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OPINIÃO
Não dá nenhuma vontade de rir.
Paulo Baldaia
Algures em 2013, Mário Soares acusou Cavaco Silva de pertencer "ao bando" do governo que mexia nos dinheiros públicos, Cavaco não mexeu uma palha para repor a sua honra. Por essa altura, Miguel Sousa Tavares, contextualizando, chamou-lhe palhaço, e o chefe de Estado moveu-lhe um processo. Deu em arquivo na PGR. De lá até cá, Cavaco Silva desceu a níveis de popularidade impensáveis para um Presidente da República. Mas isso não o impediu de continuar a ver o mundo com uma venda que o faz acreditar que nunca se engana.
Hoje, falando para os mais ilustres representantes da diáspora portuguesa, Cavaco Silva abdicou de ser o representante de todos os portugueses para assumir a defesa do "pragmatismo", o que nos impõem que todos os desastres financeiros sejam pagos pelos contribuintes. É verdade, não é possível ser mais pragmático. É o que acontece, sejam os governos de centro-direita ou das esquerdas. E a generalidade dos portugueses, além de pragmática, é assim tão conformada? Não parece, pelo contrário. Aqui, como em muitos países da Europa, o povo quer alterar o sistema e procura alternativas, recuperando ideologias.
A Zona Euro, bem vistas as coisas, não é ideológica, é pragmática. Mas ela não existe para dominar as democracias e torná-las numa zona franca financeira em que a ideologia fica proibida. Mal se percebe, por isso, que o máximo representante de todos os cidadãos nos diga que a ideologia "só resiste como um modo de vida de comentadores, de analistas políticos, de articulistas que fazem o deleite de alguns ouvintes e alguns leitores em tempos livres".
Fazer o deleite em tempos livres é o que procura fazer qualquer palhaço que se preze. Como comentador, analista e articulista assumo essa minha faceta de palhaço. Ideologicamente falando, o que me custa aceitar é que existam palhaços pragmáticos. Não dá nenhuma vontade de rir.
Presidente avisa que a "realidade acaba sempre por derrotar a governação ideológica"
MARIA LOPES 22/12/2015 - 15:10
Numa intervenção no Conselho da Diáspora, Cavaco Silva defendeu que é preciso ser pragmático e que não há espaço para ideologias. E disse que Portugal "se mantém à tona da água porque integra o núcleo duro da zona do euro" e "se saltasse fora afundava-se".
Derradeiro recado do Presidente da República foi feito num Conselho da Diáspora Portuguesa ENRIC VIVES-RUBIO
Foi o derradeiro recado do Presidente da República num Conselho da Diáspora Portuguesa, um grupo de 84 notáveis portugueses que faz lobbying por Portugal por esse mundo fora, mas Cavaco Silva não falava para a quase uma centena de pessoas que estavam na sua frente e sim para o Governo e para os partidos da esquerda que o apoiam no Parlamento.
Pegando no exemplo da Grécia, que este ano mudou de Governo, andou em negociações com a União Europeia e depois teve que aceitar os condicionalismos de um terceiro resgate, o Chefe de Estado avisou que esta é a prova de que "em matéria de governação, a realidade acaba sempre por derrotar a ideologia". Mais: "A governação ideológica pode durar algum tempo, faz os seus estragos na economia, deixa facturas por pagar, mas acaba sempre por ser derrotada pela realidade", vincou Cavaco Silva.
O Presidente realçou que entre os governos da União Europeia o que domina é o "pragmatismo", enquanto a ideologia económica, na zona euro, "só resiste como um modo de vida de comentadores, de analistas políticos, de articulistas que fazem o deleite de alguns ouvintes e alguns leitores em tempos livres". Resistindo a mencionar casos nacionais, Cavaco Silva preferiu tentar manter as críticas num plano distante, voltando à Grécia e apontando o ex-ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, como o "exemplo claro" de que essa governação económica só existe nos comentadores, ao passo que "na governação concreta, o que domina é o pragmatismo".
Este não é, portanto, um tempo de ideologias, porque não há grandes alternativas. Numa altura em que a coesão europeia tem sido posta em causa com, por exemplo, a proibição de livre circulação em algumas regiões e a ameaça que paira no ar de o Reino Unido poder abandonar a União Europeia, é urgente que a UE mantenha a "solidez do seu núcleo duro" e reforce os alicerces.
Como? Através da finalização da sua arquitectura: criar uma verdadeira união económica e financeira completando a união bancária e monetária. Uma "verdadeira união orçamental" poderia assegurar a disciplina orçamental e a sustentabilidade da dívida pública em todos os Estados-membros e permitiria a aplicação de uma política fundamental de estabilização. Ora, é nesse ponto que o país não pode vacilar, avisa o Presidente, que dramatiza o seu discurso: "Portugal mantém-se à tona da água porque integra este núcleo duro da zona do euro; Portugal não tem alternativa à zona do euro - se saltasse fora afundava-se."
O Presidente disse ainda que a zona euro foi submetida a uma “prova muito exigente, de resistência” com a crise da Grécia e resistiu – “e ainda bem que resistiu”, congratulou-se Cavaco Silva -, até porque, acredita, houve uma “consciência clara de que a desagregação tinha custos gigantes”. E como depois da tempestade vem a bonança, os europeus têm agora a “sensação de que os riscos de desmembramento são pequenos”.
O “barril de pólvora”
Antes de entrar nestas dissertações sobre governação ideológica, o Presidente da República falou sobre outros desafios que a Europa enfrenta actualmente e que, na sua maior parte, se desenvolveram no último ano. Considerou que a União Europeia vive tempos de grande incerteza, confrontada com “desafios muito complexos a que tem tido dificuldade de responder”, como é o caso do terrorismo, que “chegou ao coração da Europa” e deixou um sentimento geral de insegurança, ou do controlo das fronteiras com a chegada massiva de refugiados. Ou ainda do perigo de desagregação interna com a possível dissidência do Reino Unido.
A esse cenário de instabilidade interna soma-se um clima de guerra na “vizinhança”: as preocupações que a Europa teve durante anos com o conflito israelo-palestiniano foram completamente secundarizadas pela “violência dos combates” que agora se travam em países como a Síria, Iraque, Líbia ou Iémen. “O Mediterrâneo sul é um barril de pólvora”, resumiu Cavaco Silva. A que se somam, se se olhar mais para Norte, as tensões geopolíticas na Rússia, em especial nas fronteiras com a Ucrânia e na região do Mediterrâneo oriental.
Depois de muito pensar...
Foto José Sena Goulão/Lusa
O diário de
Domingos Amaral
Sexta-feira, 23.10.15
Cavaco é um "ganda" maluco!
O que quiz fazer e dizer Cavaco, ontem à noite?
Indigitar Pedro Passos Coelho era um gesto esperado, e consistente com a prática política portuguesa.
A surpresa não foi essa.
Mesmo sabendo que Passos dificilmente terá um programa aprovado no parlamento, Cavaco decidiu que valia a pena tentar.
Nada a dizer por aí.
Contudo, ao criticar duramente o PS, o Bloco e o PCP, o presidente deu a entender que jamais nomeará um governo apoiado pelas três forças de esquerda.
Com isso, elimina uma segunda solução possível para o Governo de Portugal.
Ao insistir que Bloco e PCP não apoiam a Europa e a Nato, Cavaco anula uma hipótese viável, sem dar qualquer alternativa.
Mas, o erro maior foi o apelo à desunião do PS.
Ao falar na consciência individual dos deputados, o presidente deu o seu aval à revolta no PS, tentando que a ala dos seguristas se afastasse de Costa, votando a favor do Governo de Passos Coelho.
Ora, os partidos são entidades que não gostam de ser atacadas, e quando o são, têm tendência para se unirem à volta do líder.
Assim foi com o PS.
Horas depois da comunicação de Cavaco, já o PS dizia que ia chumbar o governo de Passos, e até os moderados, como Assis, consideravam inaceitáveis as palavras do presidente.
O "boomerang" regressou e bateu na cara de Cavaco.
Em resumo: o discurso do presidente dividiu ainda mais as águas, afastando cada vez mais as forças de direita das forças de esquerda.
Agora, ou se está de um lado, ou se está do outro.
Contudo, esta clarificação não adianta nada.
O que fará Cavaco, se Passos for chumbado na Assembleia?
Mantém em gestão o governo, sem Orçamento, até que seja eleito novo presidente?
A outra hipótese é a nomeação de um governo de iniciativa presidencial.
Cavaco chamaria alguém de fora dos partidos, para governar o país durante seis meses.
Mas, quem apoiará esse mal amado governo?
Nem a direita nem a esquerda o quererão fazer...
O discurso de Cavaco lançou Portugal numa guerra política sem precedentes.
Os próximos tempos serão divisionistas, duros e complexos para todos.
A direita está radicalizada e unida, a esquerda está radicalizada e unida.
E a eleição presidencial vai transformar-se também numa guerra entre esquerda e direita.
Um dos principais prejudicados do discurso de Cavaco foi Marcelo, e o maior beneficiado foi Sampaio da Nóvoa.
Se a intenção de Cavaco era deixar a presidência da República com um governo da sua área política em São Bento e um presidente da sua área política em Belém, acho que fez tudo errado.
Passos vai ser derrubado, e quem sabe se Marcelo não começou a perder as eleições.
Ontem, Cavaco foi mesmo um "ganda" maluco.
Opinião
Declaração de guerra
24/10/2015 - 05:00
Onde a mensagem do Presidente é mais grave é no confronto que faz à Assembleia da República.
Grexit temporário seria "o melhor caminho" para corte na dívida, insiste Schäuble
PÚBLICO 16/07/2015 - 09:27
Ministro das Finanças alemão garante que o seu governo vai propor ao Parlamento a abertura de negociações com a Grécia "com toda a convicção".
O ministro alemão saudou a aprovação das propostas pelo Parlamento grego JOHN MACDOUGALL/AFP
Depois de ter lançado a ideia de um "Grexit temporário" durante a dramática reunião do Eurogrupo de sábado passado, o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, insistiu esta quarta-feira que o melhor para Atenas é uma saída da moeda única por alguns anos, se quiser ver a sua dívida reduzida.
Numa entevista à rádio pública Deutschlandfunk, Schäuble garantiu que o seu governo irá propor ao Parlamento da Alemanha, "com toda a convicção", a abertura das negociações com a Grécia para um novo empréstimo.
O ministro das Finanças alemão saudou a aprovação pelo Parlamento grego, na madrugada desta quarta-feira, das propostas apresentadas à Grécia pelos outros 18 países da zona euro: "Demos mais um passo em frente. E é um passo importante", disse Schäuble.
Apesar de o Fundo Monetário Internacional ter vindo a insistir, nos últimos dias, que a Grécia não tem condições para pagar a dívida, o ministro alemão voltou a afastar qualquer hipótese de um corte no valor total, argumentando que os tratados europeus tornam esse cenário incompatível com a presença na zona euro.
"Mas esse seria talvez o melhor caminho para a Grécia", disse Wolfgang Schäuble, citado pela agência Reuters.
ANÁLISE
Hollande tenta travar intransigência alemã
TERESA DE SOUSA 13/07/2015 - 03:12 no jornal PÚBLICO
Tsipras vai ter de voltar a casa e passar de herói a traidor.
1. O ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo, Jean Asselborn, avisava neste domingo a Alemanha de que um eventual Grexit (saída da Grécia do euro) poderia abrir “um conflito profundo com a França”, o que seria muito mau para a União Europeia.
