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Ignorância e hipocrisia no confisco aos reformados

 Carta Aberta (para amigos aposentados, pensionistas e reformados)

 

Iliteracia: incapacidade para perceber ou interpretar o que é lido

Ética: conjunto de regras de conduta

Ignorância: falta de ciência ou de saber

Hipocrisia: fingimento de bondade de ideias ou de opiniões apreciáveis

Confisco: apreensão de algo que contraria leis, regulamentos ou senso comum

 

Diz a voz popular que «estudante é um burro carregado de livros». Tomado habitualmente como uma graça que se diz afectuosamente a crianças em idade escolar, este aforismo tem, no entanto, um sentido profundo. De facto, um estudante que não vá mais longe do que carregar livros, «empinar» o que neles está contido e disso fazer citações grandiloquentes, não aprendeu a saber e, muito menos, a saber fazer. Pode ser «doutor», mas não tem cultura, ou seja, não entende o mundo onde vive e apenas lhe resta o vazio mental quando o que leu nos livros não adere à realidade. Pode autoproclamar-se dono da verdade e do rigor, mas desconhece o que seja o respeito pelo próximo, a solidariedade intergeracional, o rigor ético. Por outro lado, há muita e muita gente que teve de deixar a escola bem cedo mas que pela sua inteligência inata, a sua intuição, o seu esforço e o seu espírito humanista, soube aprender, sabe fazer e sabe ser socialmente responsável. Estes, são aqueles de quem o país precisa e dos quais recebe dádiva sem nada ter contribuído para a sua formação técnica e moral. Os outros, os que tudo receberam e nada entendem, nem sequer compreendem que a melhor dádiva que podem dar aos portugueses é deixarem o governo do país para outros com adequadas capacidades.

Vem isto a propósito da forma como o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, se tem comportado relativamente à proposta de lei do OE-2013. Incapaz de perceber o que leu nos livros sobre economia e de interpretar o efeito desastrosamente perverso da política de austeridade que em 2012 aplicou aos portugueses, resolveu, sem o mínimo respeito por regras de conduta transparente e consistente, e demonstrando uma aflitiva falta de ciência ou de saber, propor para 2013 uma dose mais forte do mesmo remédio. Quanto a iliteracia, ética e ignorância, estamos portanto conversados.

Mas ele há também a hipocrisia e o confisco. Recorrendo às notícias que vão sendo difundidas, em especial ao artigo [em anexo] publicado em 20 de Outubro de 2012 no Expresso - Economia sob o título Funcionários e pensionistas pagam 1/5 da austeridade, assinado por João Silvestre e Sónia M. Lourenço, e atentando no que a malfadada proposta de lei do OE-2013 diz especificamente sobre a «austeridade aplicada aos reformados e pensionista», tenho de fazer um enorme esforço para não ultrapassar os limites da contenção verbal civilizada, quando equaciono as seguintes questões:

 

Ao tentar iludir o Tribunal Constitucional e distrair os visados, dizendo que a proposta é agora equitativa, Vítor Gaspar incorre numa fraude moral, numa brincadeira de mau gosto, ou numa tentativa de se «escapar pela porta pequena» dizendo que as «forças de bloqueio» são responsáveis pela sua irresponsabilidade?

 

Quando diz que pretende «devolver» (será que sabe distinguir entre devolver e repor) 10% do Subsídio de Férias, está a ensaiar uma brincadeira de mau gosto, ou quer ofender os reformados e pensionistas?

 

Quando se propõe introduzir uma «contribuição extraordinária» que varia entre 3,5% e 10% para pensões mensais entre €1350 e €3750, valor acima do qual se aplica uma taxa fixa de 10%, tem consciência que está a tirar com uma mão o que repõe com a outra, ou acredita que os pensionistas e os juízes do Tribunal Constitucional são todos mentecaptos e não entendem a trapaça?

 

Quando quer instituir que todas as pensões vitalícias dos reformados, incluindo as que resultam de poupança privada (como seguros de vida, planos de poupança reforma e fundos e pensões das empresas) recebidas por cada titular, sejam somadas às reformas e pensões para efeitos de aplicação da «contribuição extraordinária», terá consciência de que o que pretende é equivalente a decretar que o Estado pode dedicar-se a extorquir ilegalmente qualquer outro tipo de poupanças, como por exemplo depósitos bancários que um reformado tenha acumulado para ocorrer a imprevistos de fim de vida?

 

Tudo isto é mau de mais para ser verdade. Apenas me resta recomendar que, quem tem poder para tal, siga, enquanto não é irremediavelmente tarde de mais, a atitude decorrente de um destes dois aforismos de origem germânica (sim, alemães): «é preferível um fim com horror do que um horror sem fim» e «nada se come tão quente como se cozinha».

Rui Beja

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publicado às 10:37


11 comentários

De Gil Montalverne a 11.11.2012 às 23:32

Amigo Rui Beja felicito a sua força por conseguir juntar mais este espaço que agora aparece na Net aos restantes que já tem e alimenta, para além de todo o seu trabalho sempre orientado pela defesa da cultura, dos livros e dos valores que o tempo presente tenta destruir. Vozes como a sua são cada vez mais necessárias. A situação que estamos a viver é simplesmente vergonhosa e uma afronta às conquistas que tinhamos obtido e que todos nos diziam defender. Mas, como se nota, diziam mas mentiram. Mentiram-nos e continuam a fazê-lo. É preciso reagir e é isso que o meu amigo aqui está a fazer. Também tenho tentado mas não tendo a sua força e juventude, ainda não colocara num dos meus blogs (http://portudo-e-pornada.blogspot.com) uma referência ao sujeito aqui visado. Mas acabei de o fazer com a sua ajuda. O Sr. Vitor numa das suas “obras parlamentares” na Assembleia, disse a certa altura que (e recordo) “estou a retribuir ao país aquilo que o país pagou pela minha educação. O país gastou muito dinheiro durante décadas na minha educação”. Apetecia-me dizer, como certamente todos os portugueses, que se tratou de um erro grave que o país fez. Dinheiro muito mal gasto para assim estarmos dependentes das asneiras que ele faz. Melhor seria tê-lo deixado pelo caminho, sem atingir o doutoramento. O que também talvez não ocasionásse grande diferença pois outro lá está que nem precisou de frequentar as cadeiras do curso que obteve e até chegou a tirar algumas que não existiam. De facto como muito bem diz o amigo Rui Beja, ele é “Incapaz de perceber o que leu nos livros sobre economia”. Não percebeu nesses, nem em nenhum dos outros que eventualmente lhe tenham passado pelas mãos. E estou plenamente de acordo consigo: “ é preferível um fim com horror do que um horror sem fim”. Temos de reagir com força a este ataque que os nossos governantes estão fazendo à nossa vida e à dos nossos filhos e netos, a todos os que vão sofrer os desvarios destes lacaios da Sra. Merkl e do grande capital. Há muitas formas de luta. Só é necessário que nos unamos. E teremos essa força. Bem haja Rui Beja com aquela que aqui nos transmite.
Gil Montalverne

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