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O Chico da Terrugem

Reflexões políticas com sabor a Alentejo - 3

Rui,                             

Na sexta-feira passada foi o aniversário do Mário Gomes, um antigo colega de emprego. Tu chegaste a conhecer o Mário Gomes no tempo, que já vai longo, em que íamos uma boa parte das férias de Verão para a Quinta da Balaia e passávamos as manhãs a esforçar-nos por melhorar o ranking do nosso ténis: era um casal simpático, com dois filhos, um rapaz e uma rapariga, que tinham tanto de magérrimos como de traquinas. Ficou-me na memória o dia em que um deles, sem darmos por isso, concentrados que estávamos no bem suado afã de colocar, com êxito, a bola no outro lado da rede, nos entrou pelo court dentro e acendeu as luzes; custou-nos bem cara a brincadeira pois tivemos que pagar o suplemento da iluminação.

O almoço, que juntou umas 16 pessoas, teve lugar num restaurante brasileiro na Rocha Conde d’Óbidos; é sempre bem simpático voltar-se a conviver, ainda que por breves horas, com pessoas de quem se gosta, que fizeram parte integrante do nosso dia-a-dia, e que estamos, às vezes, anos sem ver.

 

Após o almoço, tal como estava combinado, fui encontrar-me com o Chico no Museu Nacional da Arte Antiga, Piso 1, Sala 61, diante d’As Tentações de Santo Antão’ de Hieronymus Bosch.

- Este tríptico fascina-me. – começou o Chico mal me viu - Repara na extremamente bem cuidada organização do espaço cénico onde se expõem, qual banda desenhada de feição modernista, as várias estórias que relatam a vida do santo. Terei passado aqui mais do que uma hora, em êxtase, empregando como ferramenta tudo o que já li e estudei e meditei, esforçando-me por não deixar escapar o mínimo detalhe, por lograr decifrar o máximo da sua simbólica - o que, reconheço, é manifestamente irrealizável pois o tempo se encarregou de sepultar muitas das imprescindíveis chaves de acesso.

 

- Este é, Chico, o teu quadro preferido?

- Um dos top ten, sem dúvida. Na linha da frente ‘Os girassóis’ do Van Gogh, ‘A Ronda da Noite’ do Rembrandt, ‘As Meninas’ do luso-descendente Velasquez e, claro, os nossos Painéis. O Eça escreveu nas ‘Notas Contemporâneas’: ‘A Arte é tudo, tudo o resto é nada’. Alguém seria capaz de imaginar que, em meados do século XVII, numa Espanha absolutista, ao ser contratado para pintar a família real, um pintor tivesse a ousadia de relegar as figuras do rei e da rainha para o fundo do quadro, apenas visíveis porque refletidas por um espelho minúsculo, e decidisse colocar em primeiro plano um cão e um casal de anões?

 E já agora, que estamos a falar em Arte e em Pintura e em quadros, poderíamos também falar em dinheiro. Os portugueses, enquanto povo, não têm mesmo jeito nenhum para o negócio, não são capazes de aproveitar as oportunidades, as mais das vezes irrepetíveis, que se lhes deparam. Calma, calma, eu já te explico. Foi, ou não foi exaustivamente badalada a história da velhinha que, numa terreola qualquer perdida no meio de Espanha, pretendendo que estava a restaurar um ‘Ecce Homo’, borrou de tal forma a pintura que deu à luz um mamarracho? Muita polémica à volta do caso, ai meu Deus que desgraça, e agora? Só que, depois, imperou o bom senso: vamos tirar partido disto, tivemos publicidade à borla, é só aproveitar a boleia. Não esconderam o mamarracho, consentiram na sua exibição e passaram a cobrar 1 euro por cada visitante. Sabes quanto fizeram só nos primeiros quatro dias? Pois, meu amigo, 2.000 euros.

 

- O. K. Chico mas que tem isso a ver connosco?

