformados, mesmo depois de deixarem a vida activa, ainda pagam impostos, tais como “IRS, IVA, IMI, IA  etc.”. que servem para o estado suportar, entre outras, despesas com a saúde, como medicamentos, internamentos, etc.. situação omitida na sua crónica.

Lembramos ao Dr. MST que as reformas/pensões são um direito de quem descontou ao longo de uma vida e que quando é fixado o seu montante encerra-se um contrato que não pode ser alterado unilateralmente.

Os reformados são o patamar final de quem já muito trabalhou para a riqueza do país. Os que hoje pensam como MST, amanhã também farão parte desta condição.

A Coordenadora da Pró-Associação

Maria do Rosário Gama"

 

Esclarecimento de Miguel Sousa Tavares, no Expresso de 17 de Novembro de 2012

"De facto, e como refere o leitor, eu não considerei, na referida conversa e nas contas que fiz, a parte da contribuição para a SS que cabe à entidade patronal. E concedo que, para melhor exposição do assunto, deveria tê-lo feito. Contudo, tratava-se de uma conversa com uma senhora que sustentava que todo o dinheiro da sua pensão de reforma resultava dos descontos que Ela tinha feito ao longo da vida e eu explicava que assim não era.

Quanto a ter indicado 10% e não 11% como a parte dos descontos suportada pelo trabalhador, é porque calculei que ao tempo em que ela iniciou os descontos (há cerca de 57 anos) essa contribuição era menor e, em alguns casos, inexistente. Por isso não escrevi 10% mas sim «uma média de 10%».

Agradeço a atenção dos leitores.

M.S.T.

 

O que ficou por dizer

Sobre matéria tão complexa e sensível, muito se tem sido dito e muito há ainda por dizer, especialmente no que se refere ao conceito de «solidariedade intergeracional» que lhe está subjacente e que é minha intenção abordar em próxima oportunidade.

Relativamente aos textos aqui reproduzidos, julgo importante especificar que: i) A contribuição da entidade patronal para a Segurança Social, que acresce aos 11% pagos pelo trabalhador, é de 23,75%; ii) Os custos com a saúde são pagos pelo Orçamento do Estado (OE) e não pela Segurança Social; e iii) Apesar das reformas e dos custos com subsídios sociais que cabe à Segurança Social suportar, o sistema tem-se apresentado superavitário, com excepção do ano em curso que sofre os efeitos decorrentes das medidas de austeridade contempladas no OE 2012.

Uma nota final para reforçar o que sendo sabido, e consabido, continua a ser prática corrente que distorce a realidade percepcionada pelo grande público: enquanto o artigo de MST teve a visibilidade correspondente à notoriedade pública do autor, ao qual de há muito é atribuída página inteira em local nobre do Expresso, o direito de resposta da APRe! e o reconhecimento de possibilidade de indução em erro que MST assume, foram publicados em local discreto, no espaço dedicado a «Cartas»!

Rui Beja

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publicado às 10:01

Ignorância e hipocrisia no confisco aos reformados

 Carta Aberta (para amigos aposentados, pensionistas e reformados)

 

Iliteracia: incapacidade para perceber ou interpretar o que é lido

Ética: conjunto de regras de conduta

Ignorância: falta de ciência ou de saber

Hipocrisia: fingimento de bondade de ideias ou de opiniões apreciáveis

Confisco: apreensão de algo que contraria leis, regulamentos ou senso comum

 

Diz a voz popular que «estudante é um burro carregado de livros». Tomado habitualmente como uma graça que se diz afectuosamente a crianças em idade escolar, este aforismo tem, no entanto, um sentido profundo. De facto, um estudante que não vá mais longe do que carregar livros, «empinar» o que neles está contido e disso fazer citações grandiloquentes, não aprendeu a saber e, muito menos, a saber fazer. Pode ser «doutor», mas não tem cultura, ou seja, não entende o mundo onde vive e apenas lhe resta o vazio mental quando o que leu nos livros não adere à realidade. Pode autoproclamar-se dono da verdade e do rigor, mas desconhece o que seja o respeito pelo próximo, a solidariedade intergeracional, o rigor ético. Por outro lado, há muita e muita gente que teve de deixar a escola bem cedo mas que pela sua inteligência inata, a sua intuição, o seu esforço e o seu espírito humanista, soube aprender, sabe fazer e sabe ser socialmente responsável. Estes, são aqueles de quem o país precisa e dos quais recebe dádiva sem nada ter contribuído para a sua formação técnica e moral. Os outros, os que tudo receberam e nada entendem, nem sequer compreendem que a melhor dádiva que podem dar aos portugueses é deixarem o governo do país para outros com adequadas capacidades.