Pode não ser um exagero. É um dos cenários possíveis para esta crise europeia que já leva cinco anos e que volta a encontrar uma curva apertada no seu caminho, arriscando uma derrapagem. Até agora, François Hollande e Angela Merkel conseguiram manter um bom entendimento na gestão da crise do euro, na sua última versão grega. Mas isso custou ao Presidente francês um relativo apagamento face à chanceler, que apenas conseguiu romper quando dos atentados terroristas de Paris. Agora, a questão grega abriu-lhe outra oportunidade. Não se distanciou da chanceler ao longo das atribuladas negociações da troika com o novo Governo grego do Syriza. Foi tão “surpreendido” quanto ela quando Alexis Tsipras decidiu romper as negociações e anunciar um referendo. Agora, face a nova reviravolta do primeiroministro grego, está perante uma nova oportunidade de reestabelecer o lugar da França no xadrez político europeu. Não vai hostilizar a chanceler nem recorrer ao tom mais desafiador do primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, que neste domingo dizia “já basta”. Mas não vai abdicar de defender posições distintas, aliás fáceis de compreender.
2. François Hollande marcou o terreno praticamente desde o dia seguinte ao referendo, quando recebeu Merkel no Eliseu para discutirem o que era preciso fazer. Nas declarações à imprensa, o Presidente francês avisou logo que não ia deixar cair a Grécia, mesmo que a Grécia tivesse ela própria de fazer a sua parte. Insistiu em que a credibilidade da Europa estava em causa. Merkel não o contradisse mas também não o apoiou. A chanceler, segundo a imprensa alemã, não apreciou o facto de Hollande ter enviado a Atenas um alto funcionário para ajudar o Governo a elaborar a proposta certa. Mas, com a nota positiva que as três instituições da troika (BCE, Comissão e Eurogrupo) deram à nova proposta grega, tinha as condições reunidas para apresentar uma alternativa. Tanto mais necessária quanto a intransigência do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, acabou por criar no próprio Eurogrupo um clima de confronto que levou à interrupção abrupta da reunião de sábado à noite. Mario Draghi falou dos riscos sistémicos, mas nada disso conseguiu abalar a determinação do ministro alemão, que nem sequer disfarça sua vontade de empurrar a Grécia para fora do euro. A já famosa proposta de um Grexit temporário (cinco anos) foi imediatamente rejeitada como um Grexit disfarçado. “Não há Grexit temporário (…). Há a Grécia na zona euro ou não há Grécia na zona euro”, disse o Presidente francês.
O que quer, afinal, o ministro alemão? Provavelmente, garantir que os Syrizas e os Podemos não terão vida fácil na união monetária. É uma aposta arriscada e pouco eficaz, que vai claramente longe de mais. O problema, aliás, não está só em Atenas. Basta ver como os Verdadeiros Finlandeses, que partilham o governo de Helsínquia, conseguem ameaçar a Europa com um veto a um terceiro resgate. E também não é preciso grande imaginação para antever o que aconteceria à Grécia se saísse do euro e consequentemente da União Europeia. Ficaria à deriva, escancarando as portas para o avanço de forças políticas muito mais assustadoras, como a Aurora Dourada.
Hollande percebe as razões pelas quais a chanceler desconfia do governo de Atenas. São perfeitamente legítimas, dado o historial dos últimos cinco meses. “Perdeu-se a moeda mais importante, que é a confiança”, disse Merkel antes de entrar na cimeira. É preciso reconquistá-la. A diferença está em que o Presidente se distancia dos prazos irrealistas dados a Alexis Tsipras para provar que é confiável. Hollande esteve reunido com os seus principais parceiros socialistas antes da cimeira da zona euro, incluindo o próprio Sigmar Gabriel, “número dois” de Merkel no governo de grande coligação que, aparentemente, se quer redimir da dureza com que tratou a Grécia. A proposta que os socialistas aprovaram dá aos gregos 10 dias, e não dois, para apresentarem algumas das suas reformas no Parlamento, e defende a criação de um Fundo gerido em conjunto por Atenas e pela Comissão (e não apenas por Bruxelas como queria Schäuble) com os activos a privatizar e a correspondente dívida a pagar. São exigências pesadas mas muito mais realistas.
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Os chefes de Estado e de Governo da zona euro, reunidos em Bruxelas desde domingo à tarde, chegaram , esta segunda-feira de manhã, a um acordo para um terceiro resgate para a Grécia, ao cabo de 17 horas de negociações. "Foi uma batalha difícil", disse Tsipras.
JN | Hoje às 08:14, atualizado às 14:03
COMENTÁRIO
A Crise segue dentro de momentos
TERESA DE SOUSA 12/07/2015 - 07:40 no jornal PÚBLICO
A questão agora é saber o que fará Berlim. Angela Merkel vai ter de quebrar o silêncio.
1. Seja qual for a decisão do Eurogrupo e do Conselho Europeu, a crise grega não acaba hoje. Haverá apenas um intervalo para que toda a gente possa respirar fundo.
Seguir-se-á a negociação (a proposta grega é apenas uma base negocial) e os próximos dias serão marcados pelos debates em alguns parlamentos nacionais, incluindo o Bundestag, que têm de aprovar um novo resgate, se os líderes derem hoje luz verde às negociações. Será um retrato quase perfeito do estado em que se encontra a União Europeia, os estragos que sofreu nos últimos cinco anos e quão longe ainda está de encontrar uma forma de vencer a crise, não apenas a da Grécia ou da dívida, mas dos efeitos políticos que ela provocou. No seu último artigo no Guardian, Timothy Garton Ash dizia que, “com 28 versões da Europa” não admira que haja “visões nacionais incompatíveis.” Na maioria dos casos, alimentadas pelos líderes políticos nacionais.
Quando tudo começou há cinco anos, precisamente na Grécia, a Europa não encontrou uma resposta “europeia” para os desafios que tinha pela frente, muitos deles directamente resultantes da crise financeira mundial seguida da Grande Recessão, outros da crescente desordem internacional. Porquê? Por mais voltas que se dêem, a Alemanha está no centro desta indefinição. Tergiversou entre a tentação hegemónica, aproveitando a crise para reconstituir uma união monetária muito mais alemã, e o interesse em preservar a Europa, que lhe serviu sempre bem desde o início da integração. Fez um longo percurso mas ainda não chegou ao fim da estrada. Os silêncios de Merkel, as opiniões de Wolfgang Schäuble e, sobretudo, a crença dos alemães de que os países do Sul não merecem qualquer ajuda, criam agora um clima adverso a qualquer decisão mais “europeia” que a chanceler queira tomar. A sua liderança será definitivamente posta à prova. Os alemães vão ter de perceber um dia destes que uma Europa totalmente alemã é uma impossibilidade: a História já lhe ensinou isso por duas vezes com custos trágicos. Os países do Norte, mais ricos e mais “alemães”, alimentaram uma versão preconceituosa da Europa, que agora está a ser explorada pelos partidos nacionalistas. Quando os Bálticos olham para a Grécia e rejeitam qualquer ajuda, alegando que são mais pobres, ninguém lhes diz que a Grécia é fundamental para enfrentar a ameaça que mais temem: a Rússia. A Sul, o Governo português exige, no mínimo, o mesmo grau de dureza que lhe foi imposto pela troika. Não é uma questão de justiça, é apenas uma questão de eleições. Não há um sentimento comum de pertença. Apenas desconfiança mútua. Recomeçar a partir daqui vai ser muito difícil.
2. Quando hoje os líderes decidirem da sorte da Grécia, a França quer estar de regresso ao centro político da Europa. François Hollande descolou da chanceler, discretamente entenda-se, para assumir o papel de garante da integridade do euro. Quer ser o salvador da Grécia. O Eliseu não confirma, mas toda a gente sabe que pôs à disposição dos gregos os recursos humanos necessários para elaborar uma boa proposta. É ele quem tem insistido nos últimos dias que se trata também da credibilidade europeia perante os seus grandes parceiros internacionais. Para a França,a austeridade falhou rotundamente na Grécia, não apenas por culpa dosgregos mas porque o modelo desenhado em Bruxelas, Frankfurt e Washington esqueceu-se de levar em atenção a realidade de cada país. As reformas ficaram por fazer, os cortes cegos resolveram pouco, a ausência de um Estado moderno impediu a colecta de impostos. É bom lembrar que a culpa não foi do Syriza. Foi, em primeiro lugar, da Nova Democracia, partido irmão da CDU de Merkel, que arrastou os pésquando os interesses da sua clientela foram postos em causa. É sua a responsabilidade de ter alterado as contas enviadas para Bruxelas. O Pasok andou lá perto. Os gregos votaram Syriza porque já não tinham alternativa. É legítimo perguntar em que Alexis Tsipras se deve acreditar. No que mudou de opinião como quem muda de camisa e que convocou um referendo para rejeitar as últimas propostas da troika? Ou aquele que entregou a Bruxelas uma proposta negocial que é basicamente igual à que o referendo rejeitou? Depois de cinco meses a “empatar” e a radicalizar, Alexis Tsipras terá percebido que, ou consegue governar de forma a melhorar as expectativas dos gregos ou os mesmos que agora votaram nele votarão contra ele. É esta primeira regra da democracia e não a realização de um referendo, que convocou apenas para melhorar a sua margem de manobra, não em Bruxelas mas no seu próprio partido.
3. A questão agora é saber o que fará Berlim. Angela Merkel vai ter de quebrar o silêncio. O seu ministro das Finanças não se dá sequer ao trabalho de disfarçar o seu desagrado com esta última oportunidade dada à Grécia. O seu comportamento, por vezes insuportavelmente arrogante, revela uma visão da Europa muito pouco consentânea com aquela que defendeu quando era o braço direito de Helmut Kohl. É desta Alemanha que a Europa não precisa. Bastaria prestar alguma atenção à desordem internacional para perceber até que ponto Berlim continua a precisar da Europa (e dos Estados Unidos). Um mundo em desordem pode ser fatal para um país que é o maior exportador mundial em termos absolutos (maior do que a própria China). Até por isso, a cegueira alemã é incompreensível. Merkel tem um partido dividido entre a conciliação e a saída. Seja qual for a sua decisão que tome, ela implica um risco político e terá custos. Aprendeu que nem tudo se resume à economia e sabe que há a Rússia e a bolha do mercado de acções chinês. Terá de agir em conformidade.
Portugal voltou aos níveis de pobreza de há dez anos
PEDRO CRISÓSTOMO 30/01/2015 - 22:27 PÚBLICO
Em 2013, as dificuldades financeiras aumentaram risco de pobreza das crianças. A desigualdade de rendimentos agravou-se. E quem é pobre ficou mais longe de deixar de o ser.
Portugal voltou aos níveis de pobreza e exclusão social de há dez anos. Agora, como em 2003 ou 2004, uma em cada cinco pessoas é pobre. Dois milhões de portugueses. É este o retrato cru que se retira do inquérito às condições de vida e rendimento, publicado nesta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Alguns números dizem respeito a 2013, outros já são de 2014. Mas as tendências vão no mesmo sentido. A desigualdade na distribuição de rendimentos agrava-se. A taxa de privação material cresce. Há mais pessoas em risco de exclusão social. Mais crianças pobres. E quem é pobre está mais longe de deixar de o ser.
Em 2004, a taxa de pobreza era de 19,4%, em 2005 de 18,5%, em 2006 de 18,1%. Cinco anos depois, 2011, estava nos 17,9%.
Depois de aumentar em 2012 para 18,7% da população, a taxa de risco de pobreza voltou a agravar-se em 2013, passando para 19,5%. E se no início da crise já havia sinais de que as desigualdades e a exclusão estavam a aumentar, hoje, à luz de alguns anos, é “inequívoco” que se inverteu o ciclo de redução da pobreza, diz o investigador Carlos Farinha Rodrigues, especialista em desigualdades, exclusão social e políticas públicas.
