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Manuela Ferreira Leite acusa Governo de dramatização e teatralização
Luciano Alvarez resume os aspectos essenciais da posição manifestada na TVI pela ex-líder do PSD,
no Público Online de 11 de Abril de 2013
Confesso que não sou um admirador do estilo e da postura de Manuela Ferreira Leite. Não apreciei o seu trabalho enquanto ministra da Educação, nem como ministra das Finanças. Entendo que pela forma colérica como atacou o anterior Governo e contribuíu para a sua queda, sendo conhecedora de que o pensamento ultraneoliberal e a falta de nível político do actual primeiro-ministro não constituíam uma alternativa credível, também tem culpas na grave situação de crise política e social que vivemos. Consequentemente, as posições que agora toma sobre o Governo em funções representam, de alguma forma, um mea culpa, e ganham um valor acrescido:
Manuel Ferreira Leite acusou nesta quarta-feira à noite o Governo de estar a dramatizar e a teatralizar sobre a decisão do Tribunal Constitucional (TC) que não vai levar a lugar nenhum, considerando mesmo que os cortes anunciados pelo Executivo “não vão ser cumpridos, nem são exequíveis”.
Na estreia de um espaço semanal de opinião na TVI24, a antiga presidente do PSD confessou que pensou que “tinha saído a sorte grande ao Governo” com a decisão do TC de considerar inconstitucionais algumas das medidas do Orçamento do Estado para 2013, uma vez que era uma oportunidade para mudar de políticas “sem ninguém perder a face”. Mas reconheceu que se enganou porque o Governo insiste na política de austeridade.
“Fiquei perplexa por não verem isto [decisão do TC] como uma oportunidade, mas como uma contrariedade. (…) Vão insistir na austeridade. (…) Não estamos a chegar a ponto nenhum”, afirmou a antiga ministra da Finanças.
Manuela Ferreira Leite diz que o país está a entrar “numa fase de privação, abaixo da pobreza, em que as pessoas já não se conseguem alimentar” e lamenta que o Governo faça uma dramatização “que não vai levar a lugar nenhum”.
“O país está a ser destruído”, afirmou, considerando que o despacho do ministro da Finanças que “congela” os gastos do Estado faz parte da “dramatização e teatralização”. “É um despacho totalmente ineficaz”, acrescentou.
A social-democrata lamentou ainda que se esteja a passar a ideia de que vai ser necessário um segundo resgaste depois da decisão do TC, afirmando que se ele é necessário já não é de agora. Lamenta ainda que o Governo esteja a assustar os portugueses com as afirmações que tem feito nos últimos dias.
Ferreira Leite insistiu na ideia de que “não se consegue refazer um país a partir das cinzas” e, afirmando-se como uma social-democrata, diz que é uma crítica deste Governo porque é uma “defensora dos valores do PSD”. “O Partido Social Democrata sempre colocou em primeiro lugar o primado da pessoa.”
Rui Beja
Manuela Ferreira Leite e Mota Amaral
Destacados militantes do partido que lidera o Governo opinam, no Expresso de 2 de Março de 2013
Contra argumentos não há factos
Manuela Ferreira Leite
Há precisamente um ano, em 3 de março de 2012, nesta mesma coluna, escrevi um texto que, na sua essência, hoje poderia reproduzir porque as alterações a introduzir para o tornar atual seriam de tom e não de conteúdo.
Há um ano, referia-me à "terceira" avaliação da troika, que hoje teria de ser corrigida para "sétima", mas as preocupações e as dúvidas quanto às consequências das políticas seguidas ganharam uma dimensão dramática.
Há uma ano, achei que a posição de responsáveis da troika, nomeadamente do FMI, lançava alguma esperança sobre o futuro porque parecia ter "muito maior consistência a ideia de que sem crescimento económico não seria possível alcançar a necesssária consolidação orçamental, num espaço de tempo como o que normalmente é exigido aos países endividados".
Passou um ano e nada de substancial se alterou na política que nos foi imposta e, por isso, a esperança, hoje, transformou-se em necessidade.
Há um ano, lastimava que "infelizmente parece serem os números do desemprego que estão a fazer despertar os responsáveis europeus para encarar com urgência a questão do crescimento".
Hoje, os números impensáveis que esse drama atingiu, não só em Portugal em outros países do Sul da Europa, batem com toda a força à porta dos decisores que parece terem finalmente despertado para o desastre das terapias prescritas pelas troikas nos diversos países em que intervieram.
Há um ano, esperava-se muito da "redução estrutural da despesa resultante da renegocição de contratos com margens de lucro previamente asseguradas, bem com as relacionadas com as energias renováveis". Além disso, considerava-se inadiável "avaliar a possibilidade e o caminho da renegociação das parcerias público-privadas".
Ninguém duvidava da complexidade destes dossiês e todos pressentiam que a redução da despesa com origem nestas alterações teria efeitos recessivos na economia muitíssimo menores do que os provocados pela redução dos salários e pensões.
Hoje, pouco se fala do assunto, mas ele mantém-se atual.
