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Depois de muito pensar...
Foto José Sena Goulão/Lusa
O diário de
Domingos Amaral
Sexta-feira, 23.10.15
Cavaco é um "ganda" maluco!
O que quiz fazer e dizer Cavaco, ontem à noite?
Indigitar Pedro Passos Coelho era um gesto esperado, e consistente com a prática política portuguesa.
A surpresa não foi essa.
Mesmo sabendo que Passos dificilmente terá um programa aprovado no parlamento, Cavaco decidiu que valia a pena tentar.
Nada a dizer por aí.
Contudo, ao criticar duramente o PS, o Bloco e o PCP, o presidente deu a entender que jamais nomeará um governo apoiado pelas três forças de esquerda.
Com isso, elimina uma segunda solução possível para o Governo de Portugal.
Ao insistir que Bloco e PCP não apoiam a Europa e a Nato, Cavaco anula uma hipótese viável, sem dar qualquer alternativa.
Mas, o erro maior foi o apelo à desunião do PS.
Ao falar na consciência individual dos deputados, o presidente deu o seu aval à revolta no PS, tentando que a ala dos seguristas se afastasse de Costa, votando a favor do Governo de Passos Coelho.
Ora, os partidos são entidades que não gostam de ser atacadas, e quando o são, têm tendência para se unirem à volta do líder.
Assim foi com o PS.
Horas depois da comunicação de Cavaco, já o PS dizia que ia chumbar o governo de Passos, e até os moderados, como Assis, consideravam inaceitáveis as palavras do presidente.
O "boomerang" regressou e bateu na cara de Cavaco.
Em resumo: o discurso do presidente dividiu ainda mais as águas, afastando cada vez mais as forças de direita das forças de esquerda.
Agora, ou se está de um lado, ou se está do outro.
Contudo, esta clarificação não adianta nada.
O que fará Cavaco, se Passos for chumbado na Assembleia?
Mantém em gestão o governo, sem Orçamento, até que seja eleito novo presidente?
A outra hipótese é a nomeação de um governo de iniciativa presidencial.
Cavaco chamaria alguém de fora dos partidos, para governar o país durante seis meses.
Mas, quem apoiará esse mal amado governo?
Nem a direita nem a esquerda o quererão fazer...
O discurso de Cavaco lançou Portugal numa guerra política sem precedentes.
Os próximos tempos serão divisionistas, duros e complexos para todos.
A direita está radicalizada e unida, a esquerda está radicalizada e unida.
E a eleição presidencial vai transformar-se também numa guerra entre esquerda e direita.
Um dos principais prejudicados do discurso de Cavaco foi Marcelo, e o maior beneficiado foi Sampaio da Nóvoa.
Se a intenção de Cavaco era deixar a presidência da República com um governo da sua área política em São Bento e um presidente da sua área política em Belém, acho que fez tudo errado.
Passos vai ser derrubado, e quem sabe se Marcelo não começou a perder as eleições.
Ontem, Cavaco foi mesmo um "ganda" maluco.
Opinião
Declaração de guerra
24/10/2015 - 05:00
Onde a mensagem do Presidente é mais grave é no confronto que faz à Assembleia da República.
Os velhos: não é possível exterminá-los?
Artigo e fotografia de José Pacheco Pereira, historiador, no Público Online de 30 de Novembro de 2013
Com o prestígio intelectual que lhe é amplamente reconhecido, e o desassombro pessoal que o caracteriza, o social-democrata Pacheco Pereira, que tem vindo a denunciar insistentemente a incompetência e a agenda ultraneoliberal do governo de Passos Coelho, reafirma de modo frontal e fundamentado a sua discordância com as práticas que estão a ser seguidas; incidindo especialmente no ataque que está a ser feito à condição de ser mais velho.
Subscrevo por inteiro as palavras de Pacheco Pereira. Estamos perante um genocídio administrativo, merecedor de veemente repúdio e de todas as consequências sociais legalmente aplicáveis a um acto desta natureza.
Eu gostaria muito de escrever artigos racionais, ponderados, que merecessem uma aura académica e sensata, que unissem em vez de dividir, que me permitissem ter a minha quota de lugares, prémios e prebendas, mas estou condenado, nestes tempos, a escrever cada vez mais panfletos. Acontece. Isto do imperativo categórico, como Kant sabia, é uma maçada.