- Já te explico. Vamos sair do Museu, está bem? Não é local apropriado para divagações. Proponho-te que andemos um pouco a pé, até ao Cais do Sodré, e que aí apanhemos o Metro. Continuemos a nossa conversa a andar, sejamos peripatéticos. Era assim que se chamava à escola de Aristóteles na Antiga Grécia, não era?

Voltemos à questão do fazer dinheiro. Quantos visitantes viste hoje, sexta-feira, no Museu? Uns 10, uns 15? Provavelmente nem tantos. Há pouco referi-te, como fazendo parte dos meus top ten, ‘Os Painéis’. Com certeza que sabes que os Painéis também têm um Ecce Homo: uma das figuras do Painel dos Pescadores tem, tal qual, o fácies do Dr. Salazar. Será que é assim desde que, no século XV, os Painéis foram pintados ou é aldrabice proveniente de restauros encomendados? Em 1932 Leitão de Barros, o cineasta, que era então diretor do Notícias Ilustrado, fez publicar que se tratava de uma premonição, de um milagre: no distante século XV já estava superiormente decidido que, no século XX, um novo Pescador, não de homens mas de finanças públicas, que saberia o que queria e para onde ia, estava destinado a salvar Portugal. A ser isto verdade não faz muito sentido que essa premonição estivesse tão somente circunscrita ao século XX; terá, forçosamente, que contemplar também o século XXI.

É por isso mesmo que, neste momento de profunda crise económica neste país, eu pergunto: quem é o novo Ecce Homo anunciado pelos Painéis? Onde está ele? Que figura o representa? Onde se esconde? Existe nos Painéis alguém parecido com o Dr. Passos? Ou com o Dr. Portas? Ou com o Dr. Seguro? Ou será com o Dr. Costa? Imagina só a série de colóquios internacionais que seria possível organizar envolvendo especialistas forenses de todo o mundo, técnicos de restauração, maquilhadores, eu sei lá, transmitidos em direto e em diferido pelas Eurovisões, pelas Mundovisões, mais programas do tipo ‘prós e contras’, mais um sistema de apostas mútuas tipo totobola, diz-me lá quantos milhões de turistas não rumariam a Portugal, que dinheiro não entraria nos cofres do Estado?

Só um receio, direi mesmo um grande receio, eu tenho e quero partilhá-lo contigo: é que a terra espanhola do Ecce Homo chama-se Borja e, nestas coisas do exotérico, existe sempre uma qualquer relação subjacente e eu temo bem que Borja em português queira significar Borges e que nos acabe por sair na rifa, como salvador, o Dr. António Borges.

 

- Engraçadinho o meu amigo Chico! A propósito do ’sei o que quero e para onde vou’ chegaste a ler o que o Rui escreveu no blog?

- Li-o, sim senhor. Li-o a primeira vez em silêncio, tal como um monge, no recolhimento da sua cela, recebe em êxtase, a transfusão do verbo divino. Formidável é que, à medida que prosseguimos na leitura, nos vamos sucessivamente apoderando de cada uma das três palavras-chave, de cada uma das três ideias-força, Estado Novo, Estado Social, Troika, e passamos a considerá-las nossas, porque é que não fui eu que escrevi isto? Pois é isto mesmo que deve ser dito, que deve ser exigido, aquilo por que se deve lutar e, ao último ponto final, embalados, entusiasmados, apetece-nos voltar ao parágrafo inicial, e reler, e reler.

À segunda vez li o texto em voz alta, fingindo que era um orador por sobre uma tribuna, suficientemente consciente da responsabilidade enorme que é transportar para a vida uma multidão apática e sem horizontes, metódica e cirurgicamente infetada com os vírus da Indiferença. E à medida que o ia lendo mais empolgado ia ficando até que, impercetivelmente, sem dar por isso, me transfigurei num Rouget de Lisle de teatro de bairro e, a mim, um velho pacifista militante, saiu-me o intemporal ultrafamoso ‘Aux Armes Citoyens!’ Diz, pois, ao teu amigo Rui que gostei, e muito, e que tenho pena de não ser capaz de me expressar, assim, com emoção; é a minha maneira de olhar para as coisas, como o tal marciano de que te falei uma vez.

