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Um mau passo

Vítor Bento arrasa ataque aos reformados, no Diário Económido de 12 de Dezembro de 2012

 

O economista e Conselheiro de Estado Vítor Bento, próximo da área do PSD, critica duramente a medida prevista no OE 2013, de exigir aos reformados, e só aos reformados, o pagamento de uma “Contribuição Extraordinária de Solidariedade”. Refere que, em termos marginais, esta contribuição pode ir até aos 50%, para além do corte de 90% de um subsídio e dos impostos a que as pensões já estão sujeitas, nomeadamente o IRS progressivo, o que viola vários princípios da justiça distributiva. Afirma ainda que a norma pode ser vista como um confisco de património privado, ao estar previsto que seja extensível às pensões oriundas de fundos de pensões e às rendas vitalícias:

 

“Uma das histórias contadas na minha infância – creio que integrava um dos livros de leitura – falava de uma terra onde os filhos costumavam levar os pais velhos, que já não podiam trabalhar, para o cimo de um monte, onde ficavam sozinhos, à espera do fim.

 

Certa vez, quando um dos filhos dessa terra cumpria o ritual, colocando o velho pai no tal monte e deixando-lhe uma manta para se abrigar do frio enquanto sobrevivesse, o ancião perguntou-lhe se não teria por acaso uma faca consigo.

 

Ao que o filho respondeu: "Tenho, sim senhor. Para que a quer?". "Para que cortes esta manta ao meio e guardes metade para ti, para quando o teu filho te trouxer para este lugar!".

 

Como estas histórias eram destinadas a retirar uma consequência moralizadora, o rapaz percebeu o alcance do pedido, levou o pai de volta para casa e com isso se acabou o terrível costume.

 

Lembrei-me da história a propósito do artigo 76º do OE 2013 (versão da proposta) e, muito em particular, em particular do seu número 2. Este preceito exige dos reformados - e só deles! - o pagamento de uma "contribuição extraordinária de solidariedade", que, em termos marginais, pode ir até aos 50%, para além do corte de 90% de um subsidio e dos impostos a que as pensões já estão sujeitas - nomeadamente o IRS, progressivo. Isto provoca, em muitos casos, uma drástica redução de rendimento para quem, tendo planeado a fase final do seu ciclo de vida com base numa promessa do contrato social, nuns casos, ou de puros contratos, noutros casos, já não dispõe de condições nem de tempo para reajustar o seu plano de vida à violenta quebra dessa promessa e ao consequente desmoronamento da fase final desse seu plano.

 

Por isso - e a não ser que me esteja a escapar qualquer coisa que torne este meu raciocínio num grave erro - me parece que aquela norma viola tantos princípios da justiça distributiva - da justiça intergeracional, à equidade, à igualdade, à proporcionalidade,…-, que não vejo como tal manta possa escapar à faca da vigilância constitucional. E, se não escapar, será um risco desnecessário para a execução orçamental.

 

E não é apenas a justiça distributiva que está em jogo. É que, ao estender-se às pensões oriundas de fundos de pensões e às rendas vitalícias - que não constituem uma redistribuição contemporânea de rendimento, como é o caso das pensões da Segurança Social ou da Caixa Geral de Aposentações, mas são a distribuição de património já acumulado e que, por direito, pertence aos beneficiários dessas pensões -, a norma pode ainda ser vista como um verdadeiro confisco de património privado.

 

É pena que tal zelo nunca tenha sido aplicado às rendas no sector não transaccionável. Não só por questões suscitáveis em sede de equidade na distribuição dos imperativos de solidariedade, mas porque aquelas constituem um factor de erosão da competitividade do sector transaccionável, de que depende a recuperação e a sustentabilidade do crescimento da economia.

 

Enfim, tal como uma andorinha não faz a primavera, uma medida injusta não contamina todo um programa, nem define, só por si, a justiça global desse programa. Embora possa contribuir, desnecessariamente, para a erosão do consenso social e político de que depende o seu sucesso. Preserve-se, pois, o essencial - em que é preciso perseverar, com paciência e estoicismo -, porque ele é indispensável.

