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Revisitar 2/5/1963... 50 anos depois!

Exemplo dos inomináveis constrangimentos que a minha geração teve de enfrentar. Memória viva do período longamente obscuro do "Estado Novo" da nossa história.

 

A história faz-se a partir de grandes acontecimentos. Mas estes não são mais do que o puzzle que resulta de muitos "pequenos nadas" que, em dado momento, viram o curso da própria história; para o bem ou para o mal. Quantas vezes estarão os principais protagonistas bem longe de adivinhar o efeito dos seus actos ou a gradiloquência das suas alocuções, e quantas outras o farão conscientes dos objectivos que pretendem alcançar?

 

Passados quase 90 anos sobre o golpe militar que, invocando a crise político-financeira que então se vivia, instituiu em 28 de Maio de 1926 a ditadura que duraria até 25 de Abril de 1974, sabe-se o que queria Salazar quando, por exemplo: i) - se demitiu 13 dias depois de ter sido empossado como ministro das Finanças em Junho de 1926, por considerar que não lhe davam as condições necessárias para o exercício do cargo; ii) - aceitou posteriormente retomar a pasta das Finanças, depois de lhe ser satisfeita a exigência de ter o poder de controlo sobre as despesas e as receitas de todos os ministérios; iii) - determinou a linha ditatorial em que iria perpetuar-se no poder ao afirmar «sei muito bem o que quero e para onde vou, mas não se me exija que chegue ao fim em poucos meses» (discurso de tomada de posse como ministro das Finanças em 27/4/1928); iV) - definiu o obscurantismo e promoção da imagem cultural e ideológica do Estado Novo subordinando-o ao axioma «politicamente só existe o que o público sabe que existe» (discurso em 26/10/1933); V) - traçou a desastrosa política externa do «orgulhosamente sós» (discurso em 18/5/1965).

 

No momento em que o país atravessa de novo uma profunda crise político-financeira, ao longo da qual tantas «atitudes irresponsáveis» têm ocorrido e inúmeros discursos «perigosamente autoritários» têm sido proferidos por quem não tem memória do que é viver em regime ditatorial, vale a pena lembrar que os fantasmas do obscurantissmo e da repressão se escondem por detrás das mais entusiásticas declarações de «defesa dos interesses nacionais», das melhores intenções de «salvaguardar a credibilidade externa do país», da insuportavelmente excessiva austeridade que conduz ao «vil empobrecimento dos portugueses», do ignomínio ataque à «solidariedade intergeracional», e da aviltante ofensa à «coesão social».

 

Por estas razões, considero oportuno transcrever as palavras que escrevi em À Janela dos Livros: Memória de 30 anos de Círculo de Leitores, e ilustrá-las com fotografias do grupo de estudantes envolvido no acontecimento que relato e do local onde nos mantiveram detidos na tarde de 2 de Maio de 1963.

   

...Foi neste contexto que, em 2 de Maio de 1963, teve lugar um dos mais rocambolescos e ridículos episódios de repressão policial em que acabei por me ver envolvido juntamente com outros finalistas do ICL, nomeadamente a Adélia, com quem já então namorava. Passou-se em Lisboa, na Rua Augusta, cerca das duas horas da tarde, quando visitávamos as instalações da Câmara de Compensação e, num relance, deparámos com um oficial de polícia[1] trajando à civil, de chibata na mão, que dizia ao professor[2] que nos acompanhava na visita de estudo: «não sei, não me interessa, estão todos presos». Uma ala de polícias armados fazia corredor até uma carrinha estacionada em frente ao edifício. O trânsito estava cortado; nos telhados dos prédios vizinhos, dezenas de polícias apontavam as armas na nossa direcção e a carrinha depressa se dirigiu, em sentido contrário ao do trânsito, para a esquadra do Terreiro do Paço. Depois de sermos identificados e de passarmos várias horas detidos, o tal capitão chamou-nos a uma sala para nos informar que tinha havido um engano: como o Sindicato dos Bancários se situava num piso por cima da Câmara de Compensação, a polícia considerara que se trataria de uma reunião conspirativa entre estudantes e sindicalistas e daí a montagem da operação policial que nos levou a passar uma tarde na esquadra!...


[1] Ao que então constou, tratar-se-ia de um capitão de apelido Maltês que teria comandado o cerco à Cantina Velha da Universidade, efectuado pouco tempo antes, e que levara à prisão de Caxias umas largas centenas de estudantes.

[2] António de Almeida, professor de Contabilidade Bancária

 Rui Beja

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José Cardoso Pires escreveu, em adenda de Outubro de 1979 ao seu «Dinossauro Excelentíssimo»: "Mas há desmemória e mentira a larvar por entre nós e forças interessadas em desdizer a terrível experiência do passado, transformando-a numa calúnia ou em algo já obscuro e improvável. É por isso e só por isso que retomei o Dinossauro Excelentíssimo e o registo como uma descrição incómoda de qualquer coisa que oxalá se nos vá tornando cada vez mais fabular e delirante." Desafortunadamente, a premunição e os receios de José Cardoso Pires confirmam-se a cada dia que passa. Tendo como génese os valores do socialismo democrático e da social democracia europeia, este Blog tem como objectivo, sem pretensão de ser exaustivo, alertar, com o desejável rigor ético, para teorias e práticas que visem conduzir ao indesejável retrocesso civilizacional da sociedade portuguesa.

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