Para o economista e professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), Portugal recuou “uma década em termos sociais” e já reverteu os ganhos de diminuição da pobreza que se registou até 2009.
Em 2013, o agravamento da pobreza aconteceu em todos os grupos etários, atingiu com maior impacto as mulheres e foi particularmente significativo entre as crianças. O risco de pobreza é de 20% para as mulheres e de 18,9% para os homens. No caso dos menores de 18 anos, a taxa abrange já 25,6% da população, face aos 24,4% de 2012. Numa família monoparental, em que um adulto vive com pelo menos uma criança, o risco de pobreza é de 38,4%. Este foi o tipo de agregado em que a situação piorou mais, face a 2012.
A taxa de pobreza – o conceito estatístico oficial a nível europeu é “taxa de risco de pobreza” – refere-se à proporção da população cujo rendimento está abaixo da linha de pobreza (definida como 60% do rendimento mediano).
Como num período de crise os rendimentos tendem a baixar e, com isso, a linha de pobreza também, “as pessoas que antes eram pobres, agora, por via da quebra da linha de pobreza, ‘deixam de ser’, embora as suas condições não tenham melhorado ou até possam ter piorado”, enquadra o investigador do ISEG.
Para neutralizar este efeito, o INE tem uma estatística complementar, calculando a linha de pobreza ancorada ao ano de 2009 e fazendo a sua actualização com base na variação dos preços. E aqui o resultado é ainda mais extremado: se em 2009 a taxa de pobreza era de 17,9%, quatro anos depois chega aos 25,9%.
“Quando olhamos para aquilo que aconteceu até 2009, vemos que grande parte da redução da pobreza se deveu às políticas sociais, em particular às que foram dirigidas à pobreza e à exclusão social – o Complemento Solidário para Idosos (CSI), o Rendimento Social de Inserção (RSI), as pensões sociais”, diz Farinha Rodrigues, acrescentando que a “neutralização dessas políticas” nos últimos três anos explicam, com a subida galopante do desemprego, o “aumento das fragilidades sociais”.
Outro indicador que o INE releva é o da intensidade da pobreza, que permite conhecer a percentagem de recursos que faltam para as pessoas pobres deixarem de o ser. Esta percentagem aumentou de forma acentuada em 2013, passando para 30,3%, o que compara com os 27,4% no ano anterior e com 23,2% apenas três anos antes (em 2010). “Não só estamos a agravar fortemente a taxa de pobreza como estamos a [deixar que] os pobres tenham piores condições”, sintetiza o economista.
Privação material sobe
Mais de um quarto da população vive em privação material. Quando se refere a este universo, o INE está a identificar a proporção da população que não tem acesso a, pelo menos, três de nove itens relacionados com bens e necessidades económicas. Neste caso, os dados que o instituto apresenta já se referem a 2014. Ao todo, 25,7% da população vive em privação material. E 10,6% vive “em situação de privação material severa”, registando pelo menos quatro das nove dificuldades.
Entre esses itens estão, por exemplo, situações em que uma pessoa não consegue ter uma refeição de carne ou de peixe (ou vegetariana) pelo menos de dois em dois dias, quando um indivíduo não consegue pagar imediatamente uma despesa inesperada “próxima do valor mensal da linha de pobreza” ou quando há um atraso no pagamento de rendas, prestações de crédito ou despesas correntes, por dificuldades económicas.
Entre quem está em idade activa, a taxa é de 19,1%, valor que também se agravou face a 2012, altura em que a taxa já tinha subido para 18,4%. E o mesmo aconteceu entre a população idosa, na qual 15,1% das pessoas está em risco de pobreza, e entre os reformados, com uma taxa de 12,9%.
Entre as pessoas que têm trabalho, uma em cada dez é considerada como estando em risco de pobreza. A taxa, que tinha recuado de 2010 para 2011, subiu no ano seguinte para 10,5% e voltou a aumentar em 2013, passando para 10,7%. “Ter emprego não é uma vacina contra a pobreza”, diz Carlos Farinha Rodrigues. Mais elevado é o risco para as pessoas em situação de desemprego, universo onde a taxa subiu para 40,5% (face a 40,3% em 2012 e 36,0% em 2010).
A “forte desigualdade na distribuição dos rendimentos” manteve-se em 2013, conclui ainda o INE. Esse foi o ano em que os portugueses sentiram no bolso o agravamento do IRS, com a diminuição dos escalões e as alterações nas taxas. O Coeficiente de Gini, que numa escala de zero a cem sintetiza a assimetria dessa distribuição de rendimentos, mostra um agravamento deste indicador em 2013.
Quando o valor está mais próximo do zero, há uma maior aproximação entre os rendimentos das pessoas. Quanto mais próximo de cem estiver, mais o rendimento se concentra num menor número de indivíduos. Em 2013, o rendimento dos 10% da população com mais recursos era 11,1 vezes superior ao rendimento dos 10% da população com menos recursos. Em 2012, esta diferença estava nos 10,7, tendo vindo a agravar-se de ano para ano (10 em 2011 e 9,4 em 2010)
Há seis meses ninguém acreditaria
TERESA DE SOUSA 25/01/2015 - 21:12, no jornal PÚBLICO
Provavelmente, o pior que poderia acontecer ao Syriza era ganhar com maioria absoluta. Precisa de um aliado que justifique algumas cedências que vai ter de fazer em Bruxelas.
Pela primeira vez na história da União Europeia, uma força política de protesto passa directamente e em meia dúzia de meses do extremo radical em que se situava para a chefia do governo. A partir daqui, tudo é possível. Para Grécia e para a Europa e os seus líderes. É verdade que há um rol infindo de razões para a vitória do Syriza. Raramente se viu nos tempos actuais um país (que é uma democracia europeia) sofrer uma contracção do PIB da ordem dos 25% em quatro anos. Isso explica que haja um desemprego de 25% (quase 60% nos jovens), que as redes sociais tenham aberto gigantescos buracos através dos quais as pessoas ficam sem qualquer apoio social, e uma dívida colossal que muitos economistas admitem não ser pagável tal como está. A instabilidade política também não ajudou. As reformas foram incipientes e havia muitas a fazer. Ainda hoje o sistema tributário grego tem as portas escancaradas para quem quer fugir ao fisco. Os governos que geriram a crise recorreram aos cortes cegos no Estado e na segurança social para cumprir as metas do défice impostas por dois resgates no valor de 240 mil milhões de euros concedidos pela União Europeia e o FMI. É nesta paisagem política e social destroçada que a vitória do Syriza se explica.
Quem votou nele não foram apenas os radicais que constituíam o núcleo duro desta coligação de comunistas, trotskistas, maoístas, antiglobalização. Foram pessoas sem grandes ilusões sobre o futuro que acharam que já não tinham nada a perder. O provável primeiro- ministro da Grécia, Alexis Tsipras, tratou de capitalizar este descontentamento generalizado moderando o seu discurso e as suas promessas políticas.
Fez profissão de fé no euro e na permanência da Grécia na Europa. Afirmou-se disposto a negociar com Bruxelas uma revisão do programa de ajustamento. Antes prometia rasgá-lo. Mas não deixou de dizer que a austeridade vai acabar, sem especificar exactamente como, e que a dívida é para negociar com os credores. A sua margem de vitória é impressionante. Mas, provavelmente o pior que lhe poderia acontecer era ganhar por maioria absoluta. Precisa de um aliado que justifique algumas cedências que vai ter de fazer em Bruxelas. Um dos mais prováveis parceiros de governo, o novo partido O Rio, de centro-esquerda, já disse que apenas fará uma coligação caso o Syriza lhe dê as garantias suficientes de que não fará nada que ponha em causa a permanência da Grécia no euro.
A segunda lição que é preciso tirar das eleições gregas é que em Berlim ou em Bruxelas ninguém se deu ao trabalho de pensar cinco minutos nas consequências políticas da austeridade punitiva imposta a qualquer custo, que a Alemanha decidiu adoptar para resolver a crise do euro à sua maneira. Nas eleições europeias de Maio, bastava prestar alguma atenção aos resultados para perceber que essas consequências acabariam por chegar. A Grécia é o primeiro país onde a paisagem política sofre uma mudança radical.
Pode acontecer noutros países. O Podemos aqui ao lado, em Espanha, ganha uma nova alma. A culpa não é só da Alemanha, bem entendido. É de uma classe política grega descredibilizada pela corrupção e pelo clientelismo que, nos bons anos, dividiu o Estado entre si. Mas é em Berlim que vai estar a decisão final sobre o destino da Grécia. Merkel mandou dizer por vias travessas que a zona euro estava hoje melhor preparada para gerir a saída da Grécia do euro. Depois recuou, mas não nas condições da sua permanência. O ministro das Finanças francês, Michel Sapin, já disse que vai ser preciso encontrar uma forma de ajudar os gregos quanto à dívida e à austeridade. Mas a França não pode ceder demasiado, sob pena de alimentar a sua própria esquerda radical. Mais interessante ainda, o primeiro-ministro finlandês falou no mesmo sentido.
Há vários cenários possíveis em cima da mesa. Que a saída será uma catástrofe para a Grécia e para a Europa; que a saída seria gerivel pelas duas partes. Há contas feitas para as duas possibilidades. Na verdade, ninguém sabe ao certo o que aconteceria. Nem ninguém pode apostar na reacção dos mercados. Os próximos dias serão cruciais. Mas há uma quase certeza: sem o apoio do BCE na compra de títulos e nos empréstimos aos bancos, sem a última tranche do empréstimo da troika, com uma taxa de juro ainda muito elevada em comparação com as que pagam hoje quase todos os parceiros europeus, a Grécia tem de medir muito bem aquilo que vai fazer.
Manifesto da dívida recebe apoio de 74 economistas estrangeiros
Por Pedro Sousa Carvalho e Paulo Pena
19/03/2014 - 23:30
Manifesto dos 74 transpôs a fronteira e já recebeu o apoio de economistas de 20 nacionalidades, dos EUA à Alemanha
São 74 economistas estrangeiros que agora se vêm juntar às 74 personalidades portuguesas que, na semana passada, publicaram um manifesto a defender a reestruturação da dívida pública nacional. São economistas, muitos com cargos de relevo em instituições internacionais como o FMI, editores de revistas científicas de economia e autores de livros e ensaios de referência na área.
Estes economistas assinam um documento – com um conteúdo muito semelhante ao manifesto promovido por João Cravinho – intitulado “Reestruturar a dívida insustentável e promover o crescimento, recusando a austeridade”, no qual manifestam total concordância com o documento subscrito por vários políticos portugueses (de Manuela Ferreira Leite a Francisco Louçã), empresários, sindicalistas, académicos e constitucionalistas.
Neste novo manifesto, os 74 economistas estrangeiros dizem apoiar “os esforços dos que em Portugal propõem a reestruturação da dívida pública global, no sentido de se obterem menores taxas de juro e prazos mais amplos, de modo a que o esforço de pagamento seja compatível com uma estratégia de crescimento, de investimento e de criação de emprego”.
Subscrevem este manifesto, a que o PÚBLICO teve acesso, académicos de várias correntes de pensamento económico e de muitas nacionalidades: dos EUA, Canadá, México, Brasil, Argentina, África do Sul, Austrália, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Espanha, Grécia, Estónia, Noruega, Dinamarca, Bélgica, Áustria, Polónia e Suíça.
É um apoio de peso ao manifesto dos 74 notáveis portugueses que têm estado sob fogo, sobretudo por causa do timing que escolheram para o apresentar (dois meses antes da saída do resgate), e que provocou um intenso debate nacional.