 

- Mudando de tema, não me digas que também não achas que foi uma vitória para Portugal, tanto conseguir prorrogar o prazo da dívida como as taxas obtidas na ida aos mercados.

- Terás provavelmente razão; disporás, eventualmente, de informação de que eu não disponho. Sempre ouvi o Sr. Primeiro-Ministro afirmar que ‘nem mais tempo nem mais dinheiro’. Estaria a fazer bluff? Não o creio. Os Primeiros-Ministros não fazem bluff, pois arriscam-se a perder a credibilidade. Que se terá passado? Precisaram de fundos para satisfazer um qualquer compromisso não previsto e preferiram solicitar o adiamento do resgate a ter que ir contrair um novo empréstimo a uma taxa mais elevada? A existir, de que compromisso se tratará? Ignoro. Quanto à ida aos mercados, foram porque precisavam de dinheiro ou simplesmente para testar a reação dos mercados? Os mercados reagiram bem só porque confiaram no aval implícito do BCE. Se foram aos mercados porque precisavam mesmo de dinheiro será que a necessidade surgiu agora, ou já se sabia há algum tempo? E se não fossem aos mercados o que é que se passaria? Creio que, pura e simplesmente, tudo não passou de uma bem orquestrada operação de propaganda.

Tal qual este ultimato à CGD e à TAP no referente aos cortes nos salários. Porquê agora? O Governo já não teve todo o tempo para falar, para transmitir as suas decisões aos responsáveis de ambas as empresas? Claro que teve, claro que tudo já estava decidido. Mas ao Gabinete de Intoxicação convém inventar estes não-acontecimentos, estas pseudonotícias, para que as televisões as publicitem e iludir assim os Bem Amados Cidadãos Eleitores mostrando quão teso é o Governo, que até aqueles tipos da CGD e da TAP, que se julgam uns reizinhos, até esses não fazem farinha com o Governo. Mais propaganda. E ainda há uns tantos comentadores que se atrevem a afirmar que este Governo lida deficientemente com a Comunicação Social. Balelas, meu caro!

Já imaginaste o Sr. Primeiro-Ministro de manhã, a fazer a barba, que eu acho que os Srs. Primeiros-Ministros também fazem a barba, e olhar-se para o espelho e interrogar, apreensivo, a imagem refletida: Quanto tempo ainda poderá durar esta farsa? E, depois, que será de mim? Serei capaz de me safar como os outros?

 

- Mas há, pelo menos, uma decisão acertada, que mereceu a concordância de todos os quadrantes políticos: o adiamento da privatização da RTP.

- Ah! É verdade, a privatização da RTP. O pintor surrealista belga René Magritte, lá estou eu outra vez a falar de pintura, a ida ao Museu da Arte Antiga faz-me ficar assim, dizia-te eu que o Magritte pintou um cachimbo e, por baixo da pintura do cachimbo, escreveu ‘isto não é um cachimbo’. Imagina tu que ‘Privatização da RTP’ também é um objeto. E que um qualquer Magritte do nosso tempo pinta num quadro esse mesmo objeto, mas não lhe acrescenta a frase ‘isto não é a Privatização da RTP’. Quando tu tivesses ocasião de olhar para o tal quadro, numa galeria ou num museu, dirias, de ti para ti: olha a Privatização da RTP. Mas estavas enganado: o que tinhas na tua frente e estavas a contemplar era tão somente uma imagem, uma representação, não era a Privatização da RTP.