Isso deve-se ao facto de não querer ter nenhuma falinha mansa, daquelas que enchem o balofo da nossa política de mútuos cumprimentos e salamaleques, com gente que se mostra impiedosa por indiferença, hostil com os fracos que estão do lado errado da “economia”, subserviente com os fortes, capaz de usar todos os argumentos para dividir, se daí vier alguma pequena folga para as suas costas.
Tenho dito e vou repetir: a herança que estes dois anos de “Governo” Passos Coelho-Portas-troika vai deixar ultrapassará muito o seu tempo de vida como governantes. Se não for antes, em 2015, passarão à história como um epifenómeno dos tempos da crise e sobreviverão incrustados nos partidos de onde lhes vem o poder, como um fungo que não se consegue limpar. Vão continuar a estragar muita coisa, mas a própria lógica de onde vieram os substituirá por outros mais ou menos maus. A maldição portuguesa é esta. Aquilo que mais precisamos, não temos.
Mas, mesmo que desapareçam como as figuras menores que realmente são, vão deixar estragos muito profundos no tecido já de si muito frágil da nossa vida colectiva, cavando fundo divisões e conflitos, destruindo o pouco de humanidade social que algum bem-estar tinha permitido. Eles estão, como as tropas romanas, a fazer no seu Cartago, infelizmente no nosso Portugal, o terreno salgado e estéril. Pode-se-lhes perdoar tudo, os erros de política, a incompetência, o amiguismo, uma parte da corrupção dos grandes e dos médios, menos isto, este salgar da terra que pisamos, apenas para obter uns ganhos pequeninos no presente e com o custo de enormes estragos no futuro.
Um exemplo avulta nos últimos dias, que já vem de trás, mas que ganha uma nova dimensão: o ataque aos velhos por serem velhos, uma irritação com o facto de haver tanta gente que permanece como um ónus para o erário público apesar de já não ser “produtiva”, de não ter saída no “mercado do trabalho”, de estar “gasta”. De ministros que não leram Camões e nem sequer sabem quem são os “velhos do Restelo”, a gente que pulula nesse novo contínuo dos partidos e do Estado que são os blogues, a umas agências de comunicação que são as Tecnoforma dos dias de hoje, boys e empregados de todos os poderes para fazerem na Internet e nos jornais o sale boulot, todos, de uma maneira ou de outra, atacam os velhos, por serem velhos. Numa sociedade envelhecida, isso significa atacar a maioria dos portugueses, em nome de uma ideia de juventude “empreendedora”, capaz de fazer uma empresa do nada só com “ideias”, “inovação” e design, sem os vícios do “passado”, capaz de singrar na vida sem “direitos adquiridos”, nem solidariedade social, imagem que tem o pequeno problema de ser tão mitológica como a Fada dos Dentinhos.
Grande parte do ataque a Mário Soares e a muitos que estiveram na Aula Magna foi feito em nome de eles serem “velhos”, logo senis. Nem sequer é por implicação, é dito com clareza, com o mesmo tipo de “argumentos” com que os soviéticos enviavam os dissidentes para os asilos psiquiátricos porque quem estivesse no uso normal das suas faculdades não podia deixar de ser comunista. Aqui é o mesmo: só pode ser senil quem duvidar da bondade das medidas do Governo, apresentadas como sendo a realidade pura, inescapável, inevitável. Como pode estar bom da cabeça quem coloca em causa a versão em “economês” da lei da gravidade? Só um louco. E se for velho, é-se senil, ultrapassado, antiquado, mesquinho, por definição. Não há outra maneira de explicar que haja velhos com tantas ideias “erradas” sobre a bondade do nosso “ajustamento” e que sejam empecilhos para os “jovens” brilhantes que o aplicam com vigor e sem vergonha.