O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, foi um dos primeiros a criticarem o documento, referindo-se ao grupo como “essa gente”, acusando-o de "irrealismo" e de pôr em causa o financiamento do país.
O manifesto original provocou duas baixas na Casa Civil de Cavaco Silva – os dois consultores do Presidente que o subscreveram (Vítor Martins e Sevinate Pinto) foram exonerados horas depois de ter sido tornado público.
Neste novo manifesto de apoio, os economistas estrangeiros subscrevem um texto, espécie de súmula do manifesto dinamizado por João Cravinho e Francisco Louçã, no qual sublinham que, “como economistas de diversas opiniões”, têm expressado “preocupações quanto aos efeitos da estratégia de austeridade na Europa”.
Recomendam “a rejeição das ideias da ‘recessão curativa’ e da ‘austeridade expansionista’ e os programas impostos a vários países”. É o caso de Portugal onde, dizem, “a austeridade (…) agravou a recessão, aumentou a dívida pública e impôs sofrimento social à medida que as pensões e salários foram sendo reduzidos”.
Os economistas
Entre os 74 estrangeiros que subscrevem a ideia de reestruturar a dívida portuguesa está Marc Blyth, da Universidade Brown, nos EUA, que foi o autor do “melhor livro de 2013” para o Financial Times, o best-seller internacional Austeridade.
Vários destes economistas têm papéis de relevo em instituições que podem estar em causa numa eventual reestruturação da dívida. É o caso de José Antonio Ocampo, anterior ministro das Finanças da Colômbia e secretário-geral adjunto das Nações Unidas, que é hoje professor da Universidade de Columbia, EUA, e consultor da ONU e do Independent Evaluation Office do FMI.
Stephany Griffith-Jones, outra das subscritoras, é co-autora do Relatório Warwick e foi responsável pela apresentação do relatório sobre regulação financeira global na última reunião dos ministros das Finanças da Commonwealth.
Um conhecedor da realidade portuguesa é o dinamarquês Beng-Ake Lundvall, da Universidade de Aalborg e de Sciences-Po, em Paris, que é secretário-geral de Globelics e perito do Banco Mundial. Foi consultor do Governo português na última presidência na União Europeia e é um grande especialista mundial em economia da inovação, razão pela qual foi escolhido para embaixador da União Europeia.
Há também seis editores de revistas científicas de economia, como Geoffrey Hodgson, editor do Journal of Institutional Economics, Malcolm Sawyer, da International Review of Applied Economics, ambos britânicos, e Louis-Philippe Rochon da Review of Keynesian Economics.
Muitos dos que apoiam o manifesto dos 74 são autores de livros de referência, como Richard Nelson (ex-conselheiro para assuntos económicos de John F. Kennedy) da Universidade de Columbia, ou Engelbert Stokhammer, de Kingston. Outros, como o grego Yannis Varoufakis, têm trabalhado a fundo a crise financeira e a sua transformação em “crise da dívida”. Varoufakis elaborou, com Stuart Holland, uma Modesta Proposta para Resolver a Crise da Zona Euro, apoiada, entre outros, por Jacques Delors, Giuliano Amato, Felipe González e Guy Verhofstadt, para só falar nos ex-responsáveis políticos mais conhecidos. A reestruturação da dívida é um dos pilares da publicação.
Robert Pollin e Michael Ash são outros dois subscritores do manifesto. Estes dois nomes ganharam notoriedade no ano passado, quando detectaram erros de cálculos e no Excel de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, contrariando assim a tese dominante até então de que um elevado endividamento condenava uma economia a um crescimento lento. Reinhart e Rogoff inspiraram muitos dos que defenderam a austeridade e a redução da dívida como fórmula para superar a crise.Obviamente, DEMITA-SE
O estatístico que está como ministro da Educação, do Ensino e da Ciência, sofre, para além de muitas outras manias e complexos, de uma fixação obsessiva na destruição dos Institutos Politécnicos. No epicentro desta paranóia, situa-se o elitismo. Um mal que não lhe é exclusivo, uma doença grave que atinge uns quantos académicos de pacotilha que se julgam a elite do país. Com formação intelectual e humana que não lhes permite ver para lá do próprio umbigo, não passam de almas penadas incapazes de enxergar que se limitam a "trabalhar" para encher o ego de uma mão cheia de nada, e para se promoverem num circuito fechado em que os de cima puxam os de baixo e os de baixo empurram os de cima tendo como resultado a obtenção do zero absoluto. Pobres de espírito, autoproclamam-se lídimos representantes da elite nacional não conseguindo entender o mundo real onde "não vivem", não se dando conta de serem objecto de chacota pela generalidade dos académicos e cientistas que trabalham com os olhos postos no benefício da sociedade, e que são desconsiderados por todos quantos fora da academia e da ciência produzem para o bem comum, . Em suma, a idiotice obnubila-lhes de tal forma o pensamento que não conseguem entender que grande parte dos males de que sofremos reside, precisamente, na fraca qualidade das nossas "ditas" elites.
Ora é este iluminado que contra todas as evidêncas veio pôr em causa, em entrevista que deu à RTP no passado dia 18 do corrente, a qualidade do trabalho desenvolvido pelos Institutos Politécnicos, nomeadamente pelas Ecolas Superiores de Educação. Esqueceu-se, o coitado, que o próprio presidente da Agência de Avaliação do Ensino Superior "nega que a qualidade dos Politécnicos seja pior que a das universidades e diz que dos cursos "chumbados" até agora por falta de qualidade, nove são das Universidades e seis dos Politécnicos".
O mais grave é que não estamos perante um mero incidente, uma gafe a que qualquer um de nós está sujeito. Trata-se de mais um passo numa estratégia insensata e grave: desacreditar o ensino superior politécnico, para voltar aos velhos cursos médios dos tempos do fascimo salazarista. Aos tempos em que os meninos de famílias "com posses" iam para as Universidades e os meninos das famílias "remediadas" iam para os Institutos - Comercial, Industrial, ou Agrícola. Os cursos "de segunda" que, para inveja de muitos "Cratos", deram ao país profissionais "de primeira" e, vade retro satanás, tinham no mercado de trabalho das suas respectivas áreas de especialidade prioridade sobre os licenciados por cursos "de imitação" à data criados à pressa em diversas Faculdades e Institutos Superiores. Nova obstinação cratoriano-elitista, os projectados Cursos Superiores de Especialização (CSE), a ser ministrados nos Institutos Politécnicos, pretendem ser reconhecidos como formação superior não conferente de grau académico. Ou seja, em bom português, cortar as pernas àqueles que queiram prosseguir estudos obrigando-os a, como acontecia há 50 anos, começar quase tudo de novo!
Para que conste, aqui fica transcrição e a fotografia de notícia do jornal Público de 21 deste mês:
Politécnicos querem a demissão do ministro da Educação
Em carta aberta ao primeiro-ministro, responsáveis reagem a declarações de Nuno Crato sobre qualidade dos licenciados
Os institutos politécnicos sugeriram a Pedro Passos Coelho a demissão do ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, na sequência de afirmações suas de que as escolas superiores de educação não dão formação adequada aos professores.
Numa carta aberta ao primeiro-ministro, subscrita pelos responsáveis por 17 escolas superiores, o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos argumenta que “não existem condições de confiança para o senhor ministro continuar a tutelar o ensino superior”.
Numa entrevista à RTP, na quarta-feira passada, Nuno Crato disse que o sistema de formação de professores “tem várias falhas” e disse que as universidades e as escolas superiores de educação “têm características e critérios de exigências muito diferentes”. O ministro disse ter dúvidas sobre os licenciados que vêm dos politécnicos.
Para o Conselho Coordenador dos politécnicos, as palavras do ministro relevam “um preconceito” de Nuno Crato quanto a estas escolas, “já manifesto enquanto comentador e opinion maker, mas inaceitável no seu estatuto de ministro da Educação e Ciência”.
Nuno Crato, dizem os responsáveis pelos politécnicos, “colocou em causa, de modo explícito, sem qualquer fundamento factual, a formação ministrada nas escolas superiores de educação”.
O Conselho Coordenador argumenta ainda que não se trata de um acto isolado, mas sim de um “preconceito ideológico” quanto ao ensino superior politécnico.
A postura do ministro, concluem os politécnicos, “pode condicionar gravemente o futuro do desenvolvimento e consolidação do sistema de ensino superior português”, temendo-se que as políticas para o sector “possam ser gravemente desvirtuadas por esta visão”.
Por isso, “não existem condições de confiança para o senhor ministro continuar a tutelar o ensino superior”, argumenta o Conselho Coordenador.
Rui Beja
Os velhos: não é possível exterminá-los?
Artigo e fotografia de José Pacheco Pereira, historiador, no Público Online de 30 de Novembro de 2013
Com o prestígio intelectual que lhe é amplamente reconhecido, e o desassombro pessoal que o caracteriza, o social-democrata Pacheco Pereira, que tem vindo a denunciar insistentemente a incompetência e a agenda ultraneoliberal do governo de Passos Coelho, reafirma de modo frontal e fundamentado a sua discordância com as práticas que estão a ser seguidas; incidindo especialmente no ataque que está a ser feito à condição de ser mais velho.
Subscrevo por inteiro as palavras de Pacheco Pereira. Estamos perante um genocídio administrativo, merecedor de veemente repúdio e de todas as consequências sociais legalmente aplicáveis a um acto desta natureza.
Eu gostaria muito de escrever artigos racionais, ponderados, que merecessem uma aura académica e sensata, que unissem em vez de dividir, que me permitissem ter a minha quota de lugares, prémios e prebendas, mas estou condenado, nestes tempos, a escrever cada vez mais panfletos. Acontece. Isto do imperativo categórico, como Kant sabia, é uma maçada.
Isso deve-se ao facto de não querer ter nenhuma falinha mansa, daquelas que enchem o balofo da nossa política de mútuos cumprimentos e salamaleques, com gente que se mostra impiedosa por indiferença, hostil com os fracos que estão do lado errado da “economia”, subserviente com os fortes, capaz de usar todos os argumentos para dividir, se daí vier alguma pequena folga para as suas costas.
Tenho dito e vou repetir: a herança que estes dois anos de “Governo” Passos Coelho-Portas-troika vai deixar ultrapassará muito o seu tempo de vida como governantes. Se não for antes, em 2015, passarão à história como um epifenómeno dos tempos da crise e sobreviverão incrustados nos partidos de onde lhes vem o poder, como um fungo que não se consegue limpar. Vão continuar a estragar muita coisa, mas a própria lógica de onde vieram os substituirá por outros mais ou menos maus. A maldição portuguesa é esta. Aquilo que mais precisamos, não temos.
Mas, mesmo que desapareçam como as figuras menores que realmente são, vão deixar estragos muito profundos no tecido já de si muito frágil da nossa vida colectiva, cavando fundo divisões e conflitos, destruindo o pouco de humanidade social que algum bem-estar tinha permitido. Eles estão, como as tropas romanas, a fazer no seu Cartago, infelizmente no nosso Portugal, o terreno salgado e estéril. Pode-se-lhes perdoar tudo, os erros de política, a incompetência, o amiguismo, uma parte da corrupção dos grandes e dos médios, menos isto, este salgar da terra que pisamos, apenas para obter uns ganhos pequeninos no presente e com o custo de enormes estragos no futuro.