Vem isto a propósito da forma como o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, se tem comportado relativamente à proposta de lei do OE-2013. Incapaz de perceber o que leu nos livros sobre economia e de interpretar o efeito desastrosamente perverso da política de austeridade que em 2012 aplicou aos portugueses, resolveu, sem o mínimo respeito por regras de conduta transparente e consistente, e demonstrando uma aflitiva falta de ciência ou de saber, propor para 2013 uma dose mais forte do mesmo remédio. Quanto a iliteracia, ética e ignorância, estamos portanto conversados.

Mas ele há também a hipocrisia e o confisco. Recorrendo às notícias que vão sendo difundidas, em especial ao artigo [em anexo] publicado em 20 de Outubro de 2012 no Expresso - Economia sob o título Funcionários e pensionistas pagam 1/5 da austeridade, assinado por João Silvestre e Sónia M. Lourenço, e atentando no que a malfadada proposta de lei do OE-2013 diz especificamente sobre a «austeridade aplicada aos reformados e pensionista», tenho de fazer um enorme esforço para não ultrapassar os limites da contenção verbal civilizada, quando equaciono as seguintes questões:

 

Ao tentar iludir o Tribunal Constitucional e distrair os visados, dizendo que a proposta é agora equitativa, Vítor Gaspar incorre numa fraude moral, numa brincadeira de mau gosto, ou numa tentativa de se «escapar pela porta pequena» dizendo que as «forças de bloqueio» são responsáveis pela sua irresponsabilidade?

 

Quando diz que pretende «devolver» (será que sabe distinguir entre devolver e repor) 10% do Subsídio de Férias, está a ensaiar uma brincadeira de mau gosto, ou quer ofender os reformados e pensionistas?

 

Quando se propõe introduzir uma «contribuição extraordinária» que varia entre 3,5% e 10% para pensões mensais entre €1350 e €3750, valor acima do qual se aplica uma taxa fixa de 10%, tem consciência que está a tirar com uma mão o que repõe com a outra, ou acredita que os pensionistas e os juízes do Tribunal Constitucional são todos mentecaptos e não entendem a trapaça?

 

Quando quer instituir que todas as pensões vitalícias dos reformados, incluindo as que resultam de poupança privada (como seguros de vida, planos de poupança reforma e fundos e pensões das empresas) recebidas por cada titular, sejam somadas às reformas e pensões para efeitos de aplicação da «contribuição extraordinária», terá consciência de que o que pretende é equivalente a decretar que o Estado pode dedicar-se a extorquir ilegalmente qualquer outro tipo de poupanças, como por exemplo depósitos bancários que um reformado tenha acumulado para ocorrer a imprevistos de fim de vida?

 

Tudo isto é mau de mais para ser verdade. Apenas me resta recomendar que, quem tem poder para tal, siga, enquanto não é irremediavelmente tarde de mais, a atitude decorrente de um destes dois aforismos de origem germânica (sim, alemães): «é preferível um fim com horror do que um horror sem fim» e «nada se come tão quente como se cozinha».

Rui Beja

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publicado às 10:37


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José Cardoso Pires escreveu, em adenda de Outubro de 1979 ao seu «Dinossauro Excelentíssimo»: "Mas há desmemória e mentira a larvar por entre nós e forças interessadas em desdizer a terrível experiência do passado, transformando-a numa calúnia ou em algo já obscuro e improvável. É por isso e só por isso que retomei o Dinossauro Excelentíssimo e o registo como uma descrição incómoda de qualquer coisa que oxalá se nos vá tornando cada vez mais fabular e delirante." Desafortunadamente, a premunição e os receios de José Cardoso Pires confirmam-se a cada dia que passa. Tendo como génese os valores do socialismo democrático e da social democracia europeia, este Blog tem como objectivo, sem pretensão de ser exaustivo, alertar, com o desejável rigor ético, para teorias e práticas que visem conduzir ao indesejável retrocesso civilizacional da sociedade portuguesa.

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