Muito do discurso contra os velhos, que começa, em bom rigor, cada vez mais cedo, quando se perde o emprego e se fica “gasto” para o mercado de trabalho, é um discurso que pretende ser utilitário no plano político, e é isso que o torna moralmente desprezível. Destina-se a justificar o violento ataque a reformas e pensões, a gente que trabalhou a vida toda, e que ainda tem memória do que custou obter esses malfadados “direitos”, resultado de “contratos” de “confiança” com o estado, tudo coisas de velhos que estão a “roubar” aos mais novos do seu futuro. Estão a mais. E se eles não percebem que estão a mais a gente vai mostrar-lhes pelo vilipêndio e pelo saque que já há muito deveriam ter desaparecido.
Muita coisa tem hoje a ver com esta demonização da idade. Um caso entre muitos, é o que se está a passar com o despedimento colectivo dos trabalhadores dos Estaleiros de Viana do Castelo. Nem sequer discuto se a empresa tinha que encerrar ou não, porque a partir de um certo nível de dolo e degradação da linguagem esse não é o primeiro problema. Podia ser, mas com esta gente não é, porque, ao fazerem as coisas como fazem, sempre obcecados em enganar-nos, merecem que contra eles se volte tudo, o discurso empolgado dos “navegadores” e a retórica do “mar”, ao mesmo tempo que se fecha o único estaleiro que sobrava, a disparidade de não querer pagar 180 milhões de euros, enquanto se aumenta a taxa para a RTP, que recebe todos os anos muito mais do que isso, a displicência com que se apresenta como grande vitória, mais de 600 despedimentos.
Acresce a soma de mentiras habituais: que 400 trabalhadores vão ser reintegrados (afinal não há nenhuma garantia), que vão ser pagas as devidas indemnizações (afinal parece que só a parte deles), que vai continuar a construção naval (quando não custa perceber que o que a Martifer vai fazer não são navios). O que vai acontecer é um enorme despedimento colectivo feito pelo Estado, o encerramento dos estaleiros à construção naval, o preço de saldo para a Martifer após o Estado, como no BPN, pagar todos os custos. E, na vaguíssima hipótese de alguns trabalhadores serem empregados na nova empresa, serão sempre poucos, com salários mais baixos, com uma folha de antiguidade a zero, e ficarão de fora os mais velhos e os mais reivindicativos. Alguém vai contratar um membro da comissão de trabalhadores, mesmo que seja um excelente soldador? Como muita da mão-de-obra dos estaleiros já tem uma certa idade – os velhos começam a ser velhos aos quarenta –, está-se mesmo a ver a sua “empregabilidade”.
Não custa fazer o discurso politicamente correcto de que a “esquerda não tem o monopólio da sensibilidade social” (e não tem), nem dizer aqueles rodriguinhos do costume do género “que bem sabemos como os portugueses estão a sofrer”, ou que “nenhum Governo gosta de tomar estas medidas”, ou elogiar os portugueses pelo seu papel “decisivo” no sucesso da aplicação do “ajustamento”, etc., etc. Na verdade, estou farto de exibições de confrangimento público e exercícios de “preocupação social”, já não posso ver a hipocrisia de Passos Coelho e de Aguiar Branco, ao lado do exibicionismo pavoneado dos soundbites de Portas.
Swift escreveu em 1729 uma sátira sobre a pobreza na Irlanda chamada Uma modesta proposta para evitar que as crianças dos pobres irlandeses sejam um fardo para os seus pais e o seu país e para as tornar um benefício público. Aconselhava os pobres a comerem os filhos, como meio de combater a fome, “grelhados, fritos, cozidos, guisados ou fervidos”. Na verdade, quando se assiste a este ataque à condição de se ser mais velho – um aborrecimento porque exige pagar reformas e pensões, faz uma pressão indevida sobre o sistema nacional de saúde, e, ainda por cima, protestam e são irreverentes –, podia avançar-se para uma solução mais simples. Para além de os insultar, de lhes retirar rendimentos, de lhes dificultar tudo, desde a obrigação de andar de repartição em repartição em filas para obter papéis que lhes permitam evitar pagar rendas de casa exorbitantes, até ao preço dos medicamentos, para além de lhes estarem a dizer todos os dias que ocupam um espaço indevido nesta sociedade, impedindo os mais jovens de singrarem na maravilhosa economia dos “empreendedores” e da “inovação”, será que não seria possível ir um pouco mais longe e “ajustá-los”, ou seja, exterminá-los?
Rui Beja