Um exemplo avulta nos últimos dias, que já vem de trás, mas que ganha uma nova dimensão: o ataque aos velhos por serem velhos, uma irritação com o facto de haver tanta gente que permanece como um ónus para o erário público apesar de já não ser “produtiva”, de não ter saída no “mercado do trabalho”, de estar “gasta”. De ministros que não leram Camões e nem sequer sabem quem são os “velhos do Restelo”, a gente que pulula nesse novo contínuo dos partidos e do Estado que são os blogues, a umas agências de comunicação que são as Tecnoforma dos dias de hoje, boys e empregados de todos os poderes para fazerem na Internet e nos jornais o sale boulot, todos, de uma maneira ou de outra, atacam os velhos, por serem velhos. Numa sociedade envelhecida, isso significa atacar a maioria dos portugueses, em nome de uma ideia de juventude “empreendedora”, capaz de fazer uma empresa do nada só com “ideias”, “inovação” e design, sem os vícios do “passado”, capaz de singrar na vida sem “direitos adquiridos”, nem solidariedade social, imagem que tem o pequeno problema de ser tão mitológica como a Fada dos Dentinhos.
Grande parte do ataque a Mário Soares e a muitos que estiveram na Aula Magna foi feito em nome de eles serem “velhos”, logo senis. Nem sequer é por implicação, é dito com clareza, com o mesmo tipo de “argumentos” com que os soviéticos enviavam os dissidentes para os asilos psiquiátricos porque quem estivesse no uso normal das suas faculdades não podia deixar de ser comunista. Aqui é o mesmo: só pode ser senil quem duvidar da bondade das medidas do Governo, apresentadas como sendo a realidade pura, inescapável, inevitável. Como pode estar bom da cabeça quem coloca em causa a versão em “economês” da lei da gravidade? Só um louco. E se for velho, é-se senil, ultrapassado, antiquado, mesquinho, por definição. Não há outra maneira de explicar que haja velhos com tantas ideias “erradas” sobre a bondade do nosso “ajustamento” e que sejam empecilhos para os “jovens” brilhantes que o aplicam com vigor e sem vergonha.
Muito do discurso contra os velhos, que começa, em bom rigor, cada vez mais cedo, quando se perde o emprego e se fica “gasto” para o mercado de trabalho, é um discurso que pretende ser utilitário no plano político, e é isso que o torna moralmente desprezível. Destina-se a justificar o violento ataque a reformas e pensões, a gente que trabalhou a vida toda, e que ainda tem memória do que custou obter esses malfadados “direitos”, resultado de “contratos” de “confiança” com o estado, tudo coisas de velhos que estão a “roubar” aos mais novos do seu futuro. Estão a mais. E se eles não percebem que estão a mais a gente vai mostrar-lhes pelo vilipêndio e pelo saque que já há muito deveriam ter desaparecido.
Muita coisa tem hoje a ver com esta demonização da idade. Um caso entre muitos, é o que se está a passar com o despedimento colectivo dos trabalhadores dos Estaleiros de Viana do Castelo. Nem sequer discuto se a empresa tinha que encerrar ou não, porque a partir de um certo nível de dolo e degradação da linguagem esse não é o primeiro problema. Podia ser, mas com esta gente não é, porque, ao fazerem as coisas como fazem, sempre obcecados em enganar-nos, merecem que contra eles se volte tudo, o discurso empolgado dos “navegadores” e a retórica do “mar”, ao mesmo tempo que se fecha o único estaleiro que sobrava, a disparidade de não querer pagar 180 milhões de euros, enquanto se aumenta a taxa para a RTP, que recebe todos os anos muito mais do que isso, a displicência com que se apresenta como grande vitória, mais de 600 despedimentos.
Acresce a soma de mentiras habituais: que 400 trabalhadores vão ser reintegrados (afinal não há nenhuma garantia), que vão ser pagas as devidas indemnizações (afinal parece que só a parte deles), que vai continuar a construção naval (quando não custa perceber que o que a Martifer vai fazer não são navios). O que vai acontecer é um enorme despedimento colectivo feito pelo Estado, o encerramento dos estaleiros à construção naval, o preço de saldo para a Martifer após o Estado, como no BPN, pagar todos os custos. E, na vaguíssima hipótese de alguns trabalhadores serem empregados na nova empresa, serão sempre poucos, com salários mais baixos, com uma folha de antiguidade a zero, e ficarão de fora os mais velhos e os mais reivindicativos. Alguém vai contratar um membro da comissão de trabalhadores, mesmo que seja um excelente soldador? Como muita da mão-de-obra dos estaleiros já tem uma certa idade – os velhos começam a ser velhos aos quarenta –, está-se mesmo a ver a sua “empregabilidade”.
Não custa fazer o discurso politicamente correcto de que a “esquerda não tem o monopólio da sensibilidade social” (e não tem), nem dizer aqueles rodriguinhos do costume do género “que bem sabemos como os portugueses estão a sofrer”, ou que “nenhum Governo gosta de tomar estas medidas”, ou elogiar os portugueses pelo seu papel “decisivo” no sucesso da aplicação do “ajustamento”, etc., etc. Na verdade, estou farto de exibições de confrangimento público e exercícios de “preocupação social”, já não posso ver a hipocrisia de Passos Coelho e de Aguiar Branco, ao lado do exibicionismo pavoneado dos soundbites de Portas.
Swift escreveu em 1729 uma sátira sobre a pobreza na Irlanda chamada Uma modesta proposta para evitar que as crianças dos pobres irlandeses sejam um fardo para os seus pais e o seu país e para as tornar um benefício público. Aconselhava os pobres a comerem os filhos, como meio de combater a fome, “grelhados, fritos, cozidos, guisados ou fervidos”. Na verdade, quando se assiste a este ataque à condição de se ser mais velho – um aborrecimento porque exige pagar reformas e pensões, faz uma pressão indevida sobre o sistema nacional de saúde, e, ainda por cima, protestam e são irreverentes –, podia avançar-se para uma solução mais simples. Para além de os insultar, de lhes retirar rendimentos, de lhes dificultar tudo, desde a obrigação de andar de repartição em repartição em filas para obter papéis que lhes permitam evitar pagar rendas de casa exorbitantes, até ao preço dos medicamentos, para além de lhes estarem a dizer todos os dias que ocupam um espaço indevido nesta sociedade, impedindo os mais jovens de singrarem na maravilhosa economia dos “empreendedores” e da “inovação”, será que não seria possível ir um pouco mais longe e “ajustá-los”, ou seja, exterminá-los?
Rui Beja
Carta aberta ao ministro das Finanças alemão
Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social, responde às palavras arrogantes, ofensivas e provocatoriamente insidiosas de Wolfgang Schauble, no jornal Público de 28 de Março de 2013
Escrevi aqui, em 12 de Novembro de 2012, em texto que intitulei Memória Curta - Os «alemães que perderam a II Guerra Mundial» e os «alemães Merkel»:
Nos dias de hoje, os meus amigos alemães de há quarenta anos dizem-me que têm muito receio do que se está a viver na Europa. Por uma questão maior: perder-se a paz. São «os alemães que perderam a II Guerra Mundial».
Merkel faz parte das novas gerações que começam a ser maioritárias no seu país. São os alemães que não se sentem comprometidos com o passado, que se assumem superdotados, que pensam exclusivamente no seu bem-estar. Querem desconhecer que a solidariedade de que a Alemanha já tanto beneficiou tem dois sentidos, parecem incapazes de perceber que os últimos, mas também os maiores perdedores do que se está a fazer na Europa, serão eles próprios. E não têm preocupações com o risco de uma questão maior: perder-se a paz. São «os alemães Merkel».
Independentemente da idade (nasceu em 1942) Wolfgang Schauble fala e actua como se não tivesse memória das guerras mundias provocadas pela Alemanha. Não sei, nem me interessa saber, se o faz por convicção ou simplesmente para captar as simpatias, e sobretudo os votos, da maioria dos alemães, dos «alemães Merkel». Sim, porque os «alemães Merkel» trazem com eles os genes dos seus antepassados (que até nem se aperceberam que tinham um líder nacional-fascista!) e também não se querem lembrar dos crimes cometidos por via do ancestral espírito de superioridade germânica. Estará o nacionalista «Deutschland Über Alles» a sobrepor-se, de novo, ao racionalismo inteligente dos alemães?
Silva Peneda põe o dedo na ferida de forma firme e inequívoca, conforme texto que em seguida transcrevo:
O Senhor Ministro afirmou que há países da União Europeia que têm inveja da Alemanha. A primeira observação que quero fazer, Senhor Ministro, é que as relações entre Estados não se regem por sentimentos da natureza que referiu. As relações entre Estados pautam-se por interesses.
Queria dizer-lhe também, Senhor Ministro, que comparar a atitude de alguns Estados a miúdos que na escola têm inveja dos melhores alunos é, no mínimo, ofensivo para milhões de europeus que Têm feito sacrifícios brutais nos últimos anos, com redução muito significativa do seu poder de compra, que sofrem uma recessão económica que já conduziu ao encerramento de muitas empresas, a volumes de desemprego inaceitáveis e a uma perda de esperança no futuro.
E acrescentou o Senhor Ministro: "Os outros países sabem muito bem que assumimos as nossas responsabilidades...". Fiquei a saber que a nova forma de qualificar o conceito de poder é chamar-lhe responsabilidade!
E disse mais o Senhor Ministro: "Cada um tem de pôr o seu orçamento em ordem, cada um tem de ser economicamente competitivo". A este respeito gostaria de o informar que já tínhamos percebido, estamos a fazê-lo com muito sacrifício, sem tergiversar e segundo as regras que foram impostas.
Quando o ministro das Finanças do mais poderoso Estado da União Europeia faz afirmações deste jaez, passa a ser um dos responsáveis para que o projecto europeu esteja cada vez mais perto do fim.
Passo a explicar. O grande objectivo do projecto europeu foi garantir a paz na Europa e como escreveu um antigo e muito prestigiado deputado europeu, Francisco Lucas Pires, "...essa paz não foi conquistada pelas armas mas sim através de uma atitude de vontade e inteligência e não como um produto de uma simples necessidade ou automatismo...". A paz e a prosperidade na Europa só foram possíveis porque no desenvolvimento do projecto político de integração europeia teve-se em conta a grande diversidade de interesses, as diferentes culturas e tradições e os diferentes olhares sobre o mundo. Procurou-se sempre conjugar todas essas variedades, tons e diferenças dos Estados-membros numa matriz de valores comuns.
Esta declaração de Vossa Excelência põe tudo isto em causa, ao apontar o sentimento da inveja como o determinante nas relações entre Estados-membros da União Europeia. Quero dizer-lhe, Senhor Ministro, que o sentimento da inveja anda normalmente associado a uma cultura de confrontação e não tem nada a ver com uma outra cultura, a de cooperação.
Com esta declaração, Vossa Excelência quer de forma subtil remeter para outros Estados a responsabilidade pela confrontação que se anuncia. Essa atitude é revoltante, inaceitável e deve ser denunciada.
A declaração de Vossa Excelência, para além de revelar uma grande ironia, própria dos que se sentem superiores aos outros, não é de todo compatível com a cultura de compromisso que tem sido a matriz essencial da construção do sonho europeu dos últimos 60 anos.
Vossa Excelência, ao expressar-se da forma como o fez, identificando a inveja de outros Estados-membros perante o "sucesso" da Alemanha, está de forma objetiva a contribuir para desvalorizar e até aniquilar todos os progressos feitos na Europa com vista à conslidação da paz e da prosperidade, em liberdade e em solidariedade. Com esta declaração. Vossa Excelência mostra que o espírito europeu para si já não existe.