Há um ano, o título que dei ao texto - "Correção da estratégia?" - traduzia a esperança de que a troika poderia alterar a política que tinha desenvolvido para o país.
Sabe-se que nada disto ocorreu e, nessa medida, hoje, pode ser feita a mesma pergunta com redobrada premência quando está em curso a sétima avaliação.
Sempre defendi que o acerto ou desacerto de uma política se mede e avalia pelos resultados alcançados e não pela fama das teorias económicas, quaisquer que elas sejam, que alicerçam as medidas adotadas e desprezam as consequências que delas resultam.
Há um ano, esta última posição fazia o seu caminho, numa cegueira e teimosia cujas consequências hoje são indesfarçáveis.
Foi a época do princípio "contra argumentos não há factos".
Hoje os resultados económicos e o das eleições em Itália não deixam dúvidas sobre a perceção que os cidadãos têm das políticas que lhes têm imposto.
Esperemos ter entrado na fase de "contra factos não há argumentos".
Mudança de rumo
João Bosco Mota Amaral
A anunciada inflexão da política do Governo, encoberta com as habituais juras de que tudo se mantém igual, é motivo de moderada esperança para a comunidade nacional. Foi, por fim, oficialmente reconhecida a necessidade de mais tempo e mais dinheiro para superar a crise em que Portugal tem vindo a afundar-se. E mesmo assim não vai ser fácil sair dela, tanto se agravaram situações como o desemprego e a própria dívida pública, atingindo já números assustadores.
Sempre me pareceu imprudente decretar, num quadro recessivo prolongado, a incapacidade do Estado para manter os serviços públicos essenciais, com destaque para a saúde e a educação, mas incluindo a segurança social e até a defesa e a segurança pública. Com a economia sufocando e o desemprego a disparar, as receitas do Estado tombam. Se se conseguir impulsionar o crescimento haverá mais gente a trabalhar e a pagar impostos, mais consumo e investimento e a receita pública aumentará, melhorando as condições de sustentabilidade das despesas sociais e outras. Se porventura no imediato é preciso fazer sacrifícios - e eles estão a ser feitos, com heróica tenacidade pelo povo português mais avisado é remeter para dias melhores as modificações da estrutura da despesa pública e das próprias funções do Estado.
Portugal enfrenta um sério problema de competitividade da economia nacional. Mas a única via de solução não é decerto baixar os salários, como se está fazendo, porque haverá sempre países onde são inferiores. Na Finlândia, que é apenas o terceiro país mais competitivo do mundo, o salário nínimo é cinco vezes superior ao nosso; mas o que aqui não anda e amarra a iniciativa privada e inferniza a vida dos cidadãos, lá funciona.
Sendo o nosso país um dos membros fundadores da zona euro, os nossos problemas revestem uma óbvia dimensão europeia. Requer-se por isso um discurso político renovado com os nossos parceiros, que ponha em evidência os problemas aqui sentidos e propugne pelas respostas solidárias que reclamam. Aliás, não faltam, infelizmente, situações parecidas com as nossas, algumas ainda disfarçadas, de modo que se afigura viável gerir em conjunto o esforço de inflexão da política europeia de austeridade. Se nos limitarmos a repetir que não precisamos de mais ajuda, ninguém obviamentente irá tomar a iniciativa de nos ajudar. Arvorar suficiência permite ficar bem na fotografia; mas a realidade subjacente é que não se recomenda e está a desalinhar das previsões governamentais.
O momento é difícil e exige, dos responsáveis do Estado, cabeça fria e decisões prudentes. Nas hodiernas democracias participativas e de opinião, fortemente mediatizadas, a legitimidade eleitoral dos governos está constantemente desafiada a confrontar-se com a eficácia das políticas adotadas e a satisfação e confiança dos cidadãos. Não se deve, por isso, desvalorizar os sinais de rejeição e desrespeito que por aí vão lavrando como fogo em pradaia. Fortalecer a honra e a credibilidade das instituições democráticas - é preciso!
Desafortunadamente, não parece crível que estas palavras avisadas sejam tomadas em conta por quem está a (des)governar o país e, muito menos, por uma troika que se limita a obedecer cegamente aos interesses da Alemanha, de mais uns quantos "falcões" do Norte da Europa e, clarissimamente, do apátrida e ganancioso capitalismo financeiro.
O debate quinzenal hoje ocorrido na Assembleia da República evidenciou que os sinais de inflexão não terão consumação prática adequada e suficiente. As notícias vindas da troika prenunciam "mais do mesmo" em termos de austeridade, e um "pequenito doce" nos prazos de ajustamento do déficit e de pagamento da dívida que em nada resolverão o "amargo de boca" que nos vai alastrando.
Para "ajudar à festa", ficámos também hoje a saber que o Presidente da República, depois de semanas de silêncio, nada tem a acrescentar ao que disse em Janeiro sobre o mau caminho que estamos a tomar; a não ser que trabalha 10 horas por dia de segunda a sexta e às vezes também trabalha ao fim-de-semana.
Tudo razões para perspectivarmos com muita apreensão as cenas dos próximos capítulos.
Rui Beja