O Dr. Passos Coelho é Primeiro-Ministro de um Governo que é a cordilheira do Himalaia de problemas e de incompetências, mas as suas bem merecidas horas de sono só eram perturbadas pelo que se passava com dois dos seus Ministros: o Dr. Portas e o Dr. Relvas. O Dr. Portas porque, desde o princípio, não ficou lá muito satisfeito com o facto de lhe ter sido atribuído o número 3 na hierarquia do Governo e também porque se tem fartado de engolir cestos e cestos de sapos vivos, ou porque é literalmente ignorado ou porque é constantemente driblado. O Dr. Portas vinha suportando estoicamente todas as humilhações mas um dia qualquer poderia muito bem vir a dar um murro na mesa e gritar: ACABOU-SE! 

Quanto ao Dr. Relvas, por força das milhentas trapalhadas em que se envolveu ou em que o envolveram, era o chamado elo mais fraco do Governo, sendo o alvo diário de todo o tipo de chacotas, com assinatura permanente no rol dos remodeláveis a curto prazo. Mas o Dr. Relvas não pode ser remodelado porque o Dr. Relvas é o grilo do Dr. Passos Coelho e os grilos remodelados não servem para aconselhar Srs. Primeiros-Ministros. Muito legítima a preocupação do Dr. Passos Coelho. Que fazer? Decide, então, reunir de emergência com os dois Ministros-problema e com o Gabinete de Intoxicação e, muito frontalmente, exige-lhes remédio para as suas insónias. O remédio não tarda a aparecer: chamou-se Privatização da RTP. Privatização da RTP? Que disparate! – gritam em uníssono o sr. Primeiro-Ministro e ambos os srs. Ministros. Cai-nos todo o mundo em cima. Não, não, isso não pode ser.

Minutos depois, já calmos, é-lhes revelado o sinistro plano: Nunca ninguém pensou em privatizar a RTP, é só um faz-de-conta!  Todos concedem o necessário affidavit ao plano e é marcada a data de arranque, que se iniciará com o sr. Ministro Relvas, o mau da fita, a fazer ainda de mais mau. É dele que sairá o mote, primeiro sub-repticiamente, depois já com conferências de imprensa e percentagens do capital a alienar e timings e tudo. Como previsto, os ataques surgem de todo os lados; o Dr. Relvas, sereno, continua a debitar o seu guião. É então o momento do vizinho de um cunhado de um assessor do Dr. Portas vir a dizer que ouviu dizer que o Dr. Portas não concorda com a privatização da RTP; mais tarde é a irmã de um deputado do PP que afirma que o Dr. Portas ainda não bateu com as ditas (as ditas portas) porque não queria mergulhar o seu querido país numa grave crise política. Depois é o próprio Dr. Portas a dizer que é preciso refletir melhor sobre o significado do chamado serviço público de televisão, etc. e tal. O Dr. Relvas, esse, prossegue a sua saga, indiferente à poeira levantada pelos cavalos dos índios. O PSD, o Partido, faz de coro, mas surdo-mudo. O Dr. Portas começa a levantar a voz, a Comunicação Social, qual bando de necrófagos, agita-se, prepara-se para o lauto repasto. Mas todo o encenador prevê um fim para o seu show, as mais das vezes com happy ending.

E o final chega, enfim, e soltam-se foguetes de contentamento: não há privatização da RTP, o Mau é castigado, é humilhado, precisamente no último quadro da revista; o Bom foi ouvido e atendido, foram seguidos os seus conselhos. Após o cair do pano e o acender das luzes, começa a debandada dos pobres espetadores, condenados não se sabe até quando a serem comparsas passivos destas miserandas operas bufas, e podemos escutar os comentários finais: Pronto, já estou satisfeito. Eu não te dizia? O Relvas acabou por se lixar (Acabou por se lixar, uma porra! - comentário meu). E o Portas? Viste o Portas? Afinal o Portas não está lá só para fazer número. O Portas tem tomates (Não são tomates, são submarinos! – comentário meu). Posfácio da opereta: o bom povo está domesticado (Durante quanto tempo? – comentário meu). O sr. Primeiro-Ministro já pode deixar de ter insónias.