Eu sei que a unificação alemã veio alterar de forma muito profunda as relações de poder na União Europeia. Mas o que não deveria acontecer é que esse poder acrescido viesse pôr em causa o método comunitário assente na permanente busca de compromissos entre variados e diferentes interesses e que foi adotado com sucesso durante décadas. O caminho que ultimamente vem sendo seguido é o oposto, é errado e terá consequências dramáticas para toda a Europa. Basta ler a história não muito longínqua para o perceber.
Não será boa ideia que as alterações políticas e institucionais necessárias à Europa venham a ser feitas baseadas, quase exclusivamente, nos interesses da Alemanha. Isso seria a negação do espírito europeu. Da mesma forma, também não será do interesse europeu o desenvolvimento de sentimentos anti-Alemanha.
Tenho a percepção de que a distância entre estas duas visões está a aumentar de forma que parece ser cada vez mais rápida e, por isso, são necessários urgentes esforços, visíveis aos olhos da opinião pública, de que a União Europeia só poderá sobreviver se as modificações inadiáveis, especialmente na zona euro, possam garantir que nos próximos anos haverá convergência entre as economias dos diferentes Estados-membros.
As declarações de Vossa Excelência vão no sentido de cavar ainda mais aquele fosso e, por isso, como referiu recentemente Jean-Claude Juncker a uma revista do seu país, os fantasmas da guerra que pensávamos estar definitivamente enterrados, pelos vistos só estão adormecidos. Com esta declaração. Vossa Excelência parece querer despertá-los.
Rui Beja
Um segundo memorando por interposto FMI
Artigo de opinião da autoria de António Bagão Félix, no Público de 12 de Janeiro de 2013
Como afirmou o Presidente da República, “precisamos de recuperar a confiança dos portugueses. Não basta recuperar a confiança externa dos nossos credores”. Esta é sempre uma condição necessária, mas insuficiente. A confiança dos portugueses precisa de uma gramática política que potencie a esperança e o bem comum.
Custa-me apreciar um documento oriundo de uma respeitável organização internacional como se quase se tratasse de um diktat sobre um país em regime de ocupação. Custa-me perceber que o início da discussão pública sobre a “refundação do Estado” comece por um exercício calculatório, sem alma, sem história, ignorando a nossa idiossincrasia, feito para aqui como poderia ser desenhado para acolá.
Afinal qual a natureza deste documento? Uma proposta de segundo memorando, com tudo o que isso transporta de reconhecimento de insuficiência ou até de fracasso do primeiro? Um documento não oficial embora oficiosamente já com o selo do Governo? Um contributo apenas interno, mas que se “deixou” sair para ver no que dá?
Este não é o método adequado para fortalecer a unidade da coligação e favorecer o consenso social possível. É, aliás, um “cardápio” que tornaria como definitivas medidas do mesmo ou maior calibre das que o Governo tem defendido como constitucionais, argumentando com o seu carácter transitório.
Neste repertório de indistintos “cortes de talho” na despesa, há, naturalmente, pontos que merecem ser adoptados. Outros são bem mais controversos. Limito-me aqui à Segurança Social (SS) e ao volume de pessoal.
Parte-se da premissa de que a despesa com pensões é igual a qualquer outra despesa. Não é verdade. Uma pensão é uma transferência operada por via de leis e resultante de um contrato de confiança em que as pessoas transferem para a SS parte das suas poupanças para as receber mais tarde.
O regime previdencial é submergido num sistema social opaco, assistencial, unilateral. Fala-se do seu desequilíbrio, o que é falso. Compara-se o nível de despesa face à UE usando valores de 2010 e ignorando dois anos de forte austeridade. Minimizam-se os impactos das reformas já feitas, mais do que lá fora (consideração de toda a carreira contributiva, convergência dos regimes da função pública e privada, introdução de um factor de ajustamento automático da idade de reforma, etc.). Critica-se o caracter de menor redistribuição entre rendimentos no sistema contributivo de pensões, como se fosse esse o seu objectivo. Não perceberam (ou não lhes foi explicado) que na SS não se devem misturar realidades com funções distintas: o regime previdencial que confere direitos em função de uma lógica contratual e os regimes assistenciais e não contributivos onde, aí sim, se faz uma redistribuição em favor dos mais fragilizados. Se acham que o Seguro Social é uma “excrescência” digam-no claramente: acabava-se com a TSU, tudo seria financiado por impostos e todos os benefícios seriam sujeitos a condição de recursos. Agora não culpem os actuais pensionistas das regras que existiam e existem e não queiram retroagir efeitos devastadores sobre pessoas que já não têm alternativa de mudança nas suas vidas. O Seguro Social não é uma guerra entre ricos e pobres, como agora alguns iniciados na matéria dizem. Essa “guerra” deve fazer-se na progressividade fiscal e nas prestações sociais de carácter não contributivo.
Bom seria que estudos como o do FMI descessem da macro visão para as consequências na vida das pessoas. Por exemplo, um pensionista de 1000 € mensais poderia, no fim de tudo o que já foi feito nestes últimos anos e do que agora é ventilado, ter uma redução nominal da sua pensão de 50%! Há limites em nome da dignidade humana. Como no desemprego, em que se quer passar de um regime de protecção (passível de aperfeiçoamento) para a quase indigência.
Há, porém, outras medidas sugeridas que são meritórias: a proibição da antecipação da reforma por velhice salvo em situações de carreiras completas, a consideração global de prestações assistenciais dispersas, ou a definição mais restritiva de acesso à pensão de sobrevivência. Mas o que se sugere quanto às prestações familiares, é praticamente transformar o abono de família num benefício residual, paradoxalmente no país com a 2ª mais baixa taxa de natalidade no mundo!
Já quanto ao volume de pessoal no SPA, é iniludível a necessidade de o reduzir. A questão é como, quando e onde e sobre isso o relatório pouco adianta. É preciso fazer um trabalho de filigrana que não afecte as competências que o Estado deve ter e que não desertifique o capital humano do Estado. Sou favorável a um programa acordado de rescisões, com recurso a um fundo gerado por receitas de privatizações, que assim não afectaria o défice.
No relatório nada se diz sobre empresas públicas, financiamento das estruturas rodoviárias e os “Estados paralelos”. Afinal o problema não está nas recorrentemente citadas “gorduras”. Está no osso e nos músculos. Chegamos à conclusão que o único Estado a definhar é o que diz directamente respeito às pessoas. Às comuns. Às que pagam impostos. Às que descontam e descontaram.
O relatório ignora, ainda, que parte do problema se agravou pela espiral recessiva do remédio e que se o Estado Social (a redistribuição) é função da economia (a criação de riqueza), o contrário também é verdadeiro. Ao retirar-se rendimento disponível às classes média e baixa, diminui-se drasticamente o consumo (a sua propensão marginal ao consumo é elevada) de bens quase todos cá produzidos e não importados. Logo agrava-se a recessão e o desemprego. E também nada se escreve sobre juros, o que é lógico num relatório de um credor privilegiado. Mas sabendo-se que a quase totalidade do défice coincide com o valor dos juros, bom seria que o nosso Governo tivesse uma atitude mais activa de maneira a tentar baixar o custo implícito da dívida soberana. Por exemplo, negociando a possibilidade de trocar dívida possuída por credores a taxas mais altas por dívida a custos inferiores, como fez a quase proscrita Grécia. O próprio presidente do Eurogrupo acaba de defender a alteração das condições do ajustamento financeiro português como recompensa por ter cumprido as metas da troika.
Por fim, apesar do estado de emergência, não há mandato político para este putativo segundo memorando. Sob pena de os escrutínios eleitorais serem cada vez mais uma treta.
António Bagão Félix
Público, Janeiro de 2013
A censura prévia já chegou!
Conferência sobre reforma do Estado com limitações aos jornalistas, lê-se hoje no Público Online
A conferência sobre a reforma do Estado organizada a pedido do primeiro-ministro por Sofia Galvão, ex-dirigente do PSD, para ouvir a sociedade civil condiciona o trabalho jornalístico.
"Não haverá registos de imagem e som [durante os painéis]. A permanência dos jornalistas na sala é permitida. Não haverá [reprodução de] nada do que seja dito sem a expressa autorização dos citados", anunciou esta manhã Sofia Galvão na sua intervenção inicial.
Só a abertura e encerramento da conferência – que serão feitas pelo primeiro-ministro, ao final da tarde de amanhã – serão totalmente abertas à comunicação social.
Perante este anúncio de Sofia Galvão, advogada e ex-dirigente do PSD no tempo em que Manuela Ferreira Leite detinha a liderança, que disse ter sido aceite pela comunicação social, vários jornalistas abandonaram a sala, o PÚBLICO inclusive. Uma colaboradora da iniciativa propôs aos jornalistas o envio, ao final do dia, de um resumo de um minuto e meio de imagens com som.
A abertura da conferência, a decorrer em Lisboa, coube ao secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Carlos Moedas. "Não gostava de ouvir falsos entendimentos, gostava de ouvir confrontos", disse o governante, dizendo estar ali "para ouvir mais a palavra 'eficiência' do que 'despesa'".
Na breve comunicação inicial, antes do primeiro painel intitulado "O Estado a que chegámos", o secretário de Estado adjunto disse que estará na conferência "em nome do primeiro-ministro" para ouvir a sociedade civil.
Apesar de a iniciativa se destinar a ouvir a sociedade civil sobre a reforma do Estado, na assistência encontram-se vários secretários de Estado, entre eles Paulo Júlio, da Administração Local, e Hélder Rosalino, da Administração Pública.
À porta do Palácio Foz dezenas de feirantes protestam em silêncio, com um adesivo na boca, por terem sido excluídos da conferência. Luís Paulo Fernandes, da associação nacional de feirantes, disse aos jornalistas ter tentado inscrever-se, na segunda-feira, mas foi-lhe dito que a entrada seria apenas por convite.
Luís Paulo Fernandes lembra que na semana passada o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schultz, aproximou-se dos feirantes que se manifestavam em frente à Assembleia da República, em Lisboa. Os manifestantes seguram um cartaz com a inscrição: "Queremos convite a opinar sobre o futuro. Foi a nós que o presidente do Parlamento Europeu escolheu para a mensagem de que os ricos paguem mais do que os pobres".
Por: Sofia Rodrigues 15/01/2013 - 10:11 (actualizado às10:42)
Uma estúpida devoção pelo segredo - opinião de Manuel Carvalho 15/01/2013 - 13:22
A forma como o relatório do FMI foi divulgado já tinha inaugurado as suspeitas, mas agora é oficial: o Governo quer sustentar o mais importante debate sobre o futuro próximo do país em contas de tecnocratas e nos silêncios dos bastidores. Ao limitar por interposta pessoa (Sofia Galvão, ex-dirigente do PSD) o trabalho dos jornalistas na conferência sobre a reforma do Estado que se iniciou nesta terça-feira, o Governo decretou que o silêncio e o anonimato se devem sobrepor à crítica e à liberdade de pensamento.
Ao exigir que a divulgação de opiniões dos participantes seja sujeita a autorização prévia transformou um exercício que reclama transparência e honestidade num conclave maçónico onde a reverência do salamaleque e a cobardia do segredo imperam. A discussão sobre o que deve ou tem de ser o Estado é uma discussão que interessa à comunidade nacional e nada do que for reflectido ou dito lhe deve ser cerceado ou censurado. Esta conferência é, por isso, um insulto.
Se o Governo quiser discutir a segurança nacional com especialistas num encontro secreto, que o faça: todos havemos de perceber que até em democracia há coisas que exigem recato. Se quiser ouvir um sinédrio de especialistas em finanças públicas ou de peritos em modelos de organização sobre o futuro do Estado, que o faça: um pouco mais de ponderação e de saber é algo que se pressente estar em falta. Se sobre a reforma ou refundação do Estado ou do Estado social decidir pedir pareceres a burocratas tão ignorantes da realidade do país que não sabem que a nossa dependência de cereais é tão antiga que até nos levou à conquista de Ceuta, que peça. Mas se todas estas estratégias são admissíveis, pensar que é desejável e possível organizar uma conferência sob o signo do murmúrio ou da verdade controlada não é só uma estupidez, é também como um abuso.