Vitor Bento, Economista 

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publicado às 00:59

"Eles", sempre... "Eles"!

Incursão pela crítica fácil e a recusa de responsabilidade no que ao "Nós" cabe assumir

 

Todos os povos têm as suas idiossincrasias. Positivas ou negativas, boas ou más, mas têm. Não há razão para que os portugueses fujam à regra e também não há regra que permita definir quais as boas e as más heranças genéticas que nos caracterizam em particular. Mas uma há que, podendo não ser exclusiva nossa, nos encaixa com perfeição; por tudo e por nada, a propósito e a despropósito, com e sem razão, e apesar de por norma sabermos ser solidários para com os menos favorecidos, para nós há sempre um responsável – “Eles”.

 

“Eles” podem ser os familiares, os amigos, os adversários, os patrões, os colegas, os profissionais de uma qualquer área e, claro, os políticos, sejam os “do tempo da outra senhora“ ou “os do tempo da democracia”, trate-se de um qualquer partido ou do seu mais directo opositor.

 

“Eles” são sempre os responsáveis por aquilo que não corre a nosso gosto, ainda que a razão não nos caiba. “Eles” são os responsáveis por tudo e, se vier ao caso, também por coisa nenhuma. “Nós” somos os bons samaritanos e, obviamente, as vítimas de tudo quanto não vem ao nosso jeito; e que ninguém diga que temos qualquer responsabilidade pelo que nos tenha acontecido, ou esteja a acontecer, e menos ainda qualquer obrigação cívica e moral de ter feito para que acontecesse como achamos que teria sido justo e correcto.

 

Mesmo que no nosso íntimo haja uma voz que nos incomode, lembrando-nos que há culpas que nos cabem e responsabilidades que temos de assumir, logo o “Eu” se sobrepõe como um poço de virtudes e da boca nos sai a palavra mágica – “Eles”. E, no entanto, lá no fundo, sabemos bem que cada vez que tudo empurramos para “Eles”, estamos a passar uma esponja pelo que não fizemos no passado, a escusarmo-nos de fazer o que nos compete no presente e a nem sequer pensar no que nos cabe contribuir para que o futuro, nosso e das gerações vindouras, aconteça melhor.

 

Haverá quem a tudo isto chame, simplesmente, egoísmo. Arrisco-me a dizer que, no nosso caso, se trata acima de tudo de uma limitação atávica que nos condiciona, fruto dos muitos séculos de obscurantismo que, salvo raras e curtas abertas de luz e esperança, nos foram impostos desde que a Inquisição foi instaurada em Portugal nos primórdios do século XVI.

 

Nos dias de hoje, nos tempos difíceis que vivemos, se queremos salvaguardar a democracia instaurada com o 25 de Abril, e se desejamos que se altere o actual estado de crise – financeira, económica, política e anímica – temos de deixar de nos desculpar com “Eles” e temos de dar, cada um de “Nós”, tudo quanto temos ao nosso alcance para virar o presente do avesso e ganhar o direito a um dia-a-dia digno e a um futuro bem mais promissor do que aquele que acontecerá se nos resignarmos a “Eles”.

 

Não é fácil, mas não é impossível. Façamos nós, por “Nós”, porque “Eles” nunca o farão!

Rui Beja

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publicado às 10:05


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José Cardoso Pires escreveu, em adenda de Outubro de 1979 ao seu «Dinossauro Excelentíssimo»: "Mas há desmemória e mentira a larvar por entre nós e forças interessadas em desdizer a terrível experiência do passado, transformando-a numa calúnia ou em algo já obscuro e improvável. É por isso e só por isso que retomei o Dinossauro Excelentíssimo e o registo como uma descrição incómoda de qualquer coisa que oxalá se nos vá tornando cada vez mais fabular e delirante." Desafortunadamente, a premunição e os receios de José Cardoso Pires confirmam-se a cada dia que passa. Tendo como génese os valores do socialismo democrático e da social democracia europeia, este Blog tem como objectivo, sem pretensão de ser exaustivo, alertar, com o desejável rigor ético, para teorias e práticas que visem conduzir ao indesejável retrocesso civilizacional da sociedade portuguesa.

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