 

- Em que paragem queres sair?  

- Como apoteose deste nosso encontro proponho-te que nos apeemos no Rossio, que cumprimentemos o imperador Maximiliano do México travestido de D. Pedro IV, e que, exatamente em homenagem ao mesmo D. Pedro IV, nos dirijamos à velha Tendinha para saborearmos uma bifana grelhada e beber um copo de vinho verde. Sabes que a Tendinha foi fundada em 1840, quatro anos depois da Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV em 1826 ter sido abolida pela 2º vez e dois anos antes de ter entrado em vigor pela 3ª vez?

 

Com um forte abraço do

               Zé

                                                                                    Lisboa, 31 de janeiro de 2013.

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publicado às 23:48

 Bartoon - 24 de Janeiro de 2013

  

 

  Bartoon - 25 de Janeiro de 2013

 

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publicado às 14:11

NÃO, não quero um novo "ESTADO NOVO"

Porque a memória nem sempre é curta e porque não há "Estado Novo" sem nova ditadura

 

AVISO

A leitura deste texto não é aconselhável a quem suspire pelo regresso ao passado, nem a quem considere que se pode fazer política sem políticos, ou, dito de forma mais clara, quem não assuma que há um político em cada cidadão, ou quem não admita que no exercício da política há cidadãos honestos e desonestos como existem em qualquer outro tipo de actividade

 

Nasci em "Estado Novo" e nele vivi até aos 30 anos de idade. Casado e pai de 3 filhos que por cá ficaram, cumpria em Moçambique, como capitão miliciano, a "segunda dose" de 6 (3,5 + 2,5) anos de serviço militar obrigatório, quando numa cálida manhã de Abril recebi a notícia que tardava: já não vivia em "Estado Novo". Tinham então passado pouco menos de metade dos anos que agora tenho de vida, e... bastou!

Desde então, progressivamente e em especial após a adesão à então CEE, o poder político democraticamente instituído foi , em cooperação com a sociedade civil - com altos e baixos, sucessos e insucessos, acertos e desacertos; porque não há homens nem projectos infalíveis - tirando o meu país da repressão policial, da persecução censória, do analfabetismo e da miséria. Com nova mentalidade, abertura ao mundo, mais educação e cultura, melhor saúde, e a evolução do assistencialismo para a responsabilidade socialmente assumida, passei a viver em "Estado Social".

 

Por isso me causa calafrios este "jogo do empurra" entre "os três mosqueteiros ultraneoliberais" - na realidade quatro como reza a estória de Alexandre Dumas -  que, dizendo para em seguida se desdizerem, ateando o fogo para depois surgirem como heróicos bombeiros, mentindo para mais à frente fazerem tábua raza do que afirmaram, fingindo-se dialogantes para mais facilmente imporem a sua farça, estão pura e simplesmente a compor o puzzle - a coberto de uma bem explorada fragilidade da dívida soberana e no interesse do capitalismo financeiro - para criar sólidas raízes do que chamam a "adequação do Estado às nossa possibilidades financeiras": um "Estado Novo".

 

Não, não quero viver de novo em "Estado Novo"! Não tenhamos a memória curta. O "Estado Novo" em que nasci era dezoito anos mais velho do que eu. Nasceu em Maio de 1926, fruto de um golpe militar ditatorial, e logo em Junho chamou para a pasta das Finanças alguém que fizesse "a adequação do Estado às nossas possibilidades financeiras": António de Oliveira Salazar. Só que, passados treze dias, o ministro entendeu que não lhe estavam a dar as "condições necessárias" para cumprir o objectivo, pelo que não quiz saber de "crises", bateu com a porta e... adeus até ao meu regresso.

Voltou dois anos depois, em Abril de 1928, com plenos poderes para controlo sobre as receitas e despesas de todos os ministérios e afirmando na tomada de posse: "sei muito bem o que quero e para onde vou". Passado um ano o milagre financeiro estava conseguido, as contas públicas apresentavam saldo positivo à custa de rigor e austeridade levados aos limites com uma enorme mão de ferro. Salazar sabia o que queria e para onde ia. Os portugueses arcaram 48 anos com as consequências ditatoriais do seu querer e sofrem ainda hoje os efeitos da pobreza e do obscurantismo em que foram feitos viver.

 

A irreversibilidade que "os três mosqueteiros ultraneoliberais" colocaram de novo na ordem do dia, para que seja feita "a adequação do Estado às nossas possibilidades financeiras", constitui um mais do que evidente sinal de alarme. Não chegam os efeitos económica e socialmente devastadores da austeridade resultante das medidas contempladas no memorando assinado com "FMI+BCE+UE", e da sua aplicação de forma violenta, cega, e para além  do compromisso assumido; agora temos o famigerado "relatório" encomendado aos tecnocratas do "amigo FMI" para justificar (mal e com erros grosseiros) o "corte" de quatro mil milhões de euros no OE e assim dar a estocada final no "Estado Social". Porque temos de "refundar" seja lá o que fôr, para...  criar um "Estado Novo".

Mas atenção, a coisa é feita com requinte, vem acompanhada de um doce para apanhar os crédulos e os incautos: regressámos ao financiamento nos "mercados" mais cedo do que o previsto, já somos de novo um país "credível" mesmo não cumprindo as metas do deficit, tendo um nível de desemprego socialmente insuportável, um declínio económico dificilmente recuperável, uma dívida record de 120% do PIB, e a coesão nacional cada vez mais fragilizada. Uau!!!

 

Dito isto e com o saber de experiência feito, nosso e de tantos outros países que caíram nas mãos de uma qualquer "troika", há que tomar consciência que as ditaduras financeiras precedem regimes ditatoriais porque de outra forma não conseguem impor e manter o empobrecimento das classes médias e o completo sufoco dos mais desfavorecidos. Sucede que no mundo agora globalizado, o polvo que comanda este ataque à soberania dos Estados e à liberdade dos povos, não tem rosto, não habita em local certo e, não tendo nome, usa chamar-se "mercados". Actuam como negociantes de droga, têm ao seu serviço "grandes intermediários" e "pequenos passadores", e depois de criado o apetite e a facilidade no consumo agem como "gang financeiro".

 

Fazer uma verdadeira reforma do Estado sem prejuízo do respeito pela democracia e pelo "Estado Social", juntar esforços a nível internacional - e na União Europeia em particular - para asssumir o poder sobre os "mercados", é responsabilidade que compete e trabalho que se exige a políticos competentes e honestos; que os há, como em qualquer outro tipo de actividade, mas que têm de se assumir com energia e que actuar com transparência e credibilidade.

Não há tempo a perder. Não nos iludamos com o aparente alívio da pressão dos "mercados". Se nada for feito, a aplicação da "receita" prescrita no "Relatório (?) FMI" empobrecerá o país ainda mais e, brevemente, as "aves de rapina" voltarão a atacar, num círculo vicioso que não augura nada de bom.

Rui Beja

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José Cardoso Pires escreveu, em adenda de Outubro de 1979 ao seu «Dinossauro Excelentíssimo»: "Mas há desmemória e mentira a larvar por entre nós e forças interessadas em desdizer a terrível experiência do passado, transformando-a numa calúnia ou em algo já obscuro e improvável. É por isso e só por isso que retomei o Dinossauro Excelentíssimo e o registo como uma descrição incómoda de qualquer coisa que oxalá se nos vá tornando cada vez mais fabular e delirante." Desafortunadamente, a premunição e os receios de José Cardoso Pires confirmam-se a cada dia que passa. Tendo como génese os valores do socialismo democrático e da social democracia europeia, este Blog tem como objectivo, sem pretensão de ser exaustivo, alertar, com o desejável rigor ético, para teorias e práticas que visem conduzir ao indesejável retrocesso civilizacional da sociedade portuguesa.

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