O que receará o Governo com este tapume? Que lhe digam o que não quer ouvir nem pode admitir aos credores internacionais? Mas então, se for esse o receio, talvez fosse melhor contratar papagaios para repetirem a mensagem pré-escrita. Terão os seus convidados medo de dizer o que pensam aos seus concidadãos? Mas, se for esse o caso, por que razão não se fecham nas suas convicções e se dispõem a entrar no jogo do Governo? Afinal, não pediu Carlos Moedas “uma ideia clara do que a sociedade civil pensa” sobre a reforma? Não quer a organizadora da conferência, Sofia Galvão, uma sociedade civil “crítica, exigente e madura”?
Das apologias aos actos houve aqui uma enorme distância, alguma hipocrisia e uma evidente ausência de espírito democrático. A intelectualidade portuguesa, seja a da academia, da administração, das fundações ou das empresas não se tem eximido às suas responsabilidades cívicas e tem dito o que lhe parece ser a verdade e o interesse nacional. O que leva o Governo a temer que os cidadãos saibam o que os presentes na conferência pensam ou dizem é o medo da sua própria insegurança e fragilidade. O que o Governo receia são análises profundas e realistas do que é o Estado e o país. O que o Governo teme é que alguém levante o dedo para dizer que a reforma do Estado tal como o Governo a concebe e deseja é um arquétipo ideológico que ameaça estilhaçar-se ao primeiro choque com a realidade. O que o Governo mostra com esta insegurança em relação ao debate livre e frontal é o pavor de que alguém lhe diga o que já muitos perceberam: que é mais fácil pedir ao FMI para escrever um paper técnico do que inventar uma receita política para uma reforma que se adivinha tão difícil como necessária
Perca de "legitimidade" do Governo e papel mais interventivo do Presidente da República
Preocupações e alertas de Adriano Moreira e Alfredo José de Sousa, no Público Online
Adriano Moreira avisa que o Governo está a perder “legitimidade” (11-1-2013)
O antigo líder do CDS-PP, Adriano Moreira, considera que o Governo de Passos Coelho está a perder “legitimidade” por estar a aplicar um programa “bem diferente” daquele que com que se apresentou a eleições.
Em entrevista à Antena 1 nesta sexta-feira, Adriano Moreira afirmou que é “absolutamente evidente que entre o programa oferecido e o programa que está a ser executado não há coincidência e aí começa a perda da legitimidade do exercício”.
Reconhecendo que o memorando da troika é “uma condicionante” para o Executivo, realçou, no entanto, que o documento já existia quando o PSD foi a eleições. E admitiu mesmo que o se Tribunal Constitucional decidir pela inconstitucionalidade de algumas normas do Orçamento do Estado essa legitimidade ainda ficará mais frágil. Nesse caso, o Governo terá que “encontrar soluções de emergência e de urgência para colmatar os vazios” provocados pelo chumbo dessas normas.
Adriano Moreira também disse duvidar se “o país aguenta mais dois anos esta situação de tensão”. “Dentro do próprio Governo e da representação parlamentar da maioria, na consciência e inteligência das pessoas, há divergências”, e só se conseguem convergências pela pressão a que o país e o Governo estão sujeitos para cumprir o acordo com a troika.
Esta situação de condicionamento devido à troika “tem reflexos preocupantes”, observa Adriano Moreira, nomeadamente na “tendência que há em alguns lugares e intervenções para tratar a Constituição como se fosse uma lei ordinária”. Ora, o antigo líder centrista diz que este é o cenário dos “protectorados”, e no caso de Portugal quem dá as orientações são as instituições internacionais.
Instituições internacionais que, afirma Adriano Moreira, dão ao Governo orientações neoliberais acompanhadas de uma “atitude repressiva” e que o PSD praticamente assume como suas, aponta.
“Esse partido [PSD], tendo ele tido sempre uma pluralidade de orientações - foi sempre um partido bastante plural -, o acento tónico é [agora] neo-liberal. É um neo-liberalismo implacável nas circunstâncias em que nós estamos e essa ideologia liberal é acompanhada de uma atitude repressiva”, criticou Adriano Moreira, adiantando que o Governo e o principal partido que o suporta funcionam tendo por base estratégica unicamente o orçamento e não se preocupam com o cumprimento dos preceitos constitucionais.
Por isso, o antigo líder do CDS-PP defende que há quem, no seu partido, embora participe na coligação governamental, não concorde com a orientação que está a ser seguida pelo executivo. E diz mesmo que as sugestões e imposições da troika vão contra a concepção que o CDS-PP tem do Estado social, mas o partido liderado por Paulo Portas não se rebela porque é responsável e tem consciência de que “qualquer crise política seria muito grave para o país”.
Provedor de Justiça quer que Cavaco tenha um papel mais interventivo (13-1-2013)
O Provedor de Justiça considera que se algumas normas do Orçamento do Estado para 2013 forem inconstitucionais isso implicará uma renegociação do memorando de entendimento com a troika. Alfredo José de Sousa quer também que o Presidente da República tenha um papel mais interventivo.
O provedor, que falava numa entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, defendeu que “o Presidente da República terá de ser mais interventivo, fazer uso dos seus poderes constitucionais, ainda que só tendo direito à palavra, ou ao exercício da palavra”. Alfredo José de Sousa referia-se, concretamente, à necessidade de fazer ajustamentos ao programa de ajuda externa e à falta de entendimento entre os partidos no que diz respeito aos cortes nas funções do Estado, para justificar a importância de Cavaco Silva ter um papel mais activo.
Sobre os cortes nos rendimentos dos reformados inscritos no Orçamento para este, o provedor classificou-os como “brutais” e relevou que já recebeu mais de 1000 queixas relacionadas com este assunto. “O direito dos reformados é um direito adquirido, depois de ser um direito em construção na medida em que vão fazendo descontos ao longo da sua carreira. E há até quem faça equivaler esse direito a um direito de propriedade”, justificou o também juiz, na mesma entrevista.
Esta foi aliás, explicou Alfredo José de Sousa, uma das principais razões que estiveram na base do envio do documento para o Tribunal Constitucional para fiscalização sucessiva. O provedor anunciou nesta semana que pediu a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de dois artigos do Orçamento do Estado, relativos à suspensão do pagamento do subsídio de férias de aposentados e reformados e à contribuição extraordinária de solidariedade de reformados e aposentados.
Em causa estão os artigos 77.º e 78.º, que, na perspectiva de Alfredo José de Sousa, “violam os princípios da igualdade, protecção da confiança e proibição do excesso, pondo em causa o disposto nos artigos 13.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa”.
Quanto a não ter feito nenhum pedido de fiscalização no ano passado, o provedor justificou que na altura pensou que a situação fosse única e irrepetível. Mas perante a reincidência decidiu dar seguimento às queixas que recebeu. “Os cortes deste ano, apesar de algum equilíbrio, dando seguimento às razões de inconstitucionalidade relativamente ao Orçamento de 2012, são brutais, sobretudo os cortes nos rendimentos dos aposentados”, acrescentou. E lembrou que os pensionistas e reformados, ao contrário dos trabalhadores no activo, não têm um poder importante nas suas mãos: o direito à greve.
Rui Beja
Afronta Gratuita à Solidariedade Intergeracional
Carta aberta (pelo respeito que os governantes devem à dignidade de TODOS os portugueses )
Inconsciência: falta de responsabilidade
Social: que diz respeito à sociedade
Afronta: expressão ou acção injuriosa ou de desprezo
Gratuita: que não tem fundamento
Solidariedade: reprocidade de obrigações e interesses
Intergeracional: relativo às relações entre as gerações
A União Europeia declarou 2012 como «Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações». Nesse âmbito, o Governo de Portugal emitiu, em Janeiro deste ano, um Programa de Acção subordinado ao seguinte lema:
Viver mais tempo implica envelhecer. Maior longevidade não é um fatalismo ou uma ameaça. É uma vitória da humanidade e uma oportunidade de potenciar o «património imaterial» que significa o contributo das pessoas mais velhas.
Pois bem, o ano que começou com esta enunciação de valores, tão nobre pelos princípios como abrangente por respeitar todos os portugueses, apresta-se para terminar com a mais sórdida prática fiscal, soez retórica política e despudorada propaganda demagógica: à amplamente reconhecida iniquidade das normas contidas no Orçamento de Estado para 2013, juntam-se agora as insidiosas declarações do primeiro-ministro, no dia 16 de Dezembro, ofendendo com a maior indignidade todos os portugueses e, em especial, os aposentados, pensionistas e reformados cujas pensões superem o "fabuloso" rendimento mensal de 1.350 euros!
Dispenso-me de tecer comentários e desfiar argumentos já profusamente enunciados pelos mais credenciados especialistas e respeitados juristas, que demonstram à evidência a ilegalidade confiscadora e inconstitucional da “Contribuição Extraordinária de Solidariedade”. Relembro apenas, que o OE 2013 prevê que a sua aplicação respeite, única e exclusivamente, aos rendimentos provenientes de pensões pagas pela Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações e, pasme-se o despautério, também às pensões provenientes de fundos de pensões e de rendas vitalícias resultantes de património privado acumulado por via da poupança.
Centro-me exclusivamente na inconsciência social demonstrada pelo primeiro responsável (ao menos teoricamente) pelo governo do país, ao fazer, no discurso de encerramento do XXII congresso da Juventude Social-Democrata, as graves declarações que o jornal Público Online relata assim:
Passos diz que pensionistas ”estão a receber mais do que descontaram”
O primeiro-ministro defendeu este domingo que os reformados que recebem pensões mais elevadas devem ser chamados a contribuir mais que os restantes para o esforço colectivo porque estão a receber mais do que descontaram.
…
“Queixam-se de lhes estarmos a pedir um esforço muito grande e dizem que estão apenas a receber o que descontaram” ao longo da sua vida de trabalho”, afirmou o primeiro-ministro, para a seguir contrariar tal teoria. “Não é verdade. Descontaram para ter reformas, mas não aquelas reformas” que hoje recebem, vincou o chefe do Governo.
Estão, na verdade, realçou ainda, “a receber mais do que descontaram”. E as suas reformas são pagas por quem está hoje a trabalhar e que, quando chegar a sua vez de ser pensionista, terá reformas mais baixas do que os níveis de hoje. Os contribuintes de hoje terão reformas de acordo com a sua carreira contributiva."
Por isso, é “justo que aqueles que não descontaram na proporção que estão a receber e que têm pensões muito elevadas” sejam chamados a fazer um “contributo especial” numa altura de “dificuldades” como a actual….
Perante os “jotas” do PSD, o primeiro-ministro voltou a falar no assunto, argumentando com a necessidade de fazer uma redistribuição equitativa – dos recursos e dos sacrifícios.
“Por que é que 87% dos pensionistas não foram afectados” pelos cortes nas pensões, perguntou Pedro Passos Coelho. “Porque têm pensões inferiores a 600 euros, muitos deles fora do regime contributivo, quer dizer, nunca descontaram e têm que ser o Estado e os contribuintes de hoje a poder dar-lhes o mínimo para poderem viver com o mínimo de dignidade”, apontou o primeiro-ministro. Uma “responsabilidade intergeracional “ que é “indispensável na reforma do Estado. O que está em causa é gastar menos e gastar melhor”, acrescentou.
“Mas há 5% dos pensionistas, que são mais de metade do regime público, que recebem em média muito mais do que o dobro e na sua maioria não descontaram na proporção do que recebem hoje”, criticou o primeiro-ministro perguntando: “É isto justo? Querem encontrar na Constituição uma desculpa para perpetuar esta injustiça?”
Mais: “Onde estavam essas personalidades tão preocupadas com as suas pensões quando o sistema mostrou esta iniquidade e desigualdade que fere a sensibilidade social?” Passos Coelho defendeu depois a necessidade de um “Estado mais justo que redistribua melhor não a pobreza mas a riqueza que o país é capaz de criar”.
Leio, vejo na televisão e volto a ler e volto a ver… e custa-me acreditar. Custa-me acreditar que um primeiro-ministro de um país civilizado, que passa por uma grave crise financeira, económica, política e social, tenha o dislate e o despudor de afrontar gratuitamente a inteligência dos portugueses.
Custa-me acreditar que ao arrepio do mais elementar critério de bom senso e ao inalienável sentido de Estado que um primeiro-ministro não pode dispensar, Passos Coelho tenha resolvido deturpar realidades, escamotear factos, distorcer situações, omitir informação relevante, enfim, enviesar a verdade, para, incendiariamente, pôr portugueses contra portugueses. É indesculpável que, por mera inconsciência ou pensando que beneficiaria a política esquizofrénica deste (des)governo ultraneoliberal e da sua “amada troika”, tenha tentado pôr gerações mais novas contra gerações mais velhas, filhos contra pais, netos contra avós, menos favorecidos contra mais favorecidos… todos contra todos para mais facilmente destruir a classe média e cumprir o desígnio máximo de empobrecer Portuga!
Sabe senhor primeiro-ministro, eu, nós, os que vimos os nossos pais serem solidários com os nossos avós, os que beneficiámos da solidariedade possível dos nossos pais até termos recursos para ter casa própria, os que contribuímos para que os nossos pais tivessem pensões minimamente dignas, os que fomos obrigados a fazer uma guerra que não era a nossa, os que fizeram a primeira viagem de avião a caminho da guerra colonial, os que tivemos de trabalhar de dia e estudar à noite, os que pagámos integralmente as nossas contribuições para os sistemas públicos de reforma, os que tivemos a preocupação de proporcionarmos aos nossos filhos mais do que os nossos pais nos tinham podido dar, os que trabalhámos para o progresso de Portugal, os que apoiámos a implantação da democracia, os que poupámos o que podíamos para nos salvaguardarmos de imprevistos na velhice sem nos tornarmos um peso para os nossos descendentes, os que estamos dispostos a apoiar filhos ou netos que sejam apanhados nesta crise criada pelos interesses financeiros de magnatas sem escrúpulos, os que estamos a ser espoliados nas pensões que independentemente do que quer fazer crer não são superiores aos valores que descontámos… nós não lhe reconhecemos capacidade intelectual nem estatuto ético para nos dar lições de moral, e não lhe faremos a vontade de quebrar a solidariedade intergeracional.
Contrariamente ao que disse, a solidariedade não é “indispensável na reforma do Estado”, é sim” indispensável para a reforma do Estado”; do Estado Social que queremos, não do Estado Assistencial que nos quer impor, custe o que custar!
Rui Beja
A grosseira inconstitucionalidade da tributação sobre pensões
Palavras esclarecidas e desassombradas de Bagão Félix, no jornal Público de 18 de Novembro de 2012
Aprovado o OE 2013, Portugal arrisca-se a entrar no "Guinness Fiscal" por força de um muito provavelmente caso único no planeta: a partir de um certo valor (1350 euros mensais), os pensionistas vão passar a pagar mais impostos do que outro qualquer tipo de rendimento, incluindo o de um salário de igual montante! Um atropelo fiscal inconstitucional, pois que o imposto pessoal é progressivo em função dos rendimentos do agregado familiar [art.º 104.º da CRP], mas não em função da situação activa ou inactiva do sujeito passivo e uma grosseira violação do princípio da igualdade [art.º 13.º da CRP].
Por exemplo, um reformado com uma pensão mensal de 2200 euros pagará mais 1045 € de impostos do que se estivesse a trabalhar com igual salário (já agora, em termos comparativos com 2009, este pensionista viu aumentado em 90% o montante dos seus impostos e taxas!).
Tudo isto por causa de uma falaciosamente denominada "contribuição extraordinária de solidariedade" (CES), que começa em 3,5% e pode chegar aos 50%. Um tributo que incidirá exclusivamente sobre as pensões. Da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações. Públicas e privadas. Obrigatórias ou resultantes de poupanças voluntárias. De base contributiva ou não, tratando-se por igual as que resultam de muitos e longos descontos e as que, sem esse esforço contributivo, advêm de bónus ou remunerações indirectas e diferidas.
Nas pensões, o Governo resolveu que tudo o que mexe leva! Indiscriminadamente. Mesmo - como é o caso - que não esteja previsto no memorando da troika.
Esta obsessão pelos reformados assume, nalguns casos, situações grotescas, para não lhes chamar outra coisa. Por exemplo, há poucos anos, a Segurança Social disponibilizou a oferta dos chamados "certificados de reforma" que dão origem a pensões complementares públicas para quem livremente tenha optado por descontar mais 2% ou 4% do seu salário. Com a CES, o Governo decide fazer incidir mais impostos sobre esta poupança do que sobre outra qualquer opção de aforro que as pessoas pudessem fazer com o mesmo valor... Ou seja, o Estado incentiva a procura de um regime público de capitalização (sublinho, público) e logo a seguir dá-lhe o golpe mortal. Noutros casos, trata-se - não há outra maneira de o dizer - de um desvio de fundos através de uma lei: refiro-me às prestações que resultam de planos de pensões contributivos em que já estão actuarialmente assegurados os activos que caucionam as responsabilidades com os beneficiários. Neste caso, o que se está a tributar é um valor que já pertence ao beneficiário, embora este o esteja a receber diferidamente ao longo da sua vida restante. Ora, o que vai acontecer é o desplante legal de parte desses valores serem transferidos (desviados), através da dita CES, para a Caixa Geral de Aposentações ou para o Instituto de Gestão Financeira da S. Social! O curioso é que, nos planos de pensões com a opção pelo pagamento da totalidade do montante capitalizado em vez de uma renda ou pensão ao longo do tempo, quem resolveu confiar recebendo prudente e mensalmente o valor a que tem direito verá a sua escolha ser penalizada. Um castigo acrescido para quem poupa.
Haverá casos em que a soma de todos os tributos numa cascata sem decoro (IRS com novos escalões, sobretaxa de 3,5%, taxa adicional de solidariedade de 2,5% em IRS, contribuição extraordinária de solidariedade (CES), suspensão de 9/10 de um dos subsídios que começa gradualmente por ser aplicado a partir de 600 euros de pensão mensal!) poderá representar uma taxa marginal de impostos de cerca de 80%! Um cataclismo tributário que só atinge reformados e não rendimentos de trabalho, de capital ou de outra qualquer natureza! Sendo confiscatório, é também claramente inconstitucional. Aliás, a própria CES não é uma contribuição. É pura e simplesmente um imposto. Chamar-lhe contribuição é um ardil mentiroso. Uma contribuição ou taxa pressupõe uma contrapartida, tem uma natureza sinalagmática ou comutativa. Por isso, está ferida de uma outra inconstitucionalidade. É que o já citado art.º 104.º da CRP diz que o imposto sobre o rendimento pessoal é único.
Estranhamente, os partidos e as forças sindicais secundarizaram ou omitiram esta situação de flagrante iniquidade. Por um lado, porque acham que lhes fica mal defender reformados ou pensionistas desde que as suas pensões (ainda que contributivas) ultrapassem o limiar da pobreza. Por outro, porque tem a ver com pessoas que já não fazem greves, não agitam os media, não têm lobbies organizados.
Pela mesma lógica, quando se fala em redução da despesa pública há uma concentração da discussão sempre em torno da sustentabilidade do Estado social (como se tudo o resto fosse auto-sustentável...). Porque, afinal, os seus beneficiários são os velhos, os desempregados, os doentes, os pobres, os inválidos, os deficientes... os que não têm voz nem fazem grandiosas manifestações. E porque aqui não há embaraços ou condicionantes como há com parcerias público-privadas, escritórios de advogados, banqueiros, grupos de pressão, estivadores. É fácil ser corajoso com quem não se pode defender.
Foi lamentável que os deputados da maioria (na qual votei) tenham deixado passar normas fiscais deste jaez mais próprias de um socialismo fiscal absoluto e produto de obsessão fundamentalista, insensibilidade, descontextualização social e estrita visão de curto prazo do ministro das Finanças. E pena é que também o ministro da Segurança Social não tenha dito uma palavra sobre tudo isto, permitindo a consagração de uma medida que prejudica seriamente uma visão estratégica para o futuro da Segurança Social. Quem vai a partir de agora acreditar na bondade de regimes complementares ou da introdução do "plafonamento", depois de ter sido ferida de morte a confiança como sua base indissociável? Confiança que agora é violada grosseiramente por ditames fiscais aos ziguezagues sem consistência, alterando pelo abuso do poder as regras de jogo e defraudando irreversivelmente expectativas legitimamente construídas com esforço e renúncia ao consumo.
Depois da abortada tentativa de destruir o contributivismo com o aumento da TSU em 7%, eis nova tentativa de o fazer por via desta nova avalanche fiscal. E logo agora, num tempo em que o Governo diz querer "refundar" o Estado Social, certamente pensando (?) numa cultura previdencial de partilha de riscos que complemente a protecção pública. Não há rumo, tudo é medido pela única bitola de mais e mais impostos de um Estado insaciável.
Há ainda outro efeito colateral que não pode ser ignorado, antes deve ser prevenido: é que foram oferecidos poderosos argumentos para "legitimar" a evasão contributiva no financiamento das pensões. "Afinal, contribuir para quê?", dirão os mais afoitos e atentos.
Este é mais um resultado de uma política de receitas "custe o que custar" e não de uma política fiscal com pés e cabeça. Um abuso de poder sobre pessoas quase tratadas como párias e que, na sua larga maioria, já não têm qualquer possibilidade de reverter a situação. Uma vergonha imprópria de um Estado de Direito. Um grosseiro conjunto de inconstitucionalidades que pode e deve ser endereçado ao Tribunal Constitucional.
PS1: Com a antecipação em "cima da hora" da passagem da idade de aposentação dos 64 para os 65 anos na função pública já em 2013 (até agora prevista para 2014), o Governo evidencia uma enorme falta de respeito pela vida das pessoas. Basta imaginar alguém que completa 64 anos em Janeiro do próximo ano e que preparou a sua vida pessoal e familiar para se aposentar nessa altura. No dia 31 de Dezembro, o Estado, através do OE, vai dizer-lhe que, afinal, não pode aposentar-se. Ou melhor, em alguns casos até poderá fazê-lo, só que com penalização, que é, de facto, o que cinicamente se pretende com a alteração da lei. Uma esperteza que fica mal a um Governo que se quer dar ao respeito.
PS2: Noutro ponto, não posso deixar de relevar uma anedota fiscal para 2013: uma larga maioria das famílias da classe média tornadas fiscalmente ricas pelos novos escalões do IRS não poderá deduzir um cêntimo que seja de despesas com saúde (que não escolhem, evidentemente). Mas, por estimada consideração fiscal, poderão deduzir uns míseros euros pelo IVA relativo à saúde... dos seus automóveis pago às oficinas e à saúde... capilar nos cabeleireiros